Workshop da Plataforma Transatlântica para Ciências Sociais e Humanas discutiu metodologias para integrar pesquisadores e promover cooperação entre países (foto: Leandro Negro/Agência FAPESP)

No terceiro workshop da série de encontros promovidos em 2015 pela Plataforma Transatlântica para Ciências Sociais e Humanas (T-AP, na sigla em inglês), formada pela FAPESP e outras 11 agências de fomento das Américas e da Europa, especialistas de diferentes disciplinas científicas discutiram estratégias de integração de estudos envolvendo questões ambientais.

Em torno do tema Transformative Research – Interactions between Social Sciences, Humanities and Environmental Science, as discussões ocorreram de 1º a 3 de setembro, na sede da FAPESP, em São Paulo (SP), e sucederam os workshops Diversity, (In)equality and Differences, realizado em julho, na Inglaterra, e Digital scholarship, em janeiro, nos Estados Unidos. Está programado ainda um último encontro, em dezembro, na Alemanha, com o tema Building Resilient and Innovative Societies.

“A ideia (do workshop) é pensar estratégias conjuntas para as grandes questões ambientais, que têm esse caráter interdisciplinar e global e que podem aproximar pesquisadores de diferentes procedências geográficas e científicas”, explicou Claudia Bauzer Medeiros, professora no Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenadora adjunta de Programas Especiais da FAPESP e representante da Fundação na iniciativa.

A pesquisa desenvolvida no Estado de São Paulo, ela acrescentou, tem grande potencial de interação com a comunidade científica internacional tanto pela sua abrangência como pela sua qualidade. “Mas, para isso, é preciso que mais canais de diálogo sejam abertos.”

A primeira parte do workshop, aberta ao público, teve o objetivo de, dentro da ideia central da T-AP e com a participação de pesquisadores de São Paulo, levantar quais seriam as oportunidades e os desafios de cooperação transatlântica nos temas do workshop, de forma a resolver problemas de relevância científica, social, econômica e cultural. Várias apresentações destacaram o papel da pesquisa em ciências sociais e humanas na solução de problemas ambientais.

Para as discussões, foram reunidos pesquisadores das ciências sociais, humanas e ambientais envolvidos em projetos relacionados a questões do meio ambiente para discutir os desafios metodológicos da integração de disciplinas nessas áreas – entre eles, Carlos Joly, professor da Unicamp e coordenador do Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA).

“O workshop trata de quais as metodologias de ciências sociais e ambientais que podem ser combinadas para desenvolver pesquisa em meio ambiente com foco nas comunidades, com impacto social, uma das preocupações do BIOTA. O meio ambiente não é uma preocupação restrita a um grupo específico de pesquisadores – envolve também esforços de múltiplas disciplinas, em especial das ciências sociais e humanas em geral”, disse Joly.

Presente na abertura do evento, Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, destacou ainda outros programas da Fundação com grande potencial de interação entre disciplinas em questões ambientais.

“É importante que o Estado de São Paulo estimule e apoie pesquisas em todos os campos que podem trazer respostas a questões prioritárias para sua população, e esse tem sido um esforço grande da FAPESP especialmente na última década, como nos trabalhos desenvolvidos pelo BIOTA e pelos programas FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e de Pesquisa em eScience”, disse.

Para Maria Carmen Lemos, cientista política, professora e vice-diretora para Pesquisa da School of Natural Resources and Environment da Michigan University, em Ann Arbor, nos Estados Unidos, as agências de financiamento têm papel fundamental na promoção da interdisciplinaridade no tratamento das questões ambientais.

“As ciências naturais tenderam a liderar a agenda, mas é preciso reintegrar os sistemas sociais, incluídos os sistemas políticos, econômicos, culturais. A tradição de financiamento também precisa ser repensada, equilibrando a distribuição de recursos. Há poucas experiências de integração entre times de diferentes áreas em torno das questões ambientais e o processo de mudança desse paradigma tem sido muito lento – enquanto os desafios ambientais são urgentes. As agências podem acelerar esse processo de construção de uma comunidade interdisciplinar.”

Cibercartografia

No contexto das interações metodológicas propostas pelo workshop, Fraser Taylor, da Carleton University, no Canadá, apresentou a cibercartografia, ou cartografia cibernética, que utiliza recursos de mapeamento em plataformas digitais para organizar e apresentar informações e análises de diferentes naturezas em uma única plataforma e com linguagens convergentes.

“Para contemplar toda a complexidade das interações entre áreas distintas, mas com objetivos comuns, diferentes ontologias ou narrativas sobre o mesmo tema devem ser apresentadas de uma forma que as pessoas possam compreender facilmente, sem privilegiar um em detrimento de outro. A cibercartografia é capaz disso”, disse Taylor.

Para o pesquisador, o caráter transdisciplinar das novas mídias, como a Web, proporciona um espaço de grande potencial para a interação entre diferentes áreas da ciência.

“As ciências sociais e humanas em geral têm muito a contribuir a respeito das grandes mudanças pelas quais o meio ambiente tem passado, mas um grande problema é a forma como esse conhecimento pode ser integrado tanto entre as duas áreas como com outras, como as ciências físicas. Novas formas de comunicação digital oferecem novas oportunidades de conectar conhecimentos diferentes em torno de propósitos comuns, e esse é o caso da cibercartografia”, disse.

A apresentação de Taylor teve foco nas dimensões sociais e humanas dos mapas e do processo de mapeamento do conhecimento, contemplando os aspectos multimídia da cibercartografia.

“A cartografia no ambiente digital utiliza os recursos de diversas plataformas de mídia, como a Web 2.0, é altamente interativa, com o usuário podendo também ser criador. Não é um produto autônomo, como o mapa tradicional, mas parte de um pacote de informações e análises, incluindo dados qualitativos e quantitativos, e, além de multimídia, pode ser multissensorial, utilizando-se da visão, da audição, do tato e, eventualmente, até mesmo do cheiro e do sabor, porque as pessoas usam todos os sentidos no processo de aprendizagem e a tecnologia oferece recursos para acioná-los.”

O jornalista e historiador Jon Christensen, da University of California em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, apresentou projetos que puseram em prática recursos de cibercartografia conjugados a outras ferramentas de interação e visualização conjuntas de dados envolvendo questões ambientais – entre eles, um trabalho multidisciplinar que utilizou pesquisas em história para mapear a paisagem do Delta da Califórnia.

“Após mais de 200 anos de transformações promovidas pelo homem, com a drenagem de zonas úmidas para a colocação de diques e a instalação de uma vasta rede de barragens e gasodutos que abastecem de água o estado, a paisagem do delta foi refeita e seu ecossistema está em crise e a Califórnia estuda medidas para reverter o declínio das espécies ameaçadas. Mas ainda se sabe muito pouco sobre a complexidade desse ecossistema”, contou.

Cientistas do San Francisco Estuary Institute empreenderam um esforço interdisciplinar financiado pelo Departamento de Caça e Pesca da Califórnia para reconstruir toda a paisagem do delta por meio de pesquisas de ecologia histórica.

“Foram reunidas mais de 3 mil fontes históricas a partir de 40 arquivos de diferentes instituições, incluindo gráficos originais de navegação, pesquisas de terras do governo, desenhos, fotografias e revistas de diferentes épocas. Esses materiais foram criados para muitos propósitos, mas todos contêm pistas sobre com o que o delta uma vez pareceu”, contou Christensen.

Organizando em diferentes camadas toda essa informação histórica, os pesquisadores criaram um mapa detalhado dos tipos de terra, cursos de água e comunidades de plantas de 200 anos atrás, entre outros elementos da paisagem. A cartografia revelou um ecossistema interligado de grande complexidade à disposição de pesquisadores de diferentes áreas por meio de recursos multimídia.

“O mapa não fornece um modelo literal do que foi o delta, mas ajuda a compreender os processos físicos e biológicos que uma vez fizeram florescer aquele ecossistema, podendo contribuir para melhorar dramaticamente os esforços de restauração do habitat. Conhecer a paisagem como era também poderia ajudar a restabelecer um ecossistema adaptável.”

Christensen trabalha na Stemen Design, um estúdio de visualização de dados, em outros projetos de organização e visualização de dados públicos – entre eles, em parceria com a organização norte-americana sem fins lucrativos Climate Central, a avaliação do impacto da subida do nível do mar sobre comunidades costeiras em todo o país, explorando a qualidade da água, riscos e oportunidades.

“A visualização de dados, o mapeamento digital e o storytelling interativo estão se tornando cada vez mais importantes em diversas áreas. Juntas, essas ferramentas proporcionam diálogos para que sejam identificadas possíveis soluções para os desafios que os nossos recursos naturais e culturais mais importantes enfrentam”, destacou.

Para Karen Pittel, da Ludwig-Maximilians University, na Alemanha, a experiência no Delta da Califórnia evidencia que muitas das respostas para as questões ambientais podem vir das ciências humanas.

“Eventos naturais históricos, desenvolvimentos socioeconômicos e os valores culturais conduzem a importantes percepções e preparam melhor as pesquisas para os desafios ambientais que elas enfrentam”, afirmou.

Mas Pittel destacou que, além das barreiras entre diferentes áreas, pesquisadores precisam ampliar o diálogo “intradisciplinar”.

“Trata-se de um problema complexo porque não há desafios metodológicos apenas entre as ciências humanas e naturais, mas também dentro de cada uma delas, muitas vezes tão grandes quanto aqueles existentes entre áreas distintas. É preciso que se adote uma abordagem holística para as questões tão complexas e plurais quanto as ambientais, que só podem ser entendidas como um todo.”

Das discussões realizadas entre os participantes nos dias 2 e 3 de setembro, durante a programação fechada no workshop, sairá um relatório com propostas de múltiplas abordagens para as questões ambientais, identificando oportunidades de cooperação entre pesquisadores dos continentes com representações na T-AP e novas direções para projetos multilaterais.

Fonte: Agência Fapesp