O prêmio, concedido a cada quatro anos pela American Geophysical Union (AGU), dos Estados Unidos, contempla cientistas que tenham dados contribuições importantes no estudo do clima espacial (space weather), área da física e da ciência espacial que enfoca os efeitos da atividade do Sol nas vizinhanças da Terra
Walter Gonzalez, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi o ganhador do Space Weather Prize de 2017. O pesquisador deverá receber o prêmio em dezembro, na reunião anual da AGU, que, neste ano, será realizada em New Orleans, com estimativa de público de 20 mil pessoas.
Em sua tese de doutorado, redigida em 1973 na University of California, Berkeley, nos Estados Unidos, Gonzalez apresentou o primeiro modelo da interação do vento solar com a magnetosfera terrestre. Esse trabalho tornou-se um clássico na área e, apesar de todo o tempo transcorrido desde então, continua sendo citado e servindo de referência para a modelagem atual.
“O processo que estudei, chamado de ‘reconexão magnética’, refere-se à junção dos campos magnéticos do Sol e da Terra. Trata-se de processo fundamental para entender o clima espacial. Naquela época havia poucos satélites e praticamente nenhum passava pela zona de reconexão. Usei teoria e dados transmitidos por essa zona para a ionosfera terrestre na região polar. Depois, lançamos foguetes nessa região para observar as variações do campo magnético e verificamos que nosso modelo era consistente”, disse o pesquisador à Agência FAPESP.
Gonzalez nasceu no Peru e graduou-se em Física na Universidad Nacional de Ingenieria (1967), em Lima. Com uma bolsa da Organização dos Estados Americanos (OEA), veio para o Brasil, onde fez seu mestrado em Geofísica Espacial no Inpe (1969), antes de seguir para o doutorado em Berkeley (1973). Posteriormente, alternou períodos de atuação no Brasil com trabalhos na Stanford University, no California Institute of Technology (Caltech), no Jet Propulsion Laboratory (JPL) da Nasa, na National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa) e na Nagoya Daigaku (Universidade de Nagoya, Japão). Ao longo de sua carreira, Gonzalez contou por diversas vezes com apoios da FAPESP.
Os conhecimentos que vêm sendo obtidos no campo em que se especializou, o do clima espacial (space weather), têm importância fundamental para a segurança das missões espaciais, dos numerosos satélites que orbitam a Terra, dos aviões que sobrevoam regiões próximas aos polos e para os sistemas de comunicação e o sem-número de equipamentos eletrônicos instalados na superfície terrestre. Isso porque a magnetosfera do planeta é altamente afetada pela atividade solar.
Essa região, onde estão em órbita praticamente todos os satélites artificiais da Terra, interage fortemente com os jatos de matéria e energia lançados ao espaço pelas erupções do Sol. No “lado diurno”, isto é, voltado para o Sol, a magnetosfera avança cerca de 12 a 15 raios terrestres (de 78.000 a 97.500 quilômetros, aproximadamente). No “lado noturno”, a chamada “cauda da magnetosfera” se estende por mais de 100 raios terrestres (mais de 650.000 quilômetros), portanto muito além da órbita da Lua (situada a 60 raios terrestres).
“A magnetosfera é, fundamentalmente, uma região caracterizada pelo campo magnético da Terra. Mas também possui conteúdo material, na forma de um plasma rarefeito. É o vento solar que confere a ela sua forma característica, semelhante à de um cometa. A pressão do vento solar comprime e confina o campo magnético no lado diurno. E o arrasta e alonga no lado noturno”, afirmou Gonzalez.
Quando ocorrem atividades solares muito intensas, a magnetosfera pode ser palco de tempestades geomagnéticas. Embora raros, esses eventos já ocorreram algumas vezes nos tempos recentes. Quando acontecem, todo o espaço vizinho da Terra é afetado pelo fluxo de partículas muito energéticas (prótons, elétrons etc.) provenientes do Sol, por partículas arrancadas do cinturão de radiação de Van Allen e por correntes elétricas induzidas na magnetosfera. Tais ocorrências podem danificar os satélites ou deslocá-los de suas órbitas; afetar as linhas de alta tensão e provocar blackouts na superfície da Terra, devido às correntes induzidas na ionosfera; e ser até letais para astronautas de veículos tripulados. Nas regiões aurorais, situadas em altas latitudes ao norte e ao sul, os efeitos chegam à atmosfera, produzindo as auroras boreal e austral.
“A erupção solar mais intensa registrada na era contemporânea foi a de 1859, quando auroras de grande magnitude foram observadas até mesmo em latitudes tão baixas como as do Havaí, Cuba, Rio Grande do Sul, Argentina e Chile. Naquela época, o único recurso tecnológico que podia ser afetado pelo evento eram os telégrafos. E registros de várias regiões do mundo mostram que quase todos os telégrafos se queimaram. Atualmente, com toda a tecnologia eletrônica instalada, o efeito seria desastroso. Estudos indicam que o planeta levaria cerca de 10 anos para se recuperar”, informou o pesquisador.
Medidas preventivas incluem o desligamento dos detectores dos satélites, a suspensão do tráfego aéreo nas regiões aurorais e a adoção de procedimentos de segurança nas linhas de transmissão elétrica, entre outras. Mas é difícil saber ao certo se e quando uma erupção importante ocorrerá. Para aumentar o conhecimento da atividade solar e possibilitar previsões mais acuradas, o lançamento de duas sondas rumo ao Sol está previsto para os próximos anos. São elas a Parker Solar Probe, da Nasa (a agência espacial norte-americana), e a Solar Orbiter, da ESA (a agência espacial europeia).
A missão da Nasa, que antes se chamava apenas “Solar Probe”, foi renomeada como “Parker Solar Probe” em homenagem ao astrofísico norte-americano Eugene Parker, pioneiro no descobrimento do vento solar e nas pesquisas sobre a reconexão magnética. É a primeira vez que uma missão recebe o nome de um cientista ainda vivo. Atualmente com 90 anos, Parker foi coeditor do livro Magnetic Reconnection, de Walter Gonzalez.
Em seu ponto de maior aproximação, a Parker Solar Probe deverá chegar muito perto da superfície do Sol, a cerca de 6 milhões de quilômetros. Já para a Solar Orbiter está prevista uma missão prolongada, de sete anos, com aproximações do Sol a cada cinco meses. Seu periélio (ponto de maior proximidade com o Sol) estará a uma distância de 43 milhões de quilômetros da superfície – mais perto, portanto, do que o periélio de Mercúrio, situado a pouco mais de 46 milhões de quilômetros da superfície solar. Para proteger os equipamentos das altas temperaturas, que no ponto de maior aproximação da Parker Solar Probe é superior a 1300 graus Celsius, as sondas disporão de escudos feitos com uma liga especial de carbono.
“O objetivo desses dois empreendimentos, complementares e articulados, é estudar de perto a coroa solar e os processos fundamentais que originam as erupções. Espera-se que as informações aportadas possibilitem prever, a partir da Terra, com um ou dois dias de antecedência, a ocorrência de tempestades geomagnéticas. Dado o alerta, todas as medidas preventivas seriam adotadas, de forma a minimizar os possíveis danos”, comentou Gonzalez.
Apesar de seu território situar-se entre baixas latitudes, o Brasil não está infenso às perturbações provocadas pelos eventos solares. Isso devido à proximidade do Sul do país com a chamada “anomalia magnética do Atlântico Sul”, onde se precipitam principalmente elétrons energéticos do cinturão de radiação de Van Allen.
Por meio de convênio assinado em maio de 2015, o Brasil participa do esforço internacional de entendimento do clima espacial. Por um lado, o Inpe recebe da Nasa dados de satélites para modelagem e interpretação; por outro, fornece à Nasa informações de baixas latitudes, obtidas por detectores terrestres instalados em diversas regiões do país.
A participação, no caso, contempla duas importantes missões da Nasa na zona de reconexão magnética: a Themis, composta por uma frota de cinco satélites que atravessam a região e observam com bastante detalhe o que acontece ali; e a Magnetospheric Multiscale mission (MMS), composta por quatro satélites, maiores do que os da missão Themis, cada qual pesando cerca de uma tonelada. “Estive presente no lançamento da MMS. Essa missão custou cerca de US$ 1,2 bilhão. Estamos participando das observações e das interpretações”, contou Gonzalez.
A premiação do cientista é, antes de tudo, um reconhecimento de sua grande contribuição à área. Mas também distingue o prolongado empenho da ciência brasileira no setor. Gonzalez é autor de 195 artigos científicos em periódicos internacionais, de quatro livros e de 25 capítulos de livros. Além disso participou da organização de 10 workshops internacionais sobre tempestades magnéticas realizados em diversos países. Pelo fato de a primeira dessas reuniões ter ocorrido no Brasil, elas ficaram conhecidas sob o nome de “Brazil Workshops”. A síntese das conclusões dessa primeira reunião, redigida por Gonzalez, já recebeu até agora mais de 1.200 citações.
Fonte: Agência Fapesp