Jovens filhos de agricultores na região amazônica definiram indicadores para medir a sustentabilidade de suas propriedades, do território do entorno ou comunidade, com a ajuda de pesquisadores da Embrapa e de outras instituições. O conjunto de itens avalia se a propriedade apresenta bom desempenho em cinco aspectos: ambiental, agrícola, econômico, social e governança.
Ao todo, são 38 itens que o produtor rural deve preencher. Esses dados serão avaliados por meio de um software, a ser disponibilizado posteriormente em forma de aplicativo, que dará um diagnóstico com os aspectos positivos da propriedade e os que precisam ser aprimorados.
Será gerado um índice multicritério que servirá, primeiramente, para guiar as famílias na melhoria de suas condições de produção e vida. Mas a ferramenta, que está em fase final de validação, também poderá ser usada para buscar certificações e pleitear financiamentos e estímulos à produção sustentável.
Inclusão geodigital na Amazônia
O trabalho faz parte de um projeto de inclusão geodigital e gestão territorial de unidades de produção de base familiar, liderado pela Embrapa Territorial (SP) e financiado pelo Fundo Amazônia.
Para definir os indicadores, pesquisadores realizaram oito oficinas, uma em cada estado da Amazônia: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima.
Delas participaram profissionais da assistência técnica, professores das universidades e centros de pesquisa locais, bem como representantes de organizações de produtores rurais. O público principal foi composto por estudantes de ensino médio das chamadas Escolas Família Agrícola, sendo que algumas delas sediaram os encontros.
Nessas instituições de ensino, além do conteúdo regular, os jovens discutem e aprendem sobre a produção no campo. Elas adotam a pedagogia da alternância, ou seja, os alunos ficam parte do mês na escola, morando lá, e o restante com a família, aplicando e dividindo os conhecimentos.
O que avaliar
Com a equipe do projeto e os monitores das escolas, os participantes das oficinas debateram o que é importante avaliar para chegar a um diagnóstico de sustentabilidade da propriedade, do território do entorno ou da comunidade.
Qual o nível de compactação do solo? Há presença de minhocas e outros invertebrados? Existe boa convivência e cooperação entre os vizinhos? Observa-se diversidade de animais no entorno? A família tem dívidas? Há confiança entre as pessoas que fazem a gestão da propriedade?
“Tudo isso é para ser respondido a partir da percepção do aluno ou do agricultor no campo”
João Alfredo Mangabeira , pesquisador da Embrapa e líder do projeto
A ideia é que não seja preciso usar nenhum método complexo ou custoso, como uma análise laboratorial.
“Para cada métrica, criamos um modelo matemático simples, de modo que fique fácil para um estudante utilizá-lo”
Mangabeira avalia que as oficinas foram experiências muito ricas, com estudantes e agricultores discutindo cada ponto com as equipes técnicas. A compilação dos debates resultou em 38 indicadores, agrupados em cinco critérios: ambiental, agrícola, econômico, social e de governança. Eles têm pesos diferentes, conforme a relevância para formação do índice de sustentabilidade, mas é a avaliação do conjunto que permite identificar os pontos a serem melhorados para cada propriedade e comunidade.
O cientista conta que muitas vezes a propriedade é vista somente pelo aspecto ambiental, por exemplo, mas ela pode estar dando prejuízo. Ou pode ser muito lucrativa, porém com práticas que vão exaurir recursos e inviabilizar a atividade ao longo do tempo. As condições para produção agrícola podem ser excelentes e, todavia, faltar estrutura para comercialização.
Por isso, a preocupação foi desenvolver um método que englobasse todos os aspectos relevantes. O pesquisador exemplifica a importância de observar diferentes aspectos com o comentário que recebeu de um agricultor no início de sua carreira: “Doutor, não adianta o senhor vir aqui e dizer para a gente produzir arroz se não tem ponte para passar caminhão…”.
O professor Raimundo Cláudio Maciel, economista e professor da Universidade Federal do Acre (UFAC), trabalha há 23 anos com indicadores socioeconômicos com agricultores do estado. A experiência dele é uma das integradas ao projeto. Ele considera a iniciativa inovadora por causa da amplitude, ao agregar a avaliação do desempenho econômico e de governança às questões socioeconômicas e ambientais.
O desafio da governança
Desde a concepção do projeto, a equipe tinha em mente que um dos maiores desafios seria elencar indicadores de governança. Esse item se refere à forma como uma organização é administrada, com seus processos, costumes, decisões. Existem indicadores de governança para municípios, estados e, principalmente, empresas.
No entanto, para propriedades rurais, especialmente pequenas unidades de produção familiar, ainda não havia métodos desenvolvidos. Mangabeira ressalta que esse aspecto foi incluído no trabalho porque é a chave para compreender a situação da propriedade, da gestão de cooperativas ou associações de produtores.
A compilação das discussões nas oficinas nos 38 indicadores aconteceu com a colaboração de representantes de instituições da Amazônia, das Escolas Familiares Agrícolas e dos estudantes participantes das oficinas – eles constituíram um grupo chamado de “decisores”.
Ainda em 2019, a equipe do projeto retorna a quatro dos locais onde foram realizados esses encontros para avaliar a eficácia do conjunto definido, juntamente com esses decisores.
“Vamos fazer o pré-teste e devolver para eles analisarem coletivamente”
diz Mangabeira
Cursos e lançamento do aplicativo
A próxima etapa será, então, a disponibilização do aplicativo e a realização de oito cursos presenciais sobre o levantamento do índice de sustentabilidade, nos mesmos locais das primeiras oficinas. Está prevista também uma versão online dessa capacitação, aberta à sociedade.
Para a professora Olga Oliveira dos Anjos, assessora técnica do Instituto de Representação, Coordenação e Assessoria Familiar Rural (Ircoa) no Maranhão, o aplicativo e o índice multicritério de sustentabilidade são ferramentas para os jovens identificarem precisamente o que não está funcionando em suas propriedades e buscarem ajuda de forma direcionada.
“Ele pode saber que não está bom, porque isso é perceptível, mas não tem algo que valide e que mostre onde está o problema”
A opinião é compartilhada pelo estudante Adolfo Carvalho, egresso de Escola Familiar de Marabá. Segundo ele, a ferramenta pode fornecer dados concretos para a solicitação de políticas públicas.
Além da Embrapa Territorial, atuam no projeto a Embrapa Informática Agropecuária (SP) e unidades da Empresa na região amazônica: Embrapa Acre, Embrapa Amapá, Embrapa Amazônia Ocidental (AM), Embrapa Amazônia Oriental (PA), Embrapa Cocais (MA), Embrapa Rondônia e Embrapa Roraima. Também têm colaborado pesquisadores da Escola Politécnica e Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e do Instituto de Socioeconomia Solidária (ISES).
Com informações da Embrapa. Imagens: Divulgação