Esta semana, um ex-aluno e amigo meu me perguntou se o projeto brasileiro dos satélites de alta resolução havia estagnado. Em verdade ele se referia ao Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), idealizado pela Força Aérea Brasileira (FAB) há quase uma década.

Comecei respondendo a ele que o projeto do satélite eletro-óptico Carponis, com previsão de possuir 0,70 m de resolução espacial, já está, há um ano, na Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC), da FAB, responsável pelo processo de aquisição do satélite.

Entretanto, por solicitação do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), o projeto do satélite radar Lessônia passou a ter prioridade na COPAC, em 2020.

Infelizmente, nem o Ministério da Defesa (MD), nem a FAB, possuem recursos para esse investimento. O CENSIPAM ensaiou investir no Lessônia, com recursos remanejados dentro do Governo Federal, mas a pressão política foi muito grande, e o processo de aquisição foi adiado.
Em verdade, falta ao governo uma organização centralizada da dinâmica de monitoramento orbital da Terra pelo Brasil.

A Agência Espacial Brasileira (AEB), que deveria ser independente para decidir, e que – por definição – deveria coordenar todos os projetos aeroespaciais do país, é subordinada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), por sua vez, que possui excelente capacidade de integração de satélites, além de construção de diversos componentes, também é subordinado ao MCTI e, desta forma, não se sujeita às orientações da AEB, embora esta controle os recursos destinados aos projetos daquele Instituto.

A FAB, quando propôs a criação do PESE, tinha a idéia de estabelecer parâmetros para, em uma primeira fase, comprar satélites prontos para o Brasil e, em fases seguintes, projetar e contratar a fabricação de satélites em solo nacional que atendessem às necessidades das Forças Armadas, voltados para Inteligência e Comando e Controle (C²). No entanto, quando percebeu que não teria orçamento para um programa tão grandioso, o passou para o MD, mantendo sua coordenação.

Só que o MD não quer assumi-lo, embora seja transdisciplinar, atendendo às três Forças. Ora, a Marinha possui os programas do submarino de propulsão nuclear, de construção de submarinos convencionais, de revitalização da Armada (Navio-aeródromo, Fragatas e Corvetas), de revitalização da aviação naval e o SisGAAz. O Exército possui os programas SISFRON, Lucerna, de revitalização da família de blindados (Guarani), entre alguns outros. A FAB possui os programas de aquisição de aeronaves de combate (Gripen), de revitalização dos A1, F5 e Tucanos, e a Dimensão 22. Como o MD poderá atender a tantos programas das Forças, se assumir a responsabilidade de investir em aquisição de satélites?

E, como se pode ver, o PESE está desconectado do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), instrumento de planejamento do Programa Espacial Brasileiro (PEB), de responsabilidade da AEB, que traz, ou que deveria trazer, as principais missões espaciais a serem desenvolvidas em um período de 10 anos, no âmbito do Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (SINDAE).

O INPE, por exemplo, planeja lançar o satélite Amazônia-1 (eletro-óptico) em fevereiro de 2021, de baixíssima resolução espacial (250 e 60 m). E quando instado a se posicionar sobre os parâmetros listados pela FAB de satélites que pudessem atender às necessidades das Forças, afirmou que não interessava mesclar os projetos dos dois Ministérios, alegando que o Amazônia-1 “possui fins pacíficos, voltados para a comunidade científica nacional e mundial”. Incrível.

Enquanto isto, outros Ministérios, como Justiça, Meio Ambiente, Agricultura, além dos próprios MCTI e MD, seguem comprando imagens da MAXAR, AirBus, Planet, Iceye, Kompsat, Deimos, MDA etc.

Em 2018 foi criado o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), formado por diversos Ministérios, sob a coordenação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI-PR), com o objetivo de destravar esses problemas históricos da área espacial no Brasil. Entretanto, infelizmente, suas resoluções ainda não saíram do campo teórico.

Resumindo, com relação à pergunta do meu amigo, se o projeto brasileiro dos satélites de alta resolução havia estagnado: respondi que, por enquanto, sim.

O mais próximo que temos disso é uma nova licitação que a FAB está preparando para controle de satélites, como um comodato, a exemplo do que ocorreu em 2017/ 2018, em que o Comando de Operações Aeroespaciais (COMAE), por meio do Centro de Operações Espaciais (COPE), passou a controlar o satélite israelense EROS-B (GSD 1 m), quando sua órbita passa pelo Brasil. Um novo contrato seria por mais três ou, no máximo, cinco anos.

Torçamos para que seja tempo suficiente para que nossos decisores possam enxergar algo mais do que os problemas de amanhã, da semana ou do mês seguinte. Que possam, de fato, pensar de forma estratégica e de longo prazo, de forma unificada e conjunta, sem interferência política ou interesses de um ou outro ministério. E que a AEB possa se fortalecer e conduzir esse processo tão importante para o futuro aeroespacial do Brasil.

Imagem de capa: GEOeduc
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*Ivan Carlos Soares de Oliveira , consultor sênior da BTI Technology & Intelligence, é Doutor em Ciências Militares, área de concentração Sensoriamento Remoto, pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME); Mestre em Geologia, área de concentração Análise Ambiental, pela Universidade de Brasília (UnB); especialista em Geoprocessamento, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); especialista em Inteligência, pela Escola de Inteligência Militar do Exército (EsIMEx); e especialista em Fotoinformação, pela Escola de Instrução Especializada do Exército (EsIE). Atualmente é professor e coordenador do curso de Inteligência de Imagens para a Segurança, na Logos Inteligência e Planejamento Estratégico