Apesar de ser desconhecida por grande parte da população, a indústria espacial brasileira existe, está organizada e demonstra ter capacidade para responder às demandas governamentais e privadas do setor e entregar produtos e serviços essenciais para todos os habitantes do país. Mesmo assim, ainda faltam oportunidades para que cresça e se consolide de vez.
Essa é a percepção de especialistas que participaram da segunda Live da Série SpaceBR Show, “Raio X da Indústria Espacial Brasileira”, moderada pelo CEO da MundoGEO, Emerson Granemann.
Assista à íntegra da Live:
Um levantamento realizado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), que culminou na publicação do “Catálogo da Indústria Espacial Nacional”, mostra que existem ao menos 55 empresas que atuam em sete setores da indústria: lançadores, satélites, serviços, software, hardware, infraestrutura e aplicações. Concentradas majoritariamente nos estados de São Paulo e Rio Janeiro, elas operam em todas as etapas da cadeia produtiva.
“Temos vários atores no setor espacial, como indústria, governo, universidades e institutos de pesquisa. Todos desempenham o seu papel. E todos estão atuando em uma determinada parte dentro desse índice de maturidade tecnológica”, avalia Henrique Fernandes Nascimento, coordenador de Estudos Estratégicos e Novos Negócios da AEB.
O exemplo mais recente dessa participação é o Amazônia 1, primeiro satélite de Observação da Terra completamente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil, de responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Cerca de 60% dos recursos foram destinados para contratos com empresas nacionais para o desenvolvimento e fabricação de subsistemas e equipamentos. Sete companhias trabalharam para tornar realidade o Amazônia-1: Cenic, Orbital Engenharia, Fibraforte, Equatorial Sistemas, Opto Eletrônica, Omnisys e AEL Sistemas.
“Além do foco no desenvolvimento tecnológico, o Inpe sempre atuou em parceria com a indústria nacional, a qual foi capaz de dar respostas e desenvolver produtos inovadores. Produtos que hoje têm o certificado de maturidade máxima porque passaram por todo o processo de qualificação. E eles estão desempenhando melhor que os requisitos especificados”, atesta Adenilson Roberto da Silva, coordenador de Engenharia e Tecnologia Espacial do Inpe.
“Hoje podemos dizer que o Brasil tem uma plataforma validada em voo, que poderá ser utilizada em futuras missões e que já teve uma grande participação da indústria nacional e tem muito mais campo para a indústria participar. Com isso, o Brasil está capacitado para desenvolver e dar passos de forma incremental para produtos espaciais mais complexos”, complementa.
Indústria precisa de previsibilidade e demanda
Mesmo demonstrando capacidade, as empresas brasileiras não conseguem uma constância de projetos que permitam a elas estarem sempre trabalhando pelo desenvolvimento do setor. Por isso, pedem mais previsibilidade. Especialmente ao governo.
“Temos um desafio grande para consolidar a nossa indústria e isso tem que ser feito em torno das demandas governamentais inicialmente”, propõe Jadir Nogueira Gonçalves, sócio-diretor da Fibraforte e vice-presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB).
“Na medida em que consigamos que o governo estruture demandas, ficará mais claro que vale a pena investir na indústria nacional para o desenvolvimento de sistemas satelitais, tanto óticos como radar”, prossegue.
O presidente da Visiona, João Paulo Campos, afirma que o cenário futuro se resume a recursos, disponibilidade, tempo e maturidade tecnológica. “É difícil dizer o quão profunda pode ser a participação da indústria. Não se sabe quais são os orçamentos, não se sabe quais são as prioridades. O Brasil não é um país com planejamento de longo prazo”, analisa.
“A indústria pode pedir oportunidade de participar, mas tem que ser capaz de fornecer uma solução madura, e estamos nos esforçando para isso”, garante Campos.
Adenilson Roberto da Silva, do Inpe, compartilha a mesma opinião. “Dado todo o histórico de desenvolvimento, realmente precisamos ter uma cadência de projetos que permita manter a indústria nacional viva. Não se consegue manter uma indústria nacional sem cadência de projetos. A gente leva dez anos para qualificar um produto e podemos perder o domínio dessa tecnologia rapidamente”, alerta.
Para isso, um dos caminhos é mostrar à sociedade a importância dos serviços espaciais e, assim, gerar um movimento que pressione o governo a criar projetos e investir no setor espacial.
“O que está muito distante da percepção da população é que boa parte dos produtos e serviços que temos hoje passa por uma infraestrutura de serviços espaciais. Estabelecer a conexão de que os sistemas espaciais estão aqui para solucionar alguns problemas e que essa busca gera oportunidades e negócios. O setor tem essa possibilidade de ter camadas de desdobramento dos efeitos de suas aplicações”, indica Henrique Fernandes Nascimento, da AEB.
Indústria nacional se mobiliza para atender o Projeto Carponis
A indústria nacional observa com bastante atenção ao Projeto Carponis-1, um satélite brasileiro de sensoriamento remoto de alta resolução, que é gerenciado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e faz parte das constelações de satélites do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE). Entre as especificações está a capacidade de gerar imagens coloridas com resolução igual ou inferior a um metro. E a ideia é que seja utilizado também no âmbito de Defesa e Segurança, como por órgãos governamentais nos segmentos da agricultura e do meio ambiente.
Segundo Jadir Nogueira Gonçalves, da AIAB, já há um movimento para que empresas nacionais façam parte do projeto. “Estamos atualmente coordenando um trabalho de convencimento do Ministério da Defesa, em especial a FAB, de que a indústria brasileira possa fornecer a primeira parte da constelação do Projeto Carponis”, explica.
O ideal, para ele, é que o Carponis-2, a segunda fase do projeto, seja considerado mobilizador, facilitando assim a participação da indústria nacional. “Estamos coordenando um esforço estruturado para resgatar um dos projetos mobilizadores definidos pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), que emitiu um relatório em 2018 estabelecendo o Carponis-2 como projeto mobilizador com características que a indústria nacional consegue fornecer”, completa Gonçalves.
João Paulo Campos, da Visiona, diz que percebe uma abertura e uma preocupação grande por parte da FAB em inserir a indústria brasileira no Carponis-1, e que agora depende da própria cadeia produtiva provar que é capaz. “A nossa participação vai depender muito da nossa competência de propor soluções que sejam satisfatórias para a Força Aérea”, opina.
Essa capacidade o Brasil já teria. Essa é a conclusão de Adenilson Roberto da Silva, do Inpe. “Hoje o Brasil tem plenas condições de atender essa demanda, utilizando a experiência já adquirida. Tenho plena segurança que temos, em conjunto com a indústria, como fornecer soluções para o projeto Carponis. Até um tempo atrás, poderia ter uma dúvida, mas não hoje.”
Lives sobre o setor espacial brasileiro
O cenário para a indústria espacial brasileira, apesar de incerto, carrega um otimismo. “O New Space que o Brasil está tentando se inserir tem como característica principal uma maior inclusão da iniciativa privada como investidora junto com o governo. Pelo que pude perceber nesta live, estamos no caminho certo”, comenta o CEO da MundoGEO, Emerson Granemann.
Ele finalizou a live “Raio X da Indústria Espacial Brasileira” lembrando que mais eventos ao vivo ocorrerão como prévia do SpaceBR Show, organizado pela MundoGEO, com apoio da AEB, que vai acontecer entre 8 e 12 de novembro no formato 100% online. Para conhecer a programação e fazer a inscrição gratuita, basta acessar o site do SpaceBR Show.
“Este evento da MundoGEO, juntamente com outras ações da empresa, tem o propósito de colaborar no desenvolvimento deste setor no Brasil. A MundoGEO se encarrega de montar as arenas presenciais e online para que os principais atores do segmento espacial dialoguem e construam caminhos de fortalecimento deste setor, sob o ponto de vista civil e militar e com isso possam gerar benefícios para a sociedade brasileira”, reforça Granemann.
Os próximos temas abordados serão o potencial de uso da Base de Lançamento de Alcântara, a participação privada no conceito de New Space e a formação de profissionais para atuação no setor espacial.