O texto a seguir é um extrato do artigo “Uma tentativa de mensurar o retorno do investimento público no setor espacial brasileiro” de autoria de Michele Cristina Silva Melo e Lúcia Helena Michels Freitas. O artigo completo pode ser encontrado aqui.
O setor espacial é reconhecido por ser um dos setores mais transversais e de maior valor agregado existente. Diversos países têm realizado investimentos nessa área como forma de promover o desenvolvimento socioeconômico e as perspectivas futuras para o setor são extremamente positivas, podendo atingir mais de US$ 1 trilhão de dólares já em 2040 (Morgan Stanley, 2020).
Justamente por isso é importante ter medidas de mensuração do seu impacto na economia, como forma de demonstrar os resultados em termos de benefícios não apenas econômicos, mas também sociais.
No caso brasileiro, a adoção de metodologias de cálculos de retorno de investimentos é dificultada pela falta de informações completas sobre a indústria espacial, tais como: a falta de um código específico de classificação econômica, a falta de um estudo sobre quais empresas efetivamente compõem o setor espacial no Brasil (upstream e downstream) e informações detalhadas sobre produção, exportação e emprego. Nesse cenário, como uma primeira tentativa de mensurar o retorno dos investimentos no Brasil optou-se por utilizar as taxas de impacto, direto e indireto, calculadas pela London Economics (2015) para países pertencentes à Agência Espacial Europeia.
Compreende-se que a situação do Brasil é completamente diferente dos países que compõe a ESA. Contudo, as características do setor espacial são as mesmas, não importando o país que se analisa:
- O setor espacial no Brasil também é um setor de fronteira tecnológica;
- Os projetos são de longo prazo, alto custo e risco;
- Geram impactos em diversos outros segmentos econômicos;
- Os investimentos são realizados pelo setor público;
- O INPE e o IAE atuam como prime contractors, subcontratando a indústria para o desenvolvimento dos projetos; e
- Grande parte das empresas do setor espacial no Brasil não operam exclusivamente no setor espacial, mas tem o setor espacial como fonte secundária de operação, novamente dificultando o acesso a dados sobre produção, emprego, exportação e importação.
Assim, como forma de ter uma primeira medida do impacto dos investimentos públicos realizados pela Agência Espacial Brasileira no setor espacial, optou-se pela aplicação de taxas já calculadas para os projetos financiados pela AEB durante o ano de 2020, a saber, os projetos CBERS-4ª, AMAZONIA-1 e VLM-1.
A tabela a seguir lista os projetos e respectivos valores finais, desconsiderando os custos indiretos (custos indiretos são os valores destinados para manutenção dos institutos, como por exemplo, aluguéis, manutenção e limpeza de imóveis, fornecimento de energia elétrica e água, serviços de comunicação de dados e telefonia, taxa de administração e consultoria técnica, contábil e jurídica):
Tabela 1 – Projetos de investimento da AEB para 2020, valores a serem excluídos e Valores Finais
(*) Na LOA 2020, as despesas do VLM-1 são custeadas por duas ações orçamentárias, 21AG – Desenvolvimento de sistemas espaciais e 21AI – Infraestrutura e aplicações espaciais. Os custos indiretos desse projeto são computados na ação 21AI.
Assim, foram aplicadas as taxas referentes ao impacto direto, da ordem de 3 a 4 vezes; ao impacto indireto, da ordem de 6 a 12 vezes; e o impacto total.
Para o caso do impacto direto, em um cenário mais conservador (considerando o efeito de 3 vezes para cada R$ investido) os investimentos totais realizados em 2020, na ordem de R$ 57.544.822,00, geraram um retorno de R$ 172.634.466,00. No caso brasileiro, é mais interessante a adoção de um cenário conservador, em virtude da atuação dos institutos públicos como prime contractors e a não a contratação direta da indústria. Também se destaca que, no caso do CBERS-4A, o investimento público se deve apenas a 50% do satélite, uma vez que o desenvolvimento seria 50% de responsabilidade da China.
Para o caso do impacto indireto, o retorno para o cenário conservador (considerando o multiplicador de 6 vezes por cada R$ investido) somou R$ 345.268.932,00. Os impactos indiretos medem os efeitos gerados pelo investimento no setor espacial em outros setores econômicos, que não o espacial. No caso dos três projetos, o Amazônia-1 é o que possui a maior parte dos seus componentes produzidos ou desenvolvidos no Brasil, o que contribui para a maior geração de efeitos indiretos.
Dessa forma, sendo conservador, o total investido pela AEB em 2020, desconsiderando os custos indiretos no valor de R$ 57.544.822,00, gerou um efeito total de R$ 517.903.398,00. Ou seja, um efeito total de 9 vezes sobre os valores iniciais investidos. Em um cenário mais otimista, o efeito total seria de R$ 920.717.512,00, um efeito de 16 vezes sobre o valor inicial. Percebe-se que mesmo em um cenário conservador, os números mostram o real impacto do setor espacial sobre a economia e como driver de desenvolvimento socioeconômico.
Tabela 2 – Impactos Diretos e Indiretos do investimento público no setor espacial.
Um fator que deve ser levado em consideração e que pode diminuir o efeito total calculado é o fato de que os pagamentos relacionados aos lançamentos tanto do CBERS-4A quanto do Amazonia-1 serão feitos a empresas no exterior, o que não gera os efeitos internamente no país.
Referências
Morgan Stanley. Space: investing in the Final Frontier. Disponível em: https://www.morganstanley.com/ideas/investing-in-space. Acesso em: 21 de julho de 2020.
London Economics. Return from public space investments: an initial analysis of evidence on the returns from public space investments. October, 2015.
*Michele Cristina Silva Melo – Servidora da agencia espacial brasileira, cedida ao Inep no cargo de Diretora de Avaliação da Educação Básica. Membro dos comitês de economia espacial e transporte espacial da International Astronautical Federation (FAA). Professora da disciplina Cadeia Produtiva Aeroespacial (Economia Espacial) do Mestrado Profissional da Economia/UnB (convênio AEB/UnB)
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