Por mais paradoxal que pareça, pode-se definir como estratégico todo recurso que se dispõe em abundância ou em grave escassez. Assim, um recurso natural, como a água potável, por exemplo, é estratégico para o Brasil e para Israel por razões distintas.
Muitas vezes, recursos estratégicos requerem, para seu desenvolvimento, tecnologias ainda inexistentes ou sob rigoroso controle de propriedade intelectual, ou mesmo geopolítico. Aí pode ser vista a crucial relação entre estratégia e tecnologias críticas ou sensíveis, às vezes tomadas como sinônimos, mas que apresentam sutis diferenças.
Crítica é toda tecnologia que, mesmo sendo de fácil acesso, torna impossível o desenvolvimento de um recurso estratégico sem sua utilização. Como exemplo, uma força de trabalho jovem, saudável e bem formada é um recurso estratégico para o desenvolvimento econômico de um país. Logo, tecnologias educacionais são críticas, mas não sensíveis, na medida em que não há restrições geopolíticas ou de propriedade intelectual que impeçam seu uso em massa.
Por outro lado, tecnologias sensíveis são aquelas sabidamente necessárias para a persecução de um objetivo estratégico, mas que são severamente controladas, não restando outra alternativa senão seu desenvolvimento local, implicando no investimento em ciências aplicadas (tecnologia) e ciências básicas que as suportem.
Somente como referência, foi o que aconteceu nos anos iniciais da primeira Revolução Industrial, quando a Inglaterra impôs intenso controle sobre a tecnologia dos teares mecânicos, punindo a exportação dos segredos tecnológicos desse tremendo motor de crescimento econômico.
Muitas vezes, tecnologias críticas são também sensíveis, como aquelas necessárias ao chamado “Acesso ao Espaço”. Analistas da Morgan Stanley estimam que o mercado atual da indústria espacial saltará dos atuais US$ 350 bilhões para mais de US$ 1 trilhão em 2040, por meio das iniciativas que se convencionou chamar de Novo Espaço (New Space), envolvendo centenas de empresas de todos os portes, que estão reduzindo drasticamente o custo de satélites e de seus lançamentos.
Nós, da Concert, por exemplo, participamos do desenvolvimento do setor aeroespacial brasileiro há mais de 30 anos, dominando as tecnologias necessárias ao controle das operações de lançamento – o chamado Segmento de Solo. Juntamente com as empresas parceiras Cron Sistemas e Horuseye Tech, fomos selecionados pela Agência Espacial Brasileira para o desenvolvimento de um Sistema de Navegação Inercial e Computador de Bordo para veículos lançadores de microssatélites numa abordagem de “uso dual”, ou seja, que, encontra aplicação em outras indústrias, seja no controle de navegação de drones, seja na estabilização de plataformas de exploração de petróleo. Essa é uma tecnologia crítica e também sensível.
Outro segmento tecnológico em alta é o de Internet das Coisas (IoT). Trata-se de tecnologia crítica para diversas aplicações, que vão do consumo, passando pela indústria 4.0, até mercados mais sofisticados, como veículos autônomos. Analistas predizem que o mercado mundial de IoT alcançará mais de US$ 650 bilhões já em 2026, com uma taxa de crescimento anual superior a 15%.
É o caso da thingable!, start-up criada para oferecer uma plataforma “low code” ao mercado, para geração e hospedagem de aplicativos de IoT em nuvem. Tal iniciativa, por sua vez, colabora também para o desenvolvimento do setor aeroespacial, já que o mercado de comunicações para IoT é um dos motores do New Space, sendo estimado pela EuroConsult um volume de negócios de US$13,5 bilhões entre 2022 e 2030.
Não há dúvidas de que o New Space é um recurso estratégico para o Brasil e que demandará grande investimento em tecnologias críticas e sensíveis. Algumas já estão sendo criadas. Portanto, as empresas do setor devem estar atentas às oportunidades que já começam a surgir para não perdermos o bonde do desenvolvimento.
*Angelo Fares é engenheiro Eletrônico e de Telecomunicações, especialista em Inovação e Empreendedorismo.
A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da MundoGEO.
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