Cientistas brasileiros alcançaram a terceira colocação numa das maiores iniciativas para mapeamento da biodiversidade das florestas tropicais do mundo, a competição internacional XPRIZE Rainforest. O resultado foi anunciado em 15 de novembro, após cinco anos de competição. 

No início, lá em 2019, mais de 300 equipes, de 70 países, se inscreveram.  O “Brazilian Team”, como é chamada a equipe que representou o Brasil na competição, ficou entre os 12 semifinalistas qualificados na primeira fase, ocorrida em Singapura em 2023 e completou o teste final na Amazônia brasileira em 2024, ao lado de outras cinco equipes, todas essas do hemisfério Norte. A equipe brasileira era a única de todo o Sul Global e vai receber meio milhão de dólares pela terceira posição. Todos os membros abriram mão do recurso para que seja reinvestido em pesquisas para a conservação da biodiversidade. 

Não é por acaso que o Brazilian Team (BT) se destacou em uma competição com o perfil da XPRIZE Rainforest. O Brasil ocupa o 15º lugar em produção mundial de conhecimento científico, sendo o 2º maior produtor mundial de conhecimento em Zoologia e o 6º colocado em Botânica (SJR – International Science Ranking). 

A equipe brasileira foi coordenada pelo professor da Esalq/USP Vinicius Souza e esteve organizada em seis grupos: Robótica, Sensoriamento Remoto, Bioacústica, DNA, Biodiversidade e Insights. Reuniu mais de 100 cientistas com conhecimentos multidisciplinares, como biólogos, engenheiros, economistas, informatas e advogados. O grupo era majoritariamente de brasileiros, mas também contou com cientistas de outros 10 países, representando algumas dezenas de instituições nacionais e internacionais.

O time criou equipamentos e tecnologias envolvendo inteligência artificial, drones, arranjos de sensores, robótica terrestre e coletores para obter amostras de plantas, animais, DNA, imagens e sons para avaliação da biodiversidade de forma eficiente, sustentável e de baixo custo.

Na última etapa do desafio, realizada entre 7 a 30 de julho deste ano, na comunidade do Tumbira, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, os times finalistas tiveram a tarefa de mapear a biodiversidade presente em 100 hectares de Floresta Amazônica, sem a presença humana na área – ou seja, tudo de forma remota. Os dados deveriam ser coletados em 24 horas e as informações pertinentes à biodiversidade foram relatadas nas 48 horas seguintes. 

Novas descobertas

No total, o Brazilian Team documentou 418 “taxa” – termo em latim que pode se referir a diferentes níveis de classificação, como filo, ordem, família ou gênero, por exemplo –, dos quais 266 foram identificados até o nível de espécie, três das quais sendo possivelmente novas para a ciência. Também foram registradas interações complexas entre espécies e identificadas aquelas que oferecem serviços ecossistêmicos valiosos para a bioeconomia da floresta. 

“A equipe se esforçou para identificar plantas e animais até o nível taxonômico mais refinado possível, aproveitando essas identificações para análises e insights sobre a biodiversidade local. As descobertas das equipes beneficiarão não apenas o Brasil, mas também países da América Latina, África e Ásia que possuem florestas tropicais em seus territórios”,

explicou o coordenador do time Vinicius Souza.

Ciclo virtuoso

Com o prêmio de meio milhão de dólares, o Brazilian Team planeja investir em pesquisas e capacitação voltados à conservação e restauração da Amazônia e da Mata Atlântica, fortalecendo ainda mais o legado de inovação e preservação deixado pela competição.

“Várias oportunidades e iniciativas têm surgido durante e após a competição. Seremos indicados para concorrer a um novo prêmio internacional no valor de um milhão de libras pelas soluções que já desenvolvemos. Essa indicação é um reconhecimento por termos alguns dos melhores cérebros do Brasil e do mundo criando soluções para problemas relacionados à perda da biodiversidade. Esse esforço multidisciplinar e todo conhecimento que vem sendo construído pelo nosso time tem valor inestimável”,

ressaltou Carla Lopes, coordenadora do grupo de DNA. 

“Também pretendemos continuar o desenvolvimento das nossas soluções para o mapeamento da biodiversidade em larga escala, e isso inclui a construção de bibliotecas de dados validados e o desenvolvimento de plataformas que conectem esses dados com insights sobre ecologia, bioeconomia, mudanças climáticas, entre muitos outros assuntos”,

apontou Simone Dena, coordenadora do grupo de Bioacústica e bióloga do Museu de Diversidade Biológica da Unicamp.  

“Não estamos apenas preservando espécies, estamos protegendo um patrimônio biotecnológico que pode valer bilhões. Cada espécie perdida pode levar consigo a cura de doenças ou soluções para problemas que nem conhecemos ainda”,

destaca Paulo Guilherme Molin, coordenador de sensoriamento remoto e IA e professor da UFSCar.

Detalhes das inovações e descobertas do Brazilian Team

O grupo de robótica do BT desenvolveu equipamentos customizados, inovadores e de baixo custo para amostrar a biodiversidade da floresta de forma eficiente, inclusive em áreas de difícil acesso. O time pretende capacitar membros das comunidades locais para que estes sejam capazes de se apropriar dessas tecnologias no futuro. Um exemplo prático é o uso de drones para localizar espécies de interesse para populações locais, facilitando o acesso a recursos para subsistência ou comercialização, melhorando o planejamento das atividades econômicas dessas comunidades. 

A equipe de robótica também projetou uma centrífuga de tubos portátil para processamento de material genético em campo, já em processo de patente. 

Mais de 1000 espécies amazônicas, entre animais e vegetais, tiveram seu DNA sequenciado antes do final da competição, para ajudar nas identificações das espécies durante a final. Nenhuma dessas espécies havia sido sequenciada anteriormente. O grupo de genética desenvolveu uma série de protocolos de laboratório e análises bioinformáticas para obter sequências de DNA em campo, do maior número de espécies, no menor tempo possível.

“Essas inovações permitiram uma redução de até 90% nos custos de alguns procedimentos moleculares, acelerando e facilitando a identificação de espécies de diferentes grupos taxonômicos ao mesmo tempo, a partir de uma única amostra”,

explicou Carla Lopes.

O Grupo de Sensoriamento Remoto avançou no desenvolvimento de metodologias inovadoras para quantificar o carbono e a biomassa de florestas, além de mensurar a biodiversidade, tudo integrado em uma plataforma digital batizada de Floreviewer, que recebe os dados, processa e gera relatórios na nuvem. O grupo também inovou ao desenvolver métodos de amostragem autônoma, utilizando drones programados para capturar imagens de árvores de interesse.

Com resolução suficiente para observar até as nervuras das folhas, as imagens foram analisadas por algoritmos de IA do Pl@ntNet, treinados para reconhecer espécies, que foram posteriormente quantificadas e registradas no mapa com sua localização exata na floresta.

“Sermos premiados mostra que o Brasil tem todas as condições de liderar a economia da biodiversidade. Temos a maior biodiversidade do planeta e agora provamos que temos também tecnologia de ponta para monitorá-la em grande escala. O Brasil deixa de ser apenas objeto de estudo para se tornar protagonista na pesquisa de sua própria biodiversidade”,

explicou Paulo Guilherme Molin.

O grupo de Bioacústica, em parceria com o grupo de Robótica, desenvolveu soluções para coleta de gravações de áudio no dossel da floresta, em clareiras e até em ambientes aquáticos. Foram elaborados protocolos e softwares que utilizam inteligência artificial para a detecção, classificação e identificação automatizada de vocalizações de diferentes grupos animais, como aves, anfíbios, morcegos, primatas, além de sons de insetos.

Além disso, mais de 16 mil gravações de sons de animais foram registradas pelo Brazilian Team na Amazônia brasileira e utilizadas para treinamento dos algoritmos.

“Nós utilizamos ferramentas que representam o estado da arte na área de monitoramento acústico e de inteligência artificial e ainda as aprimoramos para utilização nas nossas florestas tropicais. Temos muito o que trabalhar para conseguir mapear de forma rápida e precisa a biodiversidade das nossas florestas, mas estamos no caminho certo!”,

aponta Simone Dena.

Para organizar as informações de biodiversidade, o grupo de Insights criou a plataforma CESSABR (Contextual Ecosystem Services on Amazon of Brazil), que coleta e categoriza dados sobre os usos das espécies e os serviços ecossistêmicos que oferecem, desde uso para alimentação e madeira, até serviços de captura de carbono e ecoturismo. O CESSABR é um banco de dados protótipo com uma lista de 4.996 espécies de flora e 6.290 de fauna da Amazônia brasileira.

Comprometimento com as comunidades

O Brazilian Team também destacou o compromisso com as comunidades indígenas e tradicionais, com uma abordagem respeitosa e alinhada à legislação brasileira. Foram propostas iniciativas para capacitar jovens dessas comunidades no uso de tecnologias que potencializam o desenvolvimento econômico sustentável da região que habitam, promovendo o empoderamento e aumentando a produtividade dos recursos florestais. 

O Brazilian Team agradece a Fundação Alana e o XPRIZE pela oportunidade de participar da competição XPRIZE Rainforest. Mais informações sobre o Brazilian Team e a XPRIZE Rainforest podem ser obtidos em:
https://fealq.org.br/brazilianteam_rainforest/; https://www.XPRIZE.org/prizes/rainforest

Com informações e imagens da UFSCar


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