O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)- unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – divulgou a Nota Técnica de “Análise das Secas no Brasil: Diagnóstico e Projeções Futuras”, ressaltando que os efeitos da seca são cumulativos e podem perdurar por longos períodos, afetando a vegetação, os recursos hídricos e diversos setores da economia. A recuperação das áreas afetadas depende da intensidade, extensão e frequência do evento, podendo levar meses ou anos.

A intensificação das secas tem provocado crises hídricas de grande magnitude, com impactos abrangentes sobre a segurança energética, alimentar e hídrica em diversas regiões do Brasil.

A Nota Técnica Nº 679/2024/SEI-Cemaden foi elaborada a pedido do Departamento de Combate à Desertificação (DCDE), do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), como subsídio para as discussões  na COP 16 – 16ª sessão da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Resiliência às Secas (UNCCD) que ocorre de 2 a 13 de dezembro de 2024, em Riade, na Arábia Saudita.

Série temporal e de extensão das secas

A série temporal do índice de seca, denominado SPEI (Standardized Precipitation Evapotranspiration Index (Vicente-Serrano et al.,2010), mostra que a partir da década de 90, as secas no Brasil se tornaram mais frequentes e intensas (valores mais negativos e consecutivos de SPEI). O SPEI é um índice que leva em consideração tanto a precipitação quanto a evapotranspiração potencial (estimada com base na temperatura do ar), proporcionando uma medida integrada da disponibilidade hídrica e das condições climáticas de uma região, sendo uma forma simples de contabilizar os desvios do balanço hídrico de uma determinada região. Conforme os dados da figura abaixo, o país enfrentou três grandes secas (picos negativos e consecutivos de SPEI, abaixo de -1,0): a primeira entre 1997 e 1998, a segunda entre 2015 e 2016, e a última em 2023 e 2024.

Figura A. Evolução temporal das secas no Brasil considerando o Índice Padronizado de Precipitação e Evapotranspiração (SPEI) de dezembro de 1951 a outubro de 2024. As barras em azul indicam anos em que a precipitação foi maior do que a evapotranspiração (balanço hídrico positivo), indicando períodos mais úmidos, com maior disponibilidade de água, ao passo que as barras vermelhas indicam anos em que a evapotranspiração foi maior que a precipitação (balanço hídrico negativo), resultando em condições mais secas, com menor disponibilidade de água. (Fonte dos dados de SPEI: Vicente-Serrano et al., 2010, pós-processamento e análises: CEMADEN/MCTI ).F

As barras em azul indicam anos em que a precipitação foi maior do que a evapotranspiração (balanço hídrico positivo), indicando períodos mais úmidos, com maior disponibilidade de água, ao passo que as barras vermelhas indicam anos em que a evapotranspiração foi maior que a precipitação (balanço hídrico negativo), resultando em condições mais secas, com menor disponibilidade de água. (Fonte dos dados de SPEI: Vicente-Serrano et al., 2010, pós-processamento e análises: Cemaden/MCTI ).

Vale ressaltar que a seca de 2015-2016 superou a de 1997-1998, mas a atual (2023-2024), mesmo com dados parciais (até outubro), já apresenta valores de SPEI mais negativos, indicando ser a mais intensa e extensa da série histórica. Isto é devido não somente ao déficit de chuvas, mas também ao aumento das temperaturas, com recordes registrados desde 2023, conforme figura a seguir:

Figura B-Evolução temporal das anomalias de temperatura da superfície do hemisfério Sul, de janeiro a outubro de 2024. As barras em azul indicam anos em que a temperatura foi menor que a média do período 1901-2000.As barras vermelhas indicam anos em que a temperatura esteve acima do valor médio (Fonte dos dados: NOAA e gráfico CEMADEN/MCTI)

As barras em azul indicam anos em que a temperatura foi menor que a média do período 1901-2000.As barras vermelhas indicam anos em que a temperatura esteve acima do valor médio (Fonte dos dados: NOAA e gráfico Cemaden/MCTI)

Em termos de extensão, a seca de 2023-2024 lidera, abrangendo cerca de 5 milhões de km², o que corresponde a aproximadamente 59% do território brasileiro, conforme figura abaixo. Em segundo lugar, a seca de 2015-2016 afetou cerca de 4,6 milhões de km² (aproximadamente 54% do país). Já a seca de 1997-1998 atingiu cerca de 3,6 milhões de km², o equivalente a 42% do território nacional (Cemaden).

Figura C. Comparação das áreas afetadas por diferentes intensidades de secas no Brasil em 1998, 2015, 2020 e 2024 (Fonte: CEMADEN/MCTI)

Dados do Cemaden mostram que em 2024 mais da metade do Brasil sofreu os impactos diretos da crise climática, onde os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal estão enfrentando a pior seca dos últimos 70 anos. Até setembro de 2024, aproximadamente 1200 municípios no Brasil enfrentaram condições de seca severa. Em situação de seca extrema, foram afetados 263 municípios brasileiros.

O déficit de chuvas observado desde a primavera de 2023 em uma área tão extensa do Brasil (abrangendo as regiões do norte ao sudeste do país), e a ocorrência de altas temperaturas, ondas de calor e baixa umidade relativa do ar, chegando a registrar valores próximos de 7% em parte da região Centro-Oeste, impulsionou o alastramento das queimadas.

Figura D. Mapa de frequência anual de secas severas (ou categoria superior) em todo o Brasil considerando dados do Índice Integrado de Secas (IIS) para o período de 2012 a outubro de 2024 (Fonte: CEMADEN-MCTI).

 A região do Pantanal tem experimentado secas severas e prolongadas desde 2019, com os anos de 2019-2022 marcados por eventos climáticos extremos, incluindo três episódios consecutivos de El Niño (Marengo et al., 2021; Leal Filho et al., 2021; Libonati et al., 2021, 2022; Cunha et al., 2023; Geirinhas et al., 2023), e atualmente, em 2023-2024, a região enfrenta outro evento crítico de seca. Esses eventos têm provocado um desastre ambiental de grandes proporções para a região, e os incêndios subsequentes consumiram centenas de milhares de hectares de vegetação (Libonati et al., 2022a). A seca prolongada, desde 2019, afetou severamente a hidrologia do Pantanal, comprometendo os ciclos sazonais de inundação e de vazante, que são essenciais para a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

No dia 18 de outubro de 2024 o rio Paraguai atingiu o menor nível histórico registrado na estação fluviométrica de Ladário, -69 centímetros, e representa uma marca histórica, ultrapassando o recorde mínimo anterior de -62 cm, registrado em 1964, estabelecendo o pior valor observado desde o início do monitoramento em 1990, como evidenciado na figura abaixo. A situação crítica no rio Paraguai não se limitou à região de Ladário. À jusante, na estação fluviométrica de Porto Murtinho, outro recorde mínimo foi registrado em 2024, com o nível do rio atingindo apenas 53 cm em 24 de outubro.

Figura F. À esquerda: Séries de cotas diárias mínimas, máximas e médias registradas nas estações fluviométricas de Ladário (1900-2023) e de Porto Murtinho (1939-2023), às margens do rio Paraguai, com destaque para os anos críticos de 1964 e 2024; À direita: Série temporal do Índice de Seca Bivariado Precipitação-Cota (TSI) referente a escala temporal de 12 meses, para as bacias afluentes às estações fluviométricas de Ladário e Porto Murtinho. (Fonte: CEMADEN/MCTI).

À esquerda: Séries de cotas diárias mínimas, máximas e médias registradas nas estações fluviométricas de Ladário (1900-2023) e de Porto Murtinho (1939-2023), às margens do rio Paraguai, com destaque para os anos críticos de 1964 e 2024; À direita: Série temporal do Índice de Seca Bivariado Precipitação-Cota (TSI) referente a escala temporal de 12 meses, para as bacias afluentes às estações fluviométricas de Ladário e Porto Murtinho. (Fonte: Cemaden/MCTI).

Seca de 2023-2024

A Figura abaixo ilustra os municípios que registraram mais meses com condição de seca no Brasil entre os meses de junho/2023 e outubro/2024. A recorrência de secas no período foi mais intensa nas regiões norte de SP, região do triângulo mineiro, norte do MT, oeste de AM e no Acre.

Sob a influência do El Niño e do aquecimento do Atlântico Tropical Norte, a partir do segundo semestre de 2023, a seca se intensificou e se alastrou por extensas regiões do Centro-Oeste, Norte e Sudeste.

Mais informações sobre as secas observadas nos anos de 2023 e 2024, bem como seus impactos, podem ser encontradas no seguinte link: www.gov.br/cemaden/pt-br/assuntos/monitoramento e no mapa interativo: mapasecas.cemaden.gov.br.

Figura M. Mapa de duração da seca por município entre junho/2023 e outubro/2024 de acordo com o Índice Integrado de Secas (Fonte: CEMADEN-MCTI).

Os estudos sobre secas no Brasil vêm sendo elaborados desde 2013 pelo Cemaden/MCTI, por um grupo de pesquisadores multidisciplinar dedicado exclusivamente ao monitoramento e pesquisa, utilizando uma variedade de ferramentas e dados para analisar a evolução, os impactos e projeções desses fenômenos, com o objetivo de fornecer subsídios para a gestão de recursos hídricos e a tomada de decisões em diferentes setores.

Acesse aqui a Nota Técnica “Análise das Secas no Brasil: Diagnóstico e Projeções Futuras”

Com informações e imagens do Cemaden


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