De acordo com o novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), geleiras morrendo, furacões excepcionais, incêndios florestais sem precedentes, secas debilitantes e inundações mortais deixaram uma marca profunda no contexto socioeconômico da América Latina e do Caribe, em 2024.
O relatório sobre a situação do clima na América Latina e no Caribe foi apresentado em uma reunião de uma Associação Regional da Organização Mundial de Meteorologia, realizada em El Salvador, com o objetivo de informar decisões a favor da mitigação das mudanças climáticas, da adaptação aos seus efeitos e da gestão de riscos no nível regional.
O climatologista Jose Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)- unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – um dos principais autores desse relatório, esteve presente no evento do lançamento da publicação em 28 março em El Salvador.
A publicação Estado do Clima na América Latina e no Caribe 2024 destaca o crescente impacto de eventos climáticos, meteorológicos e hidrológicos extremos, e as consequências socioeconômicas desses eventos.

A publicação é acompanhada por vários gráficos interativos e um painel que monitora eventos extremos e complementa o principal relatório da OMM sobre o estado do clima global , lançado em 19 de março.
Em resumo, no relatório Estado do Clima na América Latina e no Caribe 2024 foram destacados:
- O relatório da Organização Meteorológica Mundial sobre o estado do clima na América Latina e no Caribe destaca as consequências socioeconômicas desses eventos.
- Em 2024, foram quebrados recordes de furacões, inundações, secas e incêndios florestais.
- O recuo glacial ameaça o abastecimento de água a longo prazo.
- O progresso feito no campo das energias renováveis está constante e intenso na região.
- Alertas antecipados salvam vidas.
Impactos do clima extremo e citação no relatório sobre o Cemaden/MCTI como modelo de monitoramento e pesquisa
O clima e os fenômenos climáticos extremos impactaram a América do Sul e o Caribe, provocando mortes e afetando a socioeconomia da região.
“Em 2024, bateram recordes as inundações, secas, incêndios florestais no Brasil e furacões na América do Sul. O evento climático El Niño, no primeiro semestre desse ano, exacerbou esses efeitos. ”,
enfatiza Marengo.
Destacou também, a citação no relatório dos 10 desastres só no Brasil, em 2024, como exemplo a seca generalizada que atingiu a Amazônia e o Pantanal; as enchentes causadas pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul (causando 180 mortes e perdas econômicas no setor agrícola); além de ser o ano mais quente, com altas temperaturas, que afetaram o sistema hídrico e os setores produtivos como o agrícola e energético.
“Mostramos com os estudos e pesquisas que é crucial implementar estratégias de resiliência agrícola, adotar medidas antecipadas, reforçar os sistemas alimentares e priorizar iniciativas de mitigação para enfrentar as alterações climáticas”,
destaca Marengo.
O Relatório cita o Cemaden como modelo de monitoramento do Cemaden, na América do Sul, emitindo alerta de riscos de desastres para salvar vidas, além de realizar pesquisas e promover inovações tecnológicas para aprimorar o sistema de alerta, para redução do risco de desastres. “ Por isso, se faz necessário investir mais na pesquisa e nas ferramentas tecnológicas para enfrentar os eventos extremos, cada vez mais intensos e constantes” salienta Marengo, ressaltando a citação do relatório : “É necessário que as autoridades e a população em geral compreendam melhor os riscos de desastres. É também essencial melhorar as previsões meteorológicas e os sistemas de alerta precoce para proteger as populações em zonas de risco dos efeitos de catástrofes causadas por fenómenos meteorológicos extremos, salvando assim vidas.
Destaques do Relatório Estado do Clima na América Latina e no Caribe 2024
Temperaturas
Em 2024, a temperatura média na América Latina e no Caribe estava 0,90 °C acima da média do período 1991-2020. Dependendo do conjunto de dados utilizado, 2024 foi o ano mais quente já registado na América Central e nas Caraíbas, e o ano mais quente ou o segundo mais quente alguma vez registado no México e na América do Sul.

Secas e inundações
Os padrões de precipitação foram influenciados pelas condições características do episódio El Niño, que prevaleceu durante o primeiro semestre do ano.
Como exemplo, podemos citar a seca generalizada que atingiu a Amazônia e o Pantanal, onde as chuvas ficaram entre 30% e 40% abaixo do normal. Mais tarde, em 2024, o rio Negro, em Manaus, atingiu um mínimo histórico, e o rio Paraguai, em Assunção, registou o seu nível mais baixo em 60 anos.
Os incêndios florestais nas regiões da Amazônia e do Pantanal, no centro do Chile, no México e em Belize foram alimentados pela seca e por ondas de calor extremas, quebrando recordes em muitos países. No Chile, os incêndios causaram mais de 130 vítimas mortais e tornaram-se na pior catástrofe sofrida pelo país desde o terramoto de 2010.
No Rio Grande do Sul, as enchentes causadas pelas fortes chuvas causaram perdas econômicas no setor agrícola de cerca de 8,5 bilhões de reais e se tornaram o pior desastre climático do Brasil. A oportunidade dos avisos e das evacuações ajudou a mitigar as consequências das cheias, mas ainda assim registaram-se mais de 180 vítimas mortais, prova de que as autoridades e a população devem compreender melhor os riscos de catástrofes.
Geleiras
Na América do Sul, os glaciares são fontes cruciais de água para milhões de pessoas, e o seu recuo acelerado é motivo de preocupação.
A República Bolivariana da Venezuela perdeu o seu último glaciar, o Humboldt, e juntamente com a Eslovénia, são os dois primeiros países a perder todos os seus glaciares nos tempos modernos.
O glaciar Conejeras, localizado na Serra Nevada (Colômbia), e o glaciar Martial Sur, nas montanhas Martial, em Ushuaia (Argentina), foram declarados extintos em 2024.
De acordo com dados de 5.500 glaciares andinos recolhidos durante 2024, as montanhas perderam 25% da sua cobertura de gelo desde o final do século XIX, e a velocidade a que os glaciares tropicais estão a derreter é dez vezes superior à taxa média global acumulada.
Nível do mar e ciclones tropicais
O aquecimento dos oceanos e o derretimento dos glaciares e das calotas polares estão acelerando a subida do nível do mar, aumentando a vulnerabilidade das comunidades costeiras e das nações insulares baixas nas Caraíbas a perigos como os ciclones tropicais.
Prova disso foi o furacão Beryl, o mais poderoso que já registou a passagem de Granada e das suas dependências e que causou estragos em todo o Caribe.
Impactos e riscos relacionados com o clima
Os efeitos do clima na região da América Latina e do Caribe estão associados a fenômenos extremos perigosos e a um cenário complexo de aumento de exposição e vulnerabilidade. O episódio do El Niño ocorrido no primeiro semestre de 2024 agravou esses efeitos.
Tal como em anos anteriores, este cenário complexo foi ainda mais complicado pelos preços elevados e crescentes dos alimentos, pelo aumento da pobreza, pela grande desigualdade de rendimentos e pelos níveis crescentes de fome, instabilidade política e insegurança sanitária e alimentar.
A crescente frequência e intensidade das secas, inundações e ondas de calor, bem como a crescente intensidade dos furacões, mostram que a agricultura e a segurança alimentar na região estão sujeitas a riscos crescentes. As perdas de culturas e de gado e a interrupção das cadeias de abastecimento afetaram, significativamente, a disponibilidade de alimentos, os rendimentos e a estabilidade dos meios de subsistência rurais.
Nesta conjuntura, é crucial implementar estratégias de resiliência agrícola, adoptar medidas antecipadas, reforçar os sistemas alimentares e priorizar iniciativas de mitigação para enfrentar as alterações climáticas, conforme explicado no relatório, que fornece uma lista de impactos relacionados com o clima discriminados por país.
Energias renováveis
Na América Latina e no Caribe, a geração de eletricidade a partir de fontes renováveis atingiu quase 69% da matriz energética da região em 2024. É importante notar que as energias renováveis, como a solar e a eólica, tiveram um aumento notável de 30% em termos de capacidade e geração em comparação com 2023.
Para promover a expansão e otimização da utilização de energias renováveis em toda a América Latina e nas Caraíbas, a OMM ajuda os seus membros a aumentar a capacidade dos NMHS para desenvolver produtos e serviços operacionais baseados em dados científicos, em colaboração com o meio académico, o setor privado e as partes interessadas do setor energético.
Publicação e contribuições dos especialistas
A publicação Estado do Clima na América Latina e no Caribe 2024 é acompanhada por vários gráficos interativos e um painel que registra eventos extremos e complementa o principal relatório da OMM sobre o estado do clima global ,publicado em 19 de março.
O relatório incorpora contribuições do Serviço Nacional Meteorológico e Hidrológico (NMHS), da ONU e de parceiros regionais, do meio acadêmico e de pesquisas, além de especialistas individuais.
O Cemaden/MCTI está entre as unidades de pesquisas com especialistas que contribuíram na elaboração do relatório, tendo o climatologista Jose Marengo como autor principal e coordenador. Também houve a contribuição individual das pesquisadoras do Cemaden: Ana Paula Cunha (especialista em seca) e Mabel Calim Costa.
O Relatório Estado do Clima na América Latina e no Caribe 2024 pode ser acessado no link: https://wmo.int/es/publication-series/estado-del-clima-en-america-latina-y-el-caribe-2024