Não é segredo que a economia da informação transformou a geografia econômica global, elevando os dados ao status de ativo estratégico e monetizando informações que, de outra forma, seriam inacessíveis.
Um aspecto geralmente subestimado nesse contexto são os dados geoespaciais. Para analistas de mercado e fundos de investimento que avaliam projetos relacionados ao espaço terrestre, como infraestrutura, energia ou mineração em economias emergentes, a precisão geoespacial é tão crucial quanto a solidez financeira. A Argentina, com seu vasto território e abundantes recursos em lítio, cobre, terras raras, gás natural, agronegócio e energias renováveis, apresenta-se atualmente como um cenário de grande potencial para muitos investidores interessados. No entanto, a qualidade, a disponibilidade e a acessibilidade de suas informações geoespaciais podem funcionar como um importante filtro de risco para o capital global.
Quando se trata de setores como o extrativo e o energético, projetos de investimento de alto impacto precisam navegar pelas complexidades das economias locais, tanto formais quanto produtivas. Para gerenciar essa complexidade, é necessária uma matriz crítica de informações geoespaciais para prevenir ou mitigar riscos. Uma análise abrangente do modelo de maturidade geoespacial argentino revela pelo menos dez camadas de dados fundamentais cuja ausência, incompletude ou fragmentação podem aumentar os custos de avaliação para os tomadores de decisão empresariais. A base dessa matriz consiste em limites geográficos subnacionais e cadastros de parcelas de terra, cuja granularidade e precisão são essenciais para determinar a jurisdição legal e os regimes tributários aplicáveis. Embora os limites provinciais estejam geralmente disponíveis por meio do Instituto Geográfico Nacional (IGN), os dados de parcelas, cruciais para a aquisição de terras, são rigorosamente protegidos e frequentemente fragmentados entre os cartórios de registro de imóveis provinciais, gerando incertezas e atrasos nas fases iniciais de qualquer projeto.
O segundo grupo de camadas essenciais relaciona-se à logística e à conectividade territorial. A infraestrutura de transporte, incluindo a malha rodoviária, as redes ferroviárias e os portos, determina a viabilidade econômica e os custos operacionais.
| Camada de Dados | Dificuldade de Obtenção | Fonte / Autor |
| Limites Político-Administrativos e Cadastro/Parcelário | Média a Baixa (Limites) / Média a Alta (Parcelário) | Instituto Geográfico Nacional (IGN), Infraestrutura de Dados Espaciais da República Argentina (IDERA), Direções de Cadastro Provinciais/Municipais |
| Infraestrutura de Transporte | Média a Baixa | Direção Nacional de Viabilidade (DNV), IGN, IDERA, alguns organismos provinciais de transporte |
| Redes de Serviços Públicos | Alta | Empresas distribuidoras de energia (ex: CAMMESA, gás (ex: ENARGAS), telecomunicações e água potável |
| Uso e Cobertura do Solo | Alta | Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA), IGN, CONAE, monitoramento satelital |
| Riscos Ambientais e Desastres Naturais | Alta | Serviço Meteorológico Nacional (SMN), Instituto Nacional da Água (INA), INPRES (Sismicidade), Alguns Geoportais de Gestão de Risco provinciais |
| Áreas Naturais Protegidas e Zonas de Restrição | Baixa | Administração de Parques Nacionais (APN), IDERA, Autoridades de Aplicação Ambiental Provincial |
| Demografia e Dados Socioeconômicos | Baixa | Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC), Censo Nacional da População |
| Modelo Digital de Elevação (MDE) e Topografia | Média a Alta (em muitas províncias) | IGN (Produto ArgenTINA), CONAE (imagens satelitais e produtos derivados), Algumas IDEs locais (como a de Córdoba). |
| Geologia e Capacidade Portante do Solo | Alta | Serviço Geológico Mineiro Argentino (SEGEMAR), publicações de universidades e organismos provinciais de mineração/geologia |
| Infraestrutura Social (Educacional, Sanitária e Habitação) | Média | Ministérios de Educação e Saúde (Nacional/Provincial), INDEC, mapas de infraestrutura social do Governo Nacional |
Paralelamente, a disponibilidade de Redes de Serviços Públicos (energia, gasodutos, fibra óptica, etc.) define a capacidade operacional do local e o custo da interconexão. Esses dados muitas vezes estão disponíveis apenas parcialmente e são gerenciados por empresas que os consideram estratégicos e os mantêm sob rígidas restrições. Complementando tudo isso, o Modelo Digital de Elevação (MDE) e os dados topográficos são indispensáveis para a engenharia civil, que exige a prevenção de riscos hídricos e a estimativa precisa dos movimentos do solo.
À medida que os investidores buscam aprovação para suas grandes propostas de investimento, a perspectiva ambiental e social torna-se um dos requisitos mais importantes na avaliação e integração de camadas de alto risco na Argentina. Mapas de risco ambiental e de desastres naturais, como zonas de inundação ou atividade sísmica, são vitais para a modelagem financeira da vulnerabilidade física. Igualmente crucial é a localização precisa de Áreas Naturais Protegidas e Zonas de Restrição Ambiental, cuja sobreposição com o projeto pode levar a sérios litígios e atrasos prolongados, tornando obsoletos os cronogramas de investimento iniciais. Por fim, informações sobre camadas geológicas e capacidade de suporte do solo são fundamentais para a engenharia de fundações, enquanto dados demográficos e socioeconômicos completam o ciclo de tomada de decisão, permitindo a avaliação tanto da disponibilidade de mão de obra quanto do impacto na infraestrutura social e local (educação, saúde e outros serviços públicos, como segurança e proteção social).

Embora o ecossistema de dados geoespaciais do país seja apoiado pelo trabalho da Infraestrutura de Dados Espaciais da República Argentina (IDERA), a padronização e a interoperabilidade dos dados permanecem, por enquanto, apenas uma promessa verbal. O panorama de dados do país ainda está em desenvolvimento, frequentemente apresentando características heterogêneas e fragmentadas. O desafio mais comum para analistas que trabalham com mapas em grande escala é a fragmentação institucional, em parte devido à estrutura federal do país e em parte devido à menor prioridade dada à qualidade na produção de dados estatísticos, especialmente dados geoespaciais, em nível local. Dados precisos e de alta qualidade são raramente encontrados em jurisdições provinciais ou municipais na maioria das províncias mineradoras, para citar apenas um setor-chave. Embora a abertura de dados varie, há inúmeros casos conhecidos de obsolescência em informações censitárias e de uso da terra, com sérias deficiências de atualização. Enquanto as camadas nacionais, como imagens de satélite (produzidas pela CONAE, a principal agência de satélites do país), oferecem acesso e cobertura aceitáveis, informações estratégicas de alto valor, como redes detalhadas de gasodutos ou formatos cadastrais que garantem precisão, permanecem restritas ao setor privado. Isso força os investidores a recorrerem a serviços dispendiosos de aquisição de dados primários para analisar e apresentar projetos. Além disso, a cobertura geodésica inconsistente (sistemas de referência e coordenadas) entre as províncias da Argentina frequentemente resulta em uma precisão de dados que limita criticamente outras camadas. Isso ocorre porque a falta de cobertura introduz erros de posicionamento que inevitavelmente se propagam para conjuntos de dados geoespaciais essenciais, desde dados de limites até dados de infraestrutura, aumentando os riscos técnicos em projetos de investimento.
Essa situação é agravada por novas iniciativas de promoção de investimentos, como o Regime de Incentivo a Grandes Investimentos (RIGI). Investidores que buscam aderir ao RIGI, especialmente em setores relacionados à terra, como mineração e energia, enfrentam incertezas geométricas que se somam aos já consideráveis riscos financeiros e cambiais do país. Esse déficit geral na qualidade dos dados representa uma vulnerabilidade para a competitividade das províncias em relação a investimentos, pois obriga os investidores a incorrer em custos adicionais significativos para contratar serviços topográficos de alta precisão, atrasando as fases de engenharia e duplicando esforços para garantir que a localização do investimento, particularmente em setores como mineração e energia, atenda aos padrões internacionais exigidos para segurança jurídica e técnica.
O custo de remediar a indisponibilidade de dados geodésicos, ambientais e cadastrais detalhados é internalizado no modelo financeiro como uma moeda instável, resultante dos custos adicionais de risco, aumentando os custos do projeto e prolongando os prazos de execução. Essas barreiras de entrada não apenas dificultam o investimento, mas também favorecem aqueles que já possuem acesso privilegiado, limitando a concorrência.
Como as províncias podem aumentar a aposta para atrair capital
As aspirações e os planos dos governos nacional e provinciais para atrair e reter investimentos no âmbito do RIGI subestimam a geoinformação como pilar fundamental para a consolidação de um ambiente de negócios competitivo. As decisões de promoção de investimentos exigem o fortalecimento da arquitetura de dados abertos, priorizando a digitalização e a unificação de camadas críticas do solo e subsolo. Os investimentos existentes em Infraestruturas de Dados Espaciais (IDEs) provinciais devem garantir recursos adequados, que assegurem a homogeneidade e a atualização contínua dos dados cadastrais, geológicos e de informação.

* Javier Carranza Torres – Economista, desenvolvedor de IA e especialista em conteúdo geoespacial. Possui vasta experiência em treinamento em dados geoespaciais, integração digital e inovação. Também organiza e faz curadoria de eventos de tecnologia
@geocensosguy
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