O depoimento de Ziocélito José Bardini, presidente até o último mês de abril da Federação Nacional dos Engenheiros Agrimensores (Fenea), ilustra bem a grande revolução que tem afetado a engenharia de agrimensura em todo o mundo. As novas tecnologias de levantamento e processamento de dados modificaram em pouco tempo uma das áreas mais tradicionais da engenharia civil.

Estações Totais substituíram velhos teodolitos e distanciômetros. O nivelamento é feito com equipamentos digitais. Para se conhecer de maneira completa uma área, a melhor ferramenta passou a ser o sensoriamento remoto, seja orbital ou aéreo.

Por um lado, tudo isso tem facilitado imensamente as tarefas de quem trabalha com a agrimensura: o tempo e a dificuldade da maioria dos serviços requisitados diminuiu sensivelmente. Por outro, o uso das modernas tecnologias exige uma preparação muito maior do engenheiro agrimensor.

InfoGEO ouviu algumas das maiores autoridades em engenharia de agrimensura no país para saber mais sobre as mudanças nesta área de fundamental importância para o desenvolvimento do geo.

Automação Topográfica
A primeira etapa da modernização foi a inclusão de equipamentos automatizados para execução de serviços de campo. Qualquer pessoa que trabalhe com topografia, por exemplo, sabe o quanto a passagem do velho sistema analógico (teodolito e caderneta) para o digital (estação total e software) foi positiva.

De acordo com Irineu da Silva (gerente técnico da Leica Geosystems do Brasil e professor da Escola de Engenharia de São Carlos), pode se perceber hoje um aumento da consistência que os trabalhos passaram a apresentar com a automação. "Além da diminuição dos custos operacionais tivemos um aumento da confiabilidade dos resultados", diz.

As enormes vantagens da automação fizeram com que as grandes companhias que usam serviço de topografia se equipassem rapidamente para acompanhar a evolução. No entanto, a pergunta é: os agrimensores estão preparados para trabalhar com este tipo de aparelhagem?

O especialista em GPS Ricardo Lopes Goes diz que a resposta ainda é duvidosa. "Boa parte dos profissionais freqüentou escolas que em sua maioria tinha equipamentos antiquados, obsoletos, quebrados. Eles tiveram contato com novos equipamentos e tecnologias de poucos anos para cá."

A adaptação à nova metodologia em geral acontece no treinamento que o revendedor dos equipamentos fornece. Vários cursos têm sido oferecidos em todo o país por empresas particulares para iniciação e aperfeiçoamento nestas áreas. E a procura pelas aulas demonstra o quanto o mercado tem pressa de se adaptar às novas tecnologias.

Sensoriamento
Presidente do subcomitê da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) responsável pelas normas de topografia, Irineu Idoeta pode falar com autoridade da adaptação da agrimensura a novas técnicas. Engenheiro Agrimensor por formação, há mais de 30 anos Idoeta trabalha com aerofotogrametria. "O sensoriamento remoto é a visão macro de um terreno", afirma.

Para Idoeta, um aplicação em que a integração entre sensoriamento remoto e agrimensura é praticamente obrigatória é o controle do meio-ambiente. "A ferramenta ideal para fazer o controle é a imagem feita por um sensor aéreo ou posto em um satélite. E o agrimensor é a pessoa certa para controlar as medidas do desflorestamento apresentado na imagem".

O Professor da Universidade Federal de Santa Catarina Jürgen Philips é ainda mais incisivo. "Se a tarefa do agrimensor é medir a terra, é impossível não perceber que o sensoriamento remoto pode ser uma grande arma para ele." Nascido na Alemanha e radicado no Brasil, Philips é um teórico respeitado na área de geodésia. Para ele, "o engenheiro agrimensor não somente pode trabalhar com sensoriamento remoto como, por sua formação, é o profissional mais indicado para esta tarefa".

GIS
Irineu Idoeta diz que a visão que se tem da engenharia de agrimensura muitas vezes é falsa. "A agrimensura sempre foi relacionada com o levantamento dos dados. Mas o engenheiro agrimensor tem também a atribuição de fazer projetos e de gerir as informações".

Segundo Irineu, os sistemas de informações geográficas são justamente uma ferramenta de gestão de informação. Portanto, o engenheiro agrimensor teria no GIS um novo campo de trabalho em que se especializar.

A integração do agrimensor com o GIS, mesmo que não houvesse outras razões, teria que existir pelo fato de que a base cartográfica do sistema provavelmente será construída e mantida por algum profissional da geodésia – provavelmente um agrimen-sor, cartógrafo ou geógrafo.

Mas Eduardo Oliveira, presidente da ABITOPO, Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos de Topografia e Geodésia, diz que não é só isso. Segundo ele, o futuro de empresas e profissionais de agrimensura depende de sua adequação ao mercado de geo, especialmente no que se refere ao GIS. "As mais modernas aplicações de Geo, nas quais os agrimensores podem trabalhar, exigem conhecimento completo das várias áreas". Como exemplo, Oliveira cita a Agricultura de Precisão. A pessoa responsável por um pro-jeto nesta área precisa ter conhecimentos de agrimensura, GPS e GIS, além de conhecer os diversos sensores especiais usados na aplicação. "Mesmo um simples loteamento hoje exige que se conheça um pouco de GPS, topografia automatizada, CAD e GIS", completa.

A obrigação do agrimensor de conhecer o GIS fica ainda mais clara na opinião de Jürgen Philips. "Sistemas de Informações Geográficas não são nada mais do que uma maneira moderna de se fazer cartografia temática. O engenheiro agrimensor é o profissional do GIS", define.

Cartografia
Quando Philips fala em engenheiro agrimensor, no entanto, é preciso lembrar que, para ele, engenharia de agrimensura e engenharia cartográfica são, na prática, a mesma coisa. Durante o VIII Conea (Congresso Nacional de Engenharia de Agrimensura), Philips apresentou uma palestra em que defendia a integração das duas profissões. "Na verdade, as atribuições de cartógrafos e agrimensores no Crea são quase idênticas. Os currículos dos dois cursos também são praticamente iguais. Não há razão para haver duas profissões diferentes", defende Philips.

Uma das vantagens desta união seria a formação de uma profissão mais forte e com mais representatividade. Além disso, a união dos currículos faria com que, ao invés de nove cursos de engenharia de agrimen-sura e cinco de engenharia cartográfica, houvesse 14 cursos formando profissionais aptos para atuar nas duas áreas.

Irineu Idoeta vai mais longe. Para ele, o geógrafo também poderia ser incluído na fusão. "Ficaria satisfeito em ver de novo aquele profissional que era formado há algum tempo, o engenheiro geógrafo", diz.

Ziocélito Bardini é ainda mais radical. Para ele, deveria existir um único curso de engenharia. "Formaríamos engenheiros, assim como hoje formamos médicos". Depois de terminado o currículo básico, o aluno escolheria uma especialização, decidindo em que setor da engenharia poderia trabalhar. Acredito que há menos diferença entre um engenheiro florestal e um engenheiro mecânico do que entre um cardiologista e um neurologista", explica Bardini.

VIII CONEA

Aconteceu em Criciúma (SC), de 17 a 21 de abril, o VIII CONEA, Congresso Nacional de Engenharia de Agrimensura. Com promoção da Federação Nacional dos Engenheiros Agrimensores, o Congresso teve mais de 300 pessoas inscritas para assistir aos cursos, palestras e trabalhos técnicos apresentados. Durante o evento realizaram-se o Encontro Nacional dos Estudantes de Engenharia de Agrimensura e a eleição da nova diretoria da Fenea. Para o próximo mandato foi eleito como Diretor Presidente Júlio César Martins de Resende, de Minas Gerais.

Abertura do VIII CONEA, em Criciúma.