Início da comercialização das imagens de alta resolução do satélite IKONOS 2, da Space Imaging, traz dúvidas e desconfiança ao mercado de mapeamento
Por Renato E. Abrahão Filho

O mês de março de 2000 pode entrar para a história como marco inicial de grandes transformações no mercado de imageamento e sensoriamento remoto ao redor do mundo. O responsável por isso seria o satélite IKONOS 2 lançado em 24 de setembro de 1999 pela norte-americana Space Imaging que após a fase de testes iniciou em março último a comercialização das imagens obtidas por suas câmeras Kodak/Lockheed Martin. Imagens essas de alta resolução (1 metro pancromático, 4 multiespectral), diferentes de tudo que o mercado consumidor estava acostumado a ver em se tratando de satélites. As fotografias digitais do IKONOS 2 à primeira vista impressionam, chegam a assemelhar-se com as que até pouco tempo atrás só eram obtidas através de aerofotogrametria. Mas as semelhanças param por aí. Em realidade, as duas modalidades de imageamento são muito diferentes, e produzem resultados igualmente diversos.

Todos aqueles que lidam com imagens, sejam empresas de aerolevantamento, sejam companhias representantes de satélites, consultores, usuários e acadêmicos – além da própria Space Imaging – são unânimes ao menos em um ponto: ainda há muita desinformação permeando o advento do IKONOS 2. O fascínio da nova tecnologia muitas vezes leva o consumidor final a gerar caros enganos. Cada um dos métodos de obtenção de dados tem suas peculiaridades e usos específicos, e toda a dor de cabeça de uma escolha mal feita pode ser evitada com uma simples pergunta: qual a finalidade das imagens a serem adquiridas?

Os Produtos IKONOS
Ter em mente qual é o objetivo final do projeto que utilizará imagens de aerolevantamento ou satélite é fundamental no momento da contratação das empresas especializadas. "O mapeamento hoje tem funções específicas, acabou-se o tempo das finalidades exclusivamente militares. Pode-se utilizar as imagens para gestão, planejamento, geoprocessamento, engenharia, e assim por diante. O importante é ter isso definido desde o começo", explica Fátima Tostes, diretora de produção da Base, empresa paulistana que trabalha tanto com serviços de aerofotogrametria quanto na redistribuição de imagens IKONOS 2.

Além de saber claramente qual será a finalidade das imagens obtidas, é fundamental compreender os produtos IKONOS 2, que ainda são muito recentes, antes de se fazer uma escolha definitiva. Diferentes produtos estão sendo oferecidos pela Space Imaging sob a marca Carterra (que, entre outros, representa o satélite IKONOS 2). Para o Brasil, estão sendo disponibilizadas 5 variantes das imagens do satélite de alta resolução, os produtos Carterra Geo, Reference, Map, Pro e Precision, todos com 1 metro de resolução pancromática ou 4 multiespectral, porém submetidos a tratamentos diversos para atender finalidades distintas. "As imagens de todos os produtos IKONOS são sempre as mesmas, o que muda é a amarração geométrica, o nível de correção", explica o diretor da Space Imaging no Brasil, Ulf Walter Palme.

O mais simples dos produtos Carterra/IKONOS é o Geo, onde o cliente recebe a imagem assim como foi captada pelo satélite, sem qualquer tratamento adicional além da correção geométrica. Assim, esse tipo de imagem – que tem 25 metros de desvio padrão (na precisão horizontal) – pode ser interessante para fins ambientais, emergenciais ou de monitoramento, porém de pouca utilidade para projetos mais exigentes, como atualização de cadastro ou mapeamento. "O cliente final que deve delimitar a aplicação onde será utilizada a imagem. Às vezes, um erro de 25 metros pode não significar nada dentro de um projeto maior, em outras a imagem torna-se inútil e é necessário atingir maior precisão", avisa o diretor brasileiro da Space Imaging.

Já as imagens do Carterra Reference passam por um processo mais elaborado de correção, são ortoretificadas e, segundo a Space Imaging, compatíveis com escalas de 1:50.000. A empresa alega que tais imagens são úteis para o mapeamento de grandes áreas e processamento em softwares GIS que necessitem de menos acurácia, atendendo os interesses principalmente de agências governamentais, seguradoras, imobiliárias, meios de comunicação e outros mercados comerciais. As imagens Reference têm um erro de posicionamento padrão de aproximadamente 12 metros.

Os produtos seguintes na escala de acurácia da linha Carterra são o Map e o Pro. O primeiro com desvio padrão de 6 metros e escala 1:25.000, e o segundo com precisão de 5 metros e compatível com escala 1:10.000. Ambos os tipos de imagem, respeitando-se as devidas limitações técnicas, são recomendáveis para utilização no planejamento de infra-estrutura, gerenciamento de recursos naturais, estudos de impacto ambiental e similares.

O produto mais avançado disponível no Brasil baseado em imagens IKONOS, entretanto, é o Carterra Precision. Essa linha é recomendada pela empresa a aplicações específicas, que requerem grande acurácia, como mapeamento urbano, atualização cadastral, e aplicações GIS altamente especializadas. As imagens do Precision são produzidas usando pontos de controle terrestre (fornecidos pelo cliente) e modelos digitais de terreno (MDT), atingindo uma escala de 1:5.000. Tecnicamente o produto possui alta precisão, com erro de posicionamento de cerca de 1,9 metro. Todas as imagens podem vir em modo pancromático, multiespectral ou Pan-sharpened, que consiste na combinação de imagens IKONOS de 1 metro pancromáticas com as coloridas de 4 metros para gerar um produto final com resolução de 1 metro e colorizado.

No caso das imagens Precision, o consumidor deve enviar os pontos de controle para correção geométrica no Colorado, EUA, onde fica a estação de tratamento das imagens Space Imaging. Lá é produzido também o MDT, já que as especificações técnicas (efemérides) do satélite e suas câmeras não serão divulgadas ao público. "Há uma política na empresa de preservação dessas informações", justifica Ulf Palme. Há planos futuros para a instalação de uma estação de recepção no Brasil, o que deve agilizar a aquisição e correção das imagens em território nacional.

Escalas e Aplicações
Qual a melhor escala para se trabalhar com uma imagem IKONOS? Essa tem se mostrado uma das mais polêmicas perguntas sobre o novo satélite de alta resolução da Space Imaging. De 1:2.500 até 1:10.000 há quem defenda todo o tipo de opção. Recomendações oficiais da Space Imaging dão conta de que o produto mais avançado da linha Carterra, o Precision Plus (ainda não disponível no Brasil) pode operar em uma escala máxima de até 1:2.500, usando de pontos de controle terrestre e MDT para atingir um desvio padrão de apenas 1 metro. Para o Brasil, por enquanto a maior escala do IKONOS seria a Precision, de 1:5.000. No entanto, essa recomendação está longe de ser um consenso no mercado nacional.

Peterson Martinski, sócio diretor da Aerosat Arquitetura, Engenharia e Aerolevantamento Ltda., confirma a possibilidade de uma escala máxima equivalente a 1:5.000 para o IKONOS, porém recomenda que "mais seguro é trabalhar com escalas de até 1:10.000". O diretor lembra também que a aplicação de destino das imagens é o fator mais relevante na hora da aquisição do produto. Martinski defende que em determinadas áreas o satélite pode ser mais vantajoso do que o aerolevantamento, "a área rural, por exemplo, é própria para o IKONOS", diz.

Reinaldo Escada Chohfi, diretor presidente da GeoDesign, defende que o IKONOS preenche uma lacuna de imageamento nas escalas de 1:50.000 a 1:10.000 e também acredita na eficácia do novo satélite quando aplicado à área rural. "As áreas de agricultura, meio ambiente e mineração oferecem uma grande oportunidade para a utilização das imagens multiespectrais de 4 metros do IKONOS. Tenho certeza que essas imagens trarão grandes inovações nessas áreas", afirma.

Fotografia aérea do município de Rio Negro (PR).

Outro defensor do IKONOS em aplicações relativas ao meio rural e planejamento ambiental é Ubirajara Moura Freitas, da FUNCATE (Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologias Espaciais), porém em uma escala menor, de 1:25.000. "O satélite de alta resolução é muito eficiente para monitoramento de terras, detectar áreas em expansão e aplicações afins", explica Freitas. Antonio Garcia Tommaselli, professor da UNESP, partilha da mesma opinião e acrescenta que deve-se levar em consideração o tamanho da área a ser mapeada antes de se optar pelo IKONOS. Para o professor, o mercado acabará chegando à conclusão de que o IKONOS é a melhor alternativa para cobrir pequenas áreas, onde não compensa acionar uma equipe de vôo para realizar aerolevantamentos. "Desde que em escalas pequenas, pois o satélite não sustenta aplicações que exijam até 1:5.000 de acurácia", ressalva Tommaselli.

Já o gerente técnico da Intersat, Osvaldo Nogueira Jr., alega que "de 1:5.000 até 1:25.000 o IKONOS é imbatível". Segundo ele, o aerolevantamento ainda é a única maneira de se realizar cadastros urbanos e satisfazer aplicações com necessidade de precisão centimétrica, inferiores ao pixel de 1 metro gerado pelo IKONOS 2. Nogueira, entretanto, salienta outras vantagens do satélite, como a flexibilidade de operação. "O aerolevantamento enfrenta problemas logísticos que o satélite não tem, como a disponibilidade do avião, situação climática, deslocamento da equipe de vôo e outros contratempos", complementa. Para o gerente técnico da Intersat, o IKONOS ainda é um sistema muito novo para criar tanta polêmica, e levará algum tempo para ser utilizado em todo o seu potencial".

Imagem do município de Rio Negro (PR), realizada pelo IKONOS 2, com resolução de 1 metro.

Aerofotogrametria e Satélites
Representante da Space Imaging no Brasil, Ulf Palme concorda com o fato do IKONOS ser ainda um sistema muito recente para gerar tanta controvérsia preliminar. "A tecnologia é nova no mundo inteiro, mesmo nos Estados Unidos o mercado ainda está testando as imagens", diz. Segundo Palme, "o mercado de aerolevantamento brasileiro está vendo o IKONOS com certa reserva, com uma resistência natural à nova tecnologia. Porém há mercado para todos. É interessante lembrar, inclusive, que no Brasil duas empresas (Base e Engefoto) trabalham simultaneamente com imagens IKONOS e aerofotogrametria, o que mostra que os dois mercados se complementam, e não competem diretamente". A única fatia de mercado que o IKONOS pode disputar com o aerolevantamento, segundo Palme, é a atualização de bases cadastrais. "Embora ainda não seja possível criar um cadastro a partir de imagens IKONOS, é viável atualizá-lo através do satélite, identificando novas construções, por exemplo", alega.

Esse tipo de aplicação, entretanto, é contestada por Dirley Schmidlin, da área comercial e de sensoriamento remoto da Engefoto. Ele não acredita na possibilidade de uma atualização direta da base cadastral através de imagens IKONOS. "A imagem de satélite é uma grande ferramenta de apoio, ajuda a identificar o crescimento da cidade, construções que surgiram ou desapareceram. Mas tudo isso só serve para justificar uma ida a campo para a atualização definitiva do cadastro", explica.
A Engefoto em parceria com o Paranacidade realizou diversos testes-piloto sobre as imagens IKONOS da linha Carterra Geo, visando descobrir até onde seria possível chegar utilizando a imagem IKONOS do tipo mais simples. A conclusão do estudo aponta para a impossibilidade de se trabalhar a fundo com imagens do IKONOS sem empregar métodos fotogramétricos de correção. "Como a Space Imaging não divulga detalhes do satélite ou das câmeras, não é possível corrigir as imagens Geo", lamenta Dirley. As imagens ortoretificadas do IKONOS (Carterra Reference, Map, Pro e Precision) são inteiramente processadas na base da empresa, no Colorado. "É pouco operacional. O sistema ainda está muito centralizado nos Estados Unidos. Acaba ficando mais complicado e custoso para o consumidor brasileiro", alega Dirley.

Com ou sem correção geométrica, MDT e ortoretificação, Ulf Palme acredita que um dos grandes méritos do satélite de alta resolução é ter preenchido uma lacuna existente entre as escalas de 1:50.000 até 1:2.500. "As empresas de aerolevantamento no Brasil acabaram se especializando em uma escala de 1:2.000, visando o mercado de cadastro, IPTU e aplicações do gênero. Com isso, gerou-se uma lacuna nas escalas menores. O IKONOS vem ocupar justamente esse espaço", explica Ulf Palme. Para a Base, no entanto, a carência que o IKONOS vem suprir está nas escalas de 1:50.000 a 1:25.000. "Antigamente só a aerofotogrametria cobria essas escalas", lembra Fátima Tostes, diretora de produção da empresa. Com isso, cria-se uma tendência da aerofotogrametria se concentrar nos levantamentos de resolução submétrica, em escalas superiores a 1:2.000, enquanto aos satélites de alta resolução caberia o papel de imagear em escalas intermediárias.

Preços Polêmicos
A questão mais controversa envolvendo o IKONOS certamente diz respeito ao preço das imagens no Brasil. Consultor da Base e diretor presidente da GeoDesign, Reinaldo Chohfi conta que "quando o comprador das imagens entende a relação custo-benefício do satélite e do aerolevantamento, acaba optando pelo último. As imagens IKONOS ainda são caras no Brasil". Empresas de aerolevantamento apontam o preço elevado como um dos principais empecilhos à utilização de imagens IKONOS. "O preço frustrou as expectativas, ainda é muito alto. A aerofotogrametria é mais barata", defende Fernando Dias, gerente comercial da Esteio.

O avanço dos sistemas de sensoriamento orbital também ajuda a baixar os preços da aerofotogrametria. Fátima Tostes, aponta na direção do fim dos levantamentos de alto custo. "A aerofotogrametria era cara, hoje isso é um mito. Se o mapa for direcionado para certa aplicação desde o início o custo cai bastante", diz ela. Marco Néia, da curitibana Engefoto, complementa ressaltando a importância de se ter em mente as dimensões da área a ser imageada. "À medida que a área de interesse for crescendo, os preços de uma imagem simples do IKONOS vão se aproximando de um aerolevantamento mais preciso, que gera mapas, até que os valores tornam-se equivalentes", avalia.

O diretor da Intersat, Luis Leonardi, crê que o problema dos preços elevados deve ser equacionado ainda neste ano, com o lançamento do satélite Quickbird (com resolução de 0,82m. pan e 3,8m. multiespectral) da Earthwatch, previsto para setembro próximo. "O IKONOS é só o primeiro satélite, a concorrência ainda está por vir e fará muito bem ao mercado", acredita ele. Ainda detendo o monopólio do recente mercado de satélites de alta resolução, a Space Imaging não se amedronta com a possibilidade de concorrência. "A competição é bem vinda, o mercado é muito grande, há espaço para todos os satélites e para o aerolevantamento", diz o diretor da Space Imaging no Brasil. Ulf Palme acredita também que "é muito fácil prometer imagens de alta resolução, mas deve-se lembrar que essas empresas (Earthwatch, Orbimage) ainda nem lançaram seus satélites", ressalta.

Imagens de 11 bits
Preço, porém, não é o aspecto mais relevante no momento de aquisição de uma imagem de satélite, conforme acredita Ulf Palme. "É preciso haver uma mudança de mentalidade, sair do discurso de "é muito caro" para o "quanto vale?". Se a ferramenta atende todas as suas necessidades, por que não adquiri-la? É preciso medir bem a relação de custo/benefício ", acredita ele. Para Palme, tem-se discutido muito as questões de preço e resolução enquanto outro fator importante fica de lado, a qualidade de 11 bits. "O formato de 11 bits possibilita a visualização de 2.048 gradações de cinza. Além da imagem se tornar muito mais agradável aos olhos, isso pode fazer toda a diferença do mundo para determinadas aplicações como agricultura e meio ambiente", defende.

As imagens padrão no mercado de imageamento têm 8 bits, possibilitando a visualização de 256 tons de cinza, oito vezes menos do que as imagens 11bits. Com isso, o formato apresentado pelo IKONOS facilita a interpretação das imagens especialmente em áreas com sombras ou baixo contraste. "Mas as imagens 8 bits não vão desaparecer. Um tipo de imagem complementará a outra em certas aplicações", conclui Reinaldo Chohfi. Até o momento, no entanto, são poucos os softwares disponíveis no mercado capazes de visualizar imagens em 11 bits.

Atributos Urbanos e Suburbanos e as Resoluções Mínimas de Sensoriamento Remoto Necessárias

Esta tabela foi desenvolvida pelos pesquisadores-doutores John R. Jensen e David Cowen, do Departamento de Geografia da Universidade da Carolina do Sul, EUA, autoridades mundiais no setor de aplicação de sensoriamento remoto em áreas urbanas e suburbanas.

Nela estão condensados os resultados de uma ampla pesquisa onde compararam os requisitos espaciais, espectrais e temporais dos diferentes sensores remotos disponíveis no momento e também futuros, identificando assim as melhores maneiras de obtenção de informações direcionadas a aplicações específicas.

Os resultados dessa pesquisa foram apresentados na conferência da Sociedade Americana para Fotogrametria e Sensoriamento Remoto (ASPRS – American Society for Photogrammetry and Remote Sensing) em 1997 e publicados na revista técnica Photogrammetric Engineering & Remote Sensing (PERS) da ASPRS no ano passado.

Bandas:
V – Visível
P – Pancromática
IVP – Infravermelho Próximo
IVM – Infravermelho Médio
IVT – Infravermelho Termal
R – Radar
RVT-88D – Radar Nacional de Vigilância do Tempo

USGS: United States Geological Survey
m: metros
km: quilômetros
min: minutos
hr: horas

Plataformas de Sensoriamento Remoto – Aerolevantamento: 0.25-1 m
Satélites Orbitais: 1m 8km

Fonte: Jensen, J.D. e D.C. Cowen 1999 Remote Sensing of Urban/Suburban Infrastructure and Socio-Economic Attributes. Vol. 65, No. 5, May, pp. 611-622, Photogrammetric Engineering & Remote Sensing (PERS), American Society for Photogrammetry and Remote Sensing (ASPRS), Falls Church.