É possível uma administração municipal competente sem o conhecimento do território?

Dois recentes instrumentos legais vêm transformando profundamente a administração municipal: a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Estatuto da Cidade.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi adotada devido às necessidades de combater o déficit público e reduzir o estoque da dívida pública. Insere-se portanto num contexto mais amplo de reforma do Estado, visando reduzir o desequilíbrio fiscal e criar condições macroeconômicas para o desenvolvimento sustentável. Como a ela estão sujeitos os poderes executivo, legislativo, órgãos da administração direta (fundos) e indireta (autarquias, fundações, empresas estatais dependentes), nos três níveis, pode-se afirmar de maneira simples e objetiva que a Lei de Responsabilidade Fiscal enquadra os gestores dos recursos públicos em determinadas normas e procedimentos controlados e controláveis pela população, prevendo também as punições cabíveis aos responsáveis pela gestão do nosso dinheiro, sempre que se desviarem da conduta, digamos, aceitável.

Em nível municipal eqüivale a dizer que o prefeito, o presidente da Câmara, os secretários municipais, os diretores de autarquias, fundações, fundos, etc., passam a ter enfatizada agora, sobre seus ombros, a responsabilidade de aplicar corretamente os recursos e prestar contas à população, através dos instrumentos de divulgação previstos na Lei (inclusive via Internet), de todos os gastos por eles autorizados.

A LRF prevê como instrumento de planejamento o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Como a LOA aloca recursos orçamentários aos programas de ações para o ano subsequente, deve estar compatível com a LDO, que especifica as metas e prioridades da administração, também para o ano subsequente, e como ambas devem estar contidas no PPA, o Plano Plurianual torna-se peça chave das administrações. No Plano Plurianual precisam estar contidas todas as ações da administração dos 4 anos seguintes. Como as ações de governo incluem as questões do meio ambiente, política habitacional, programação de obras, saneamento básico, industrialização, infra-estrutura urbana, etc., o Planejamento passa a se revestir de um caráter de importância e essencialidade cada vez maiores.

A tendência moderna é fazer com que os órgãos públicos trabalhem com a mesma eficiência da atividade provada. A população já começa a cobrar de maneira mais enérgica o resultado das políticas públicas.

O Estatuto da Cidade – Lei 10.257 de 2001 – veio regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal estabelecendo "Normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental".

O Plano Diretor (PD) é o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano vinculado ao bem estar coletivo e à justiça social, passando, desta forma, a interagir no processo de desenvolvimento local a partir da compreensão integradora dos fatores políticos, econômicos, financeiros, ambientais, culturais, institucionais, sociais e territoriais que condicionam a situação encontrada no município.


Plano Diretor

O PD deve ser aprovado por Lei Municipal, e o Estatuto da Cidade garante a ampla participação da sociedade com representantes dos vários seguimentos, tendo em vista ser o PD uma construção pactuada coletivamente. O Plano Diretor deverá considerar todo o território municipal.

Pelo Estatuto da Cidade há obrigatoriedade de existirem no Plano Diretor, determinados conteúdos mínimos, entre os quais se destacam: Delimitação das áreas urbanas onde se poderá aplicar o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, e em seqüência, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação. Também é necessário atender o que se refere ao direito de preempção, direito de construir, operações consorciadas e transferência do direito de construir.

Devem ser definidos os usos adequados da propriedade urbana, os padrões mínimos e máximos de utilização que caracterizam este uso, assim como os locais e as finalidades para os quais é autorizada a transferência ou a cessão onerosa do direito de construir. Também deve ser identificada a parcela da área urbana onde os imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados poderão ser objeto de parcelamento e edificação compulsórios.

O Estatuto da Cidade determina a criação de lei municipal específica para reger o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado.

É necessária a permanente organização e atualização do cadastro imobiliário. O Plano Diretor deverá fixar áreas nas quais o direito de construir e de alteração de uso poderá ser exercido.


Cadastro

Os municípios deverão estabelecer uma gestão participativa, gerar informações sobre o território municipal e o seu uso, atualizar seus cadastros, aperfeiçoar seu sistema tributário e conhecer a dinâmica do mercado imobiliário.Hoje em dia existe um amplo arsenal tecnológico que permite aos técnicos em planejamento obter uma radiografia exata dos problemas físico-territoriais e, a partir daí, estabelecer critérios para o ordenamento físico do município.

Para se chegar a bom termo na elaboração ou revisão do Plano Diretor, é preciso trabalhar seqüencialmente em duas frentes: na via técnica (no sentido de engenharia mesmo) e na via político-social.

A componente técnica do processo envolve o conhecimento físico da realidade territorial e deve começar com a análise da superfície ocupada.

Hoje, os mapas digitais obtidos por aerofotogrametria permitem:

 o estudo das bacias e sub-bacias de contribuição de águas de chuva;

 conhecer as densidades de ocupação e os coeficientes de impermeabilização das encostas, através da interação imagem-vetorização;

 levantamento das condições das calhas naturais de drenagem pluvial, delimitando-se as áreas onde os assentamentos urbanos devem ou não acontecer;

 estudo acurado da isodeclividade, estabelecendo áreas de risco potencial à ocupação;

 a delineação e delimitação das áreas de preservação de matas, de recarga dos rios, das nascentes, além do local adequado para depósito e controle dos resíduos sólidos.

Há, enfim, toda uma gama de recursos que possibilitam o estudo da realidade geotopográfica, de maneira a garantir quais espaços são mais adequados à ocupação segura.

Num segundo momento, pode-se iniciar o estudo do macro-zoneamento, com a destinação de cada área para uso distinto (industrial, residencial, comercial, lazer), com maior ou menor adensamento, dentro de critérios que garantam a ocupação racional das áreas urbanas, onde são considerados os aspectos do sistema viário, demanda de infra-estrutura, preservação ambiental, etc.

Através do geoprocessamento, pode-se refinar esses estudos pela associação dos bancos de dados (da Saúde, da Educação, dos Serviços Urbanos, da Fazenda etc.) às informações cartográficas, resultando numa poderosa ferramenta de gestão e controle.

Um simples exemplo pode mostrar isto: um aluno matriculado numa escola tem endereço onde no cadastro não existe casa. Por cruzamentos deste tipo de informação pode-se ir paulatinamente conseguindo o controle efetivo da cidade permitindo tomada de decisões mais seguras.

Para iniciar todo este processo pode-se iniciar os trabalhos com elementos simples e baratos de produtos aerofotogramétricos.

Uso de fotografia aérea métrica: estudo do relevo e do uso e ocupação do solo por foto interpretação com estereoscópio.

Uso de fotografia aérea métrica ampliada: em áreas urbanas com vôo em escala 1:5.000 e ampliação em escala 1:1.000 para revisões do cadastro do IPTU com excelentes resultados de aumento de arrecadação em média de 35 a 40% em um conjunto de mais de cinqüenta municípios.

Com pequena parcela deste aumento de arrecadação é possível montar o mapeamento definitivo e o geoprocessamento.

O assunto é extenso e momentoso, oferecemos apenas algumas indicações. Devemos voltar ao assunto.

Irineu Idoeta é engenheiro agrimensor, professor titular da PUC-Campinas, diretor técnico da Base Aerofotogrametria e Projetos e presidente da Comissão de Normas da ABNT para Serviços Topográficos. E-mail: irineu@baseaerofoto.com.br