O satélite desenvolvido em parceria com a China carrega três imageadores com características distintas e oferece uma grande variedade de produtos

Por Marjorie Xavier

A observação da Terra por satélites é uma maneira eficiente de coletar dados para o desenvolvimento de um país. Sabendo disso, o Brasil, ainda no final da década de 80, firmou uma cooperação com a China para o desenvolvimento de dois satélites de sensoriamento remoto. Nascia o programa CBERS, sigla para China-Brazil Earth Resources Satellite – em português, Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres.

O acordo marcou uma nova e promissora etapa do programa espacial brasileiro e serviu, inclusive, para diversificar e ampliar parcerias no âmbito da ciência e tecnologia. No Brasil, o programa CBERS está sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com sede em São José dos Campos, em São Paulo. Na China, a mesma função cabe à Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (Chinese Academy of Space Technology Cast).

O programa CBERS combina recursos financeiros e a participação de especialistas de ambos os países para estabelecer um sistema completo de satélites de observação da Terra, que seja competitivo internacionalmente e, ao mesmo tempo, compatível com a realidade de Brasil e China. Neste sentido, o programa é considerado um modelo de cooperação e intercâmbio entre países em desenvolvimento.

O CBERS-1 foi lançado em 14 de outubro de 1999 da Base de Taiyuan, na China. Além do fato dos países possuírem tecnologias complementares na área espacial, contribuiu para o sucesso da cooperação de fatores físicos, como a vasta extensão territorial de ambos os parceiros, propiciando as mesmas expectativas em relação ao satélite. Com isso, os sensores foram projetados especialmente para suas aplicações comuns nas áreas de gerenciamento de recursos terrestres e monitoramento ambiental.

No acordo de cooperação, o Brasil ficou responsável por 30% do desenvolvimento dos dois primeiros satélites, o que correspondeu ao fornecimento das estruturas mecânicas, todos os equipamentos de geração de energia elétrica, a câmara WFI e os sistemas de coleta de dados e de telecomunicações. É importante destacar que o acordo previa que a China comprasse de empresas brasileiras os computadores de bordo e os transmissores de microondas. Ao longo dos anos, o Brasil agregou ainda outras responsabilidades, como a participação no controle e rastreio dos satélites, atividades de montagem e testes de modelo de vôo. No total, o governo brasileiro já investiu aproximadamente 100 milhões de dólares no programa CBERS.


Técnicos brasileiros e chineses trabalham no satélite

Características

Uma das características do CBERS é sua carga útil de múltiplos sensores, com resoluções espaciais e freqüências de observação variadas. São três sensores a bordo. O WFI é um imageador de visada larga, de 900 quilômetros no solo, dando uma visão sinóptica com resolução espacial de 260 metros e cobrindo o planeta em menos de cinco dias. O sensor CCD é uma câmara de alta resolução e o IRMSS é um varredor multiespectral infravermelho; ambos são capazes de fornecer informações detalhadas, pois contam com uma visada mais estreita, de 120 quilômetros. A câmara CCD de alta resolução tem a capacidade adicional de apontamento lateral de aproximadamente 32º, o que permite o aumento da freqüência das observações ou ainda uma visão estereoscópica. Os dados de múltiplos sensores são especialmente úteis no acompanhamento de ecossistemas, por causa da alta repetitividade.

A câmara CCD fornece imagens de uma faixa de 113 quilômetros de largura, com resolução de 20 metros. Este sensor leva 25 dias para cobrir totalmente a Terra. Com capacidade de orientar seu campo de visão dentro de 64 graus, a CCD possibilita imagens estereoscópicas de uma certa região. "Qualquer fenômeno detectado pela WFI pode ainda ser focalizado pela CCD através de um apontamento apropriado de seu campo de visada dentro de no máximo três dias. As imagens da CCD são ideais para agricultura e planejamento urbano, além de aplicações em geologia e hidrologia", explica José Carlos Neves Epiphanio, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe.

A câmara de varredura no infravermelho IRMSS produz imagens de uma faixa de 120 quilômetros de largura, com resolução de 80 metros, e 160 metros no canal termal. A cobertura completa da Terra, assim como a CCD, é feita na IRMSS em 25 dias.

Além da carga útil imageadora, o satélite leva um sistema de coleta de dados (DCS) para retransmitir informações colhidas no solo. Também estão a bordo um monitor do ambiente espacial (SEM) para detecção de radiação de alta energia no espaço e um gravador de fita de alta densidade (HDTR) experimental para gravação de imagens.

Quanto a especificações das imagens CBERS, é preciso frisar que o produto final e o volume de dados dependem das características de cada instrumento, das transformações aplicadas à cena, da localização da cena e do tamanho da cena original. (Ver tabela)

Câmara WFI

O acordo firmado em 1988 previa o desenvolvimento de dois satélites. O segundo deverá ser lançado ainda este ano, provavelmente no mês de agosto. O CBERS-2 pode ser considerado uma réplica do primeiro satélite. Desta forma, possui também três sensores CCD, IRMSS e WFI, este último totalmente desenvolvido pelos brasileiros.


Imagem WFI da região de Buenos Aires e do Rio da Prata

Uma das maiores expectativas em relação ao CBERS-2 é justamente a câmara WFI (Wide Field Imager). Com a falha de um de seus componentes, a WFI deixou de realizar imagens sete meses depois de o satélite estar em órbita. Ainda assim, neste período, foram obtidas imagens de excelente qualidade, capazes de cobrir a Terra várias vezes. Estas imagens surpreenderam os técnicos e inclusive estão disponíveis para comercialização. Para se ter uma idéia, apenas uma imagem da WFI é capaz de cobrir toda a região do Vale da Paraíba até o Rio de Janeiro. Isto porque a câmara faz imagens de uma faixa de 860 quilômetros de largura, fornecendo uma visão sinóptica com resolução de 260 metros. Em cinco dias, é possível cobrir totalmente o globo em duas faixas espectrais, o verde e o infravermelho próximo. Ou seja, seria preciso a união de várias imagens de outros satélites de sensoriamento remoto para se obter a mesma única imagem deste sensor brasileiro.

Desta vez, já conhecidos e sanados os problemas, espera-se que a WFI possa funcionar durante todo o período de vida útil do CBERS-2. "Quando fizemos a parceria com a China, propusemos colocar no satélite um experimento – a WFI. Essa câmara não era parte original do satélite", conta José Raimundo Coelho, da Divisão de Engenharia e Tecnologia Espacial do Inpe, que acompanha o programa CBERS desde o início. "Nossa intenção era verificar a aceitação do produto perante os usuários, algo que superou totalmente nossas expectativas. Como experimento, a WFI funcionou perfeitamente bem por sete meses", completa José Raimundo.

Produtos

Os produtos CBERS podem ser gerados em formato digital, em CD-ROM ou em papel de até um metro de largura gerados em plotter. Possuem apresentação diferenciada, com tarjas e anotações sobre a localização imageada, escala cartográfica, entre outros dados, enriquecendo as informações que já constam da imagem. "Também estão disponíveis alternativas de mosaicagem de cenas de diversas datas e extração de modelos numéricos de terreno a partir de pares estereoscópicos", informa Luís Geraldo Ferreira, da Divisão de Geração de Imagem (DGI) do Inpe.


Imagem CCD do Plano Piloto de Brasília

A DGI do Inpe é responsável pelo processamento e distribuição de dados de satélites de sensoriamento remoto no Brasil, que são gravados pela estação de recepção em Cuiabá, no Mato Grosso. O processamento e a geração dos produtos digitais e fotográficos são feitos nos laboratórios de Cachoeira Paulista, em São Paulo. "Recebemos a primeira imagem de satélite e fizemos o seu processamento em 1973. Somos o terceiro país a processar uma imagem de satélite, depois dos Estados Unidos e Canadá", revela Flávio Sérgio Reis, da DGI, dando uma idéia do domínio desta tecnologia pelos brasileiros. "Antes, era preciso oito horas para a correção de uma imagem. Agora, sendo tudo digital, o mesmo processo leva 15 minutos", continua Flávio, destacando que o usuário ainda precisa "descobrir" a imagem CBERS. "As pessoas levaram tempo trabalhando com o Landsat. Demora um pouco para se acostumarem com uma nova ferramenta. O CBERS não veio competir com satélites que estão aí há 30 anos. Ele veio simplesmente somar; o satélite sino-brasileiro é uma nova alternativa. Quem percebeu isso e já está utilizando as imagens comercialmente, com certeza está tendo benefícios", conclui Flávio. O maior atrativo das imagens geradas pelo CBERS, sem dúvida, é o preço, em média três vezes mais barato. Outra vantagem é que o usuário pode ter acesso as imagens quase em tempo real em relação à passagem do satélite.

O interessado nas imagens CBERS pode contar com as unidades do ATUS, que são as centrais de atendimento aos usuários. As principais ficam em São José dos Campos (telefone 12 3945 6467/6420, e-mail atus@ltid.inpe.br) e Cachoeira Paulista (telefone 12 560 9226/9228, e-mail atus@dgi.inpe.br). O ATUS foi criado com o objetivo de fornecer todas as informações adequadas e necessárias para que o usuário de imagens de satélite de sensoriamento remoto possa solicitar seu produto de forma correta e simplificada. Através da internet (www.dgi.inpe.br), é possível realizar pesquisa de imagem, fazer os pedidos, além de resolver dúvidas e enviar reclamações sobre as imagens CBER S.


Imagem IRMSS do Baixo Vale do Rio Açu no Rio Grande do Norte

O futuro

Um novo protocolo foi assinado no início de junho deste ano, entre Brasil e China, assegurando uma maior participação brasileira nos CBERS 3 e 4. Isto representa o aumento dos atuais 30% para 50% na responsabilidade pelo desenvolvimento dos satélites. O acordo ainda garante que estarão a bordo outros equipamentos brasileiros, além da câmara WFI. Os especialistas brasileiros irão desenvolver um modelo de câmara mais sofisticado, com resolução de 20 metros e campo de visão de 120 quilômetros.

Agência Espacial Brasileira (AEB) informa que os novos satélites, que poderão ser lançados a partir de 2005, carregarão instrumentos nacionais como transmissores de dados de imagem e um gravador de bordo. O projeto CBERS 3 e 4 mostra uma melhoria na cooperação espacial bilateral, com satélites ainda mais sofisticados e com melhor capacidade de proceder o sensoriamento remoto.


Lançamento do CBERS-1 em outubro de 1999 na Base de Taiwan

José Raimundo Coelho, do Inpe, resume os benefícios do programa CBERS para o Brasil. "O maior é o domínio da tecnologia e a autonomia do país nesta área. Ainda temos de citar a oportunidade de entrar num negócio altamente competitivo e lucrativo e a conseqüente construção de um parque industrial brasileiro", ressalta o engenheiro.

Para todos aqueles que trabalharam no projeto, o CBERS representa mundialmente um marco no setor espacial, já que é único no melhoramento tecnológico entre dois países em desenvolvimento. Esta parceria prova que o sucesso não é exclusivo aos países desenvolvidos e que o espaço "pertence à humanidade" e não apenas aos ricos.




Na internet (www.dgi.inpe.br), é possível realizar pesquisa de imagem, fazer os pedidos, além de resolver dúvidas sobre as imagens CBERS.