Investir em geoprocessamento garante alta taxa de retorno para a prefeitura, com reflexo na qualidade de vida dos cidadãos

Por Marjorie Xavier

O uso do geoprocessamento não é mais novidade para muitas das principais prefeituras brasileiras, que já sabem como a informação geográfica oferece a base para a boa gestão municipal. Mesmo assim, muitas cidades ainda não têm acesso a dados vitais que, além de garantirem a eficácia na arrecadação tributária, poderiam melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Em geral, isso acontece não apenas pela escassez de recursos, mas principalmente pela desinformação.

Prefeitos e técnicos das prefeituras brasileiras precisam saber que o desenvolvimento da tecnologia tornou disponíveis novos recursos para processamento de informações cartográficas, a um custo acessível para a grande parcela dos municípios. Em relação a apenas poucos anos atrás, ficou muito mais fácil dispor de dados físico-territoriais, inclusive aqueles componentes do cadastro técnico municipal. Ao mesmo tempo, é possível desenvolver novos usos para esta informação, até hoje muito pouco explorada pelas cidades brasileiras.

As possibilidades de utilização do geoprocessamento pelas prefeituras abrangem várias áreas. Qualquer setor que trabalhe com informações que possam ser relacionadas a pontos específicos do território pode, em princípio, utilizar ferramentas de geoprocessamento. Por exemplo, é possível usar uma planta da cidade identificando as características de cada imóvel, no caso da atualização do cadastro imobiliário, ou onde moram as crianças de uma determinada escola, caso típico da utilidade da geoinformação para área de educação.

Construindo a base

Em geral, o trabalho de geoproces-samento começa com a formação ou atualização da base cartográfica, que deve ser construída em formato digital. O próprio trabalho de implantação da base fornece um volume significativo de informações para a revisão da planta genérica de valores. É o que basta para gerar um aumento de receita capaz de compensar os investimentos nesta base e gerar recursos adicionais para o município. É óbvia a necessidade de atualização sistemática dessas informações, e daí a importância de um bom "ponto de partida" que facilite as ações de manutenção da base.

Alguns técnicos consideram essencial utilizar serviços de aerofotogrametria na obtenção da base cartográfica, embora existam outras formas para realização deste trabalho, dependendo dos resultados que se precise alcançar. No caso das fotografias aéreas, estas passam pelo processo de restituição, em que fotos são transformadas em informações cartográficas, para depois serem digitalizadas. Caso não se disponha de aerofotogrametria ou outra técnica com precisão equivalente, é possível utilizar mapas existentes. Nesse caso, são claros os prejuízos na qualidade das informações em termos de precisão e atualização. E é fundamental implantar o geoprocessamento sobre uma base cartográfica atualizada. Isto porque uma base de má qualidade pode gerar a tomada de decisões incorretas ou inadequadas. Além da aerofotogrametria, também são preciosos os levantamentos de campo.

Além disso, hoje já é possível coletar dados urbanos através de imagens de satélites de alta resolução. O Ikonos e o QuickBird, que oferecem resolução de menos de um metro, representam uma nova alternativa que pode beneficiar os municípios, principalmente no que diz respeito à atualização da base cartográfica.

E ainda há o levantamento de campo através de GPS, como faz de forma pioneira a empre-sa catarinense Canadas Serviços Técnicos e Sistemas, há 11 anos no mercado. A empresa entrega a cartografia geor-referenciada do município, que pode ser mais facilmente atualizada pelos próprios técnicos da prefeitura. Desta maneira, o cadastramento das características do imóvel é feito em campo, sendo que a Canadas providencia até uma fotografia, para que a construção possa ser visualizada. "Esse método leva grande vantagem pelo custo mínimo para sua manutenção, e também devido à menor margem de erro", comenta Luiz Canadas, diretor da empresa, lembrando a experiência do município de Palhoça, em Santa Catarina. "A prefeitura de Palhoça adotou nosso sistema em 1997, quando tinha uma arrecadação em torno de R$ 450.000,00/ano. Depois de feita a base cartográfica digital e o cadastramento de todos os imóveis contendo as informações necessárias na cobrança dos tributos para a implantação do nosso sistema, essa mesma gestão passou a obter um valor lançado de IPTU próximo de R$ 6.750.000,00/ano", destaca Canadas, citando ainda que a prefeitura de Palhoça recentemente chegou a receber um prêmio devido ao crescimento da receita.

De um modo geral, as empresas que trabalham com o geoprocessamento para municípios no Brasil costumam oferecer soluções completas e integradas. Ou seja, fazem desde a base cartográfica, passando pela revisão da planta genérica de valores imobiliários, até a implantação de GIS (sistema de informações geográficas) e serviços de consultoria. Uma destas empresas é a Cetil GEO, que possui mais de 20 sistemas adequados à gestão municipal que podem ser espacializados e integrados ao geoprocessamento. "Primeiro costumamos fazer um trabalho vinculado à arrecadação", conta Diogo Cortopassi Lobo, diretor comercial da Cetil GEO, que está implantando um GIS em São Miguel do Iguaçu, no Paraná. "Este município, por exemplo, tem 24.432 habitantes e estamos levantando suas 7.425 unidades cadastrais com fins de elevar a arrecadação tributária", conta Diogo, lembrando que o trabalho é feito de acordo com a realidade e porte de cada cidade.


Consulta de escolas no GIS de São Sebastião


Site de São Sebastião mostra logradouros do Município

Aplicações
Com a base cartográfica digitalizada em mãos, é preciso fazer o tratamento das informações, "colocando no mapa" os dados referentes aos lotes, edificações e propriedades rurais. Também podem ser cadastradas na base as estradas e logradouros (informando desde o tipo de pavimento, sinalização, linhas de ônibus, até o volume de tráfego) e redes de infra-estrutura para serviços de energia e saneamento, por exemplo. Nem todas as prefeituras necessitam, ao menos num primeiro momento, de todas estas informações. É preciso um estudo completo da situação do município, definindo prioridades e principalmente quais as expectativas em relação ao geoprocessamento.

É fato que a maioria das cidades faz a opção de atualizar primeiramente o seu cadastro imobiliário, visando a arrecadação do IPTU (Imposto Predial e Territorial e Urbano). Depois, a base pode receber ampliações, com a alimentação de mais tipos de dados georreferenciados para outras aplicações, como para as áreas de educação e saúde.

Outro caso clássico da importância do uso do geoprocessamento está na decisão de onde instalar órgãos e serviços sociais. A partir de uma base cartográfica que inclua informações sócio-econômicas, é possível identificar áreas com maior nível de carência e os melhores locais para instalação de equipamentos e serviços públicos. Estas decisões podem ser tomadas com base em critérios de necessidade e de acessibilidade aos locais. Note-se que seria quase impossível uma boa tomada de decisão sem a informação geográfica.

"Com as informações sobre o número de crianças residentes no município e a incidência de doenças, por exemplo, é possível desenhar ações de saúde específicas para certas regiões da cidade. Ou cruzando dados sobre renda das famílias pode-se identificar o público-alvo para programas de alcance social", cita Cláudio Aparecido de Almeida, gerente de Negócios da Funcate (Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologias Espaciais). Em parceria com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a Funcate desenvolveu e está implantando em municípios de pequeno e médio porte um modelo de Gestão Municipal Integrada (GMI). A Funcate utiliza a tecnologia TerraLib (livre de licencia-mento) e fornece serviços de mape-amento urbano e ambiental, atualização de cadastro técnico, informa-tização, atendimento ao cidadão, capacitação e treinamento. "A associação destas tecnologias permite gerar um sistema mais abrangente e com um custo inferior. A expansão da base de arrecadação de IPTU tem se mostrado suficiente para pagar integralmente o projeto, em um único exercício fiscal", completa Cláudio. Um dos casos recentes de sucesso de implantação do geoprocessamento pela Funcate é o município de São Sebastião, em São Paulo.


Fotografia digital associada à unidade cadastral (Cetil GEO)

A tendência do geoprocessamento é disponibilizar o serviço ao cidadão através da internet. Dentre as prefeituras que utilizaram recentemente esta tecnologia, a maioria colocou em websites municipais os seus recursos para os cidadãos. Talvez neste aspecto esteja o maior ganho – a democratização da base de dados. A população consegue identificar o seu espaço e se torna mais participativa. Além disso, a disponibilização de dados na internet também atende a um dos princípios básicos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina a publicidade dos atos e contas públicas. E planejar é preciso – eis outra exigência básica da Lei Fiscal. Ou seja, os governantes não só têm que aplicar bem o dinheiro público, como deixar claro como o fizeram. Ainda sobre a LRF, é importante destacar que o geopro-cessamento é um dos instrumentos mais adequados para o planejamento urbano.

Múltiplas finalidades

Um Sistema de Informações Geográficas (GIS) serve para atender às necessidades dos diversos setores de uma administração municipal, como geração e controle das receitas municipais, planejamento urbano, políticas sociais, infra-estrutura e serviços urbanos, etc. Montado a partir da base cartográfica do município, o GIS incorpora, através de referências geográficas, diversas bases de dados disponíveis em uma prefeitura, como o Cadastro Imobiliário, os equipamentos públicos de saúde e educação e os imóveis inadim-plentes com o IPTU, por exemplo. O processamento dessas bases de dados georreferenciadas, combinadas de acordo com o interesse dos usuários, permite a imediata produção de novas informações que, relacionadas espacialmente, proporcionam uma compreensão da realidade de uma forma muito mais ampla e eficiente. Com a elaboração dos mapas temáticos produzidos com as informações no ambiente GIS, é possível compreender a dinâmica espacial da população dentro do município, analisar a localização adequada para implantação de escolas ou equipamentos de saúde em função da maior concentração espacial de população que demanda tais serviços, ou ainda, identificar as regiões que concentram maiores índices de inadimplência de pagamento do IPTU, permitindo ações direcionadas, dentre uma infinidade de outras informações. A operação do GIS requer constante processo de atualização e permite a introdução permanente de novas bases de dados de acordo com o interesse da prefeitura.

Investimento

O governo federal mantém programas e linhas de financiamento que podem ser utilizadas para a implantação do geoprocessamento em municípios. É o caso do PNAFM (Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e Fiscal para os Municípios Brasileiros) e do PMAT (Programa Nacional de Administração Tributária Municipal). Ambos visam otimizar a arrecadação, e para isso nada melhor que a geoinformação.

A implantação de geoprocessamento não é inacessível aos municípios. Deve ser vista não como uma despesa, mas como um investimento do município em produção de informação que irá gerar, por sua vez, um retorno bastante rápido em termos de receitas e de políticas públicas. O geoprocessamento é um investimento com alta taxa de retorno para a prefeitura. Do ponto de vista financeiro, a implantação do geoprocessamento e a atualização da base cadastral trazem aumento da arrecadação da prefeitura. Além dos benefícios fiscais, o geopro-cessamento funciona como uma ferramenta para a eficiência das ações da prefeitura. Isto acontece porque os dirigentes e técnicos passam a dispor de mais conhecimentos sobre o município. E conhecimento é poder.