Regulamentada a lei que exige o georreferenciamento de todos os imóveis rurais

Por Marjorie Xavier

Dia 30 de outubro de 2002. Nesta data foi finalmente assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso o decreto regulamentador da Lei 10.267, que criou o Sistema Público de Registro de Terras. O fato merece toda a atenção da comunidade ligada à geoinformação, pois a lei exige que todo imóvel rural apresente as coordenadas dos vértices definidores de seus limites georreferen-ciados ao Sistema Geodésico Brasileiro. A Lei 10.267 é clara também ao afirmar que a identificação do imóvel será obtida a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Pode-se imaginar o vasto campo de trabalho que se abre aos engenheiros agrimensores e cartógrafos, e demais profissionais habilitados a trabalhar com georreferenciamento. É importante destacar que o profissional é responsável não somente por "assinar", mas por elaborar e executar o levantamento que resultará no memorial descritivo.

Desde que a lei começou a ser debatida, uma das questões mais importantes era a definição da precisão posicional. O texto da Lei 10.267 estabelece que esta deve ser definida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), através de ato normativo. Também esta questão já foi resolvida: no mesmo momento em que o decreto foi regulamentado, o Incra estipulou em 50 centímetros, ou melhor que isso, a precisão posicional que passa a ser a referência para os levantamentos georreferen-ciados. Sendo responsabilidade do Incra, não será preciso alterar a lei quando se fizer necessária uma precisão mais elevada neste tipo de levantamento.


Fernando Henrique, tendo à direita o ministro José Abrão, assina o decreto

De acordo com o governo federal, a data oficial de implantação do Sistema Nacional de Cadastro Rural é 14 de novembro de 2002. Reunindo dados de aproximadamente cinco milhões de imóveis rurais em todo o Brasil, o Sistema Público de Registro de Terras criado pela Lei 10.267 exige a reorganização do sistema de informações rurais do Incra. O grande objetivo das mudanças é permitir o cruzamento de dados com os sistemas da Secretaria da Receita Federal, do Ibama e da Funai, e ainda a integração com os demais sistemas do Incra, como o de informações de processos jurídicos (Sijur) e o de assentados do programa de reforma agrária (Sipra). Com isso, o Certificado de Imóvel Rural expedido pelo Incra e utilizado nas transações imobiliárias e nos casos em que a propriedade é a garantia de financiamentos passará a conter número maior de informações do que o anterior.

O novo sistema em funcionamento irá definir a malha fundiária brasileira evitando fraudes e superposição de áreas. É inegável que o Brasil passa a contar com um dos mais modernos instrumentos para regularização de terras.

Prazos
É claro que as propriedades não serão georreferenciadas de um dia para o outro. O governo já estipulou os prazos para este georreferenciamento, que dependem do tamanho da área do imóvel. As propriedades com mais de cinco mil hectares poderão ficar até 90 dias sem apresentar a planta das terras em operações de venda e transferência. Depois destes três meses, qualquer tipo de operação envolvendo a terra dependerá de apresentação deste documento. Será concedido prazo de um ano para quem tiver fazendas acima de mil hectares. O prazo se estende a dois anos no caso de fazendas com mais de 500 hectares. Para propriedades menores que isso, três anos. Segundo a Lei, os pequenos proprietários de terras terão o georrefe-renciamento pago pelo governo federal.

"Foi muito importante determinar esse calendário de prazos, até porque o Incra precisa estar preparado para esta ação", comentou Edaldo Gomes, do Incra, ressaltando que o órgão ainda é responsável pelas normas técnicas dos levantamentos que deverão ser compiladas em um Manual de Cartografia.

Cumpridos estes prazos, o mapeamento de 2,2 milhões dos imóveis deverá estar concluído em cinco anos. Depois disso, serão catalogados os 2,6 milhões de imóveis restantes. Neste processo, o governo federal espera regularizar 1,3 milhão de posses no país.

Mercado
Com a precisão posicional já definida em 50 centímetros, as empresas do setor de mapeamento se preparam para atender ao imenso mercado que se abre com a exigência do georreferenciamento. O próprio Incra será o responsável pelas normas que ditarão quais as técnicas que serão adequadas para garantir a precisão dos levantamentos. Novas tecnologias deverão ser permitidas, desde que atinjam a precisão posicional de no mínimo 50 centímetros.

Os fornecedores de equipamentos já estão a postos. A Santiago & Cintra, por exemplo, está até realizando um curso nas principais cidades brasileiras sobre as tecnologias GPS que são adequadas à legislação.

Os setores de aerolevantamentos e de imagens de satélites também estão atentos ao novo mercado. A Intersat é umas das empresas que já divulgou que está pronta a atender os proprietários de áreas rurais que terão que fazer o georreferenciamento de seus imóveis.

Os profissionais da área, em especial os mais antigos do mercado, embora confiantes na aplicação da lei, ainda têm algumas dúvidas. O agrimensor e geógrafo José Luciano Nicolosi de Oliveira, da Cota Territorial, preocupa-se com a metodologia mais adequada ao geor-referenciamento. "Discordo em relação ao sistema geodésico (UTM), pois acho que deveria ser utilizado o sistema topográfico local. Mas quanto à necessidade de georreferenciar é claro que não existe nenhuma objeção de qualquer parte. Mas outra preocupação diz respeito ao controle de como será feito o trabalho", fala Nicolosi de Oliveira.

Registro
Até chegar a assinatura do decreto regulamentador, um longo caminho foi percorrido. Diversos profissionais e instituições participaram do processo que resultou na Lei 10.267, como registradores e notários, através do Instituto de Registo Imobiliário do Brasil (Irib) e Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), além do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Incra e Funai.

A Lei do Sistema Público de Registro de Terras dará maior transparência aos registros cartoriais e imobiliários, garantindo aos proprietários a legitimidade quanto ao domínio do imóvel. Impedindo o uso de mecanismos que possibilitavam a grilagem de terra no país, a nova legislação introduz a uniformização e a articulação de todos os registros de terras com os cartórios, que serão obrigados a enviar mensalmente ao Incra qualquer alteração nas matrículas, como mudança de titularidade, remembramento, desmem-bramento, parcelamento, modificação de área, loteamento e alterações relativas a aspectos ambientais. Por sua vez, o Incra encaminhará mensalmente aos cartórios o código do imóvel para fazer constar na matrícula. As infrações cometidas pelos titulares ou prepostos dos cartórios poderão levá-los a responder administrativa, civil e criminalmente.

"Os cartórios não terão a responsabilidade de verificar os dados físicos dos imóveis", explica Sérgio Jacomino, presidente do Irib. Àqueles que ainda pensam que haverá uma equipe técnica nos cartórios, Jacomino responde: "A situação jurídica, sim, é um problema do Registro. Os dados cadastrais dizem respeito ao Cadastro. O Registro não é o Cadastro, assim como o Cadastro não pode valer como Registro!".

Seminário
O Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, recebeu quase duzentas pessoas nos dias 30 e 31 de outubro para o Seminário Internacional Sistema Público de Registro de Terras, evento promovido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, Secretaria da Reforma Agrária, Incra, Banco Interamericano de Desenvolvimento e Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. Participaram representantes de entidades públicas e privadas, registradores, notários, juristas, comunidade acadêmica e profissionais liberais. O Seminário foi uma das medidas para divulgar e aperfeiçoar a nova lei.

Já na abertura do encontro, o ministro do Desenvolvimento Agrário, José Abrão, disse que a lei representa uma revolução no sistema brasileiro de registro de terras, acabando definitivamente com as possibilidades de fraudes e grilagem de terras. "O código único para cada propriedade permitirá o cruzamento de dados com um novo cadastro que interligará registros de imóveis rurais da Secretaria da Receita Federal, do Ibama e da Funai e institutos estaduais de terras dos Estados, além de cartórios", lembrou o ministro.

A programação foi bastante abrangente, abordando desde aspectos históricos até experiências de outros países. Confira os temas discutidos: Evolução Histórica da Regulação do Mercado de Terras no Brasil; Procedimentos operacionais para aplicação da Lei nº 10.267/2001; Atuação do Incra no Projeto Cadastro/Regularização Fundiária e Esquema Lógico do CNIR; Experiência Internacional; Alterações e Inovações da Lei e a Visão do Irib, Anoreg e Anoter; A experiência do Tribunal de Justiça do Amazonas no Combate a Grilagem de Terras.

Mais informações sobre o Cadastro Nacional dos Imóveis Rurais, assim como o texto completo da Lei 10.267, podem ser obtidas nos sites www.incra.gov.br e www.irib.gov.br.

O Portal MundoGEO também publicou vasto material a respeito do assunto.Em www.mundogeo.com.br, leia na seção Colunas-Agrimensura os textos assinados por Jürgen Philips, da UFSC, e também a entrevista com Andrea Flávia Tenório Carneiro, da UFPE. Ambos participaram, convidados pelo Irib, dos grupos de trabalho que resultaram na Lei 10.267. E, na Revista infoGeo, Régis Fernandes Bueno abordou o assunto em sua Coluna Agrimensura nas edições 16 e 21, e agora novamente nesta edição na página 72. A infoGeo, na edição 21, também publicou entrevista com Edaldo Gomes, do Incra. Todas as edições anteriores da infoGeo estão disponíveis para assinantes no Portal MundoGEO