Com recursos do Banco Mundial, o Incra começa a identificar os imóveis rurais tendo como base o georreferenciamento

Podemos aceitar que qualquer profissional que não o engenheiro cartógrafo ou agrimensor esteja habilitado para georreferenciar um imóvel rural?

A lei nº 10.267, de 21/08/2001, é conhecida como Lei de Criação do Sistema Público de Registro de Terras. Ela altera dispositivos das leis 4.947, de 06/04/1966, 5.868 de 12/12/1972, 6.015 de 31/12/1973, 6.739 de 05/12/1979, 9.393 de 19/12/1996 e dá outras providências. Essa lei traz como ponto principal a intenção do Governo Federal, através do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), obter ao longo dos próximos anos, todos os imóveis rurais georreferenciados ao Sistema Geodésico Brasileiro, definidos por lei e adotados pelo IBGE, DSG e por todas as empresas que trabalham com representação cartográfica no país.

Essa lei assegurará a justa propriedade de terras públicas e privadas, dando mais transparência aos registros cartoriais e imobiliários, além de permitir o compartilhamento das informações sobre os imóveis, entre as instituições governamentais, criando um código único para estes imóveis.

Uma das polêmicas existentes nesta lei fica por conta da questão da escrituração das Propriedades Rurais que determina, no artigo nº 176 § 3º:

"Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais e no § 4º descreve "A identificação de que trata o § 3o tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo."

E é nessa questão que temos o grande ponto polêmico e nos perguntamos: Quais os profissionais habilitados que poderiam estar legalizando o posicionamento (georreferenciamento) deste imóvel rural?

No intuito da obtenção desta resposta, o INCRA, órgão responsável por essa lei a receber esses imóveis georreferenciados, através de sua agência localizada no Distrito Federal, elabora e envia oficialmente ao CONFEA (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) um questionamento para saber quais os profissionais habilitados para assumir a responsabilidade técnica dos serviços de determinação das coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais para efeito do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR) e quais os tipos de conteúdos formativos que esse profissional deveria possuir em sua formação.

Para espanto dos Engenheiros Cartógrafos e Agrimensores, o CONFEA elaborou e aprovou a Plenária Ordinária 1314, PL-0024/2003 processo CF-2157/2003 de 21/02/2003 onde terminava:

1) Os profissionais habilitados para assumir a responsabilidade técnica desses serviços são aqueles que tenham cursado os seguintes conteúdos formativos:
a)Topografia aplicada ao georreferenciamento;
b) Cartografia;
c) Sistemas de referência;
d) Projeções cartográficas;
e) Ajustamentos;
f) Métodos e medidas de posicionamento geodésico.
2) Compete às câmaras especializadas procederem a análise curricular.
3) Os profissionais que não tenham, à época da graduação, cursado tais conteúdos, poderão fazê-lo através de cursos de formação continuada, especialização ou pós-graduação, e/ou comprovando experiência profissional específica na área.
4) Os conteúdos formativos não precisam constituir disciplinas, podendo estar incorporadas nas ementas das disciplinas onde serão ministrados estes conhecimentos aplicados às diversas modalidades do Sistema.
5) O Confea e os Creas deverão adaptar o sistema de verificação da atribuição profissional, com rigorosa avaliação de currículos, cargas horárias e conteúdos formativos que habilitará cada profissional.
6) A atribuição será conferida desde que exista afinidade de habilitação com a modalidade de origem na graduação, estando de acordo com o Art. 3º, parágrafo único, da lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, e serão as seguintes modalidades:
a) Engenheiro Agrimensor (Art. 4º da Resolução nº 218, de 29 de junho de 1973);
b) Engenheiro Agrônomo (Art. 5º da Resolução 218, de 1973);
c) Engenheiro Cartógrafo, Engenheiro de Geodésica e Topografia,
d) Engenheiro Geógrafo (Art. 6º da Resolução 218, de 1973);
e) Engenheiro Civil, Engenheiro de Fortificação e Construção (Art. 7º da Resolução 218, de 1973);
Engenheiro Florestal (Art. 10 da Resolução 218, de 1973);
g) Engenheiro Geólogo (Art. 11 da Resolução 218, de 1973);
h) Engenheiro de Minas (Art. 14 da Resolução 218, de 1973);
i) Engenheiro de Petróleo (Art. 16 da Resolução 218, de 1973);
j) Arquiteto e Urbanista (Art. 21 da Resolução 218, de 1973);
l) Engenheiro de Operação – nas especialidades Estradas e Civil (Art. 22 da Resolução 218, de 1973);
m) Técnico de Nível Superior ou Tecnológo – da área específica (Art. 23 da Resolução 218, de 1973);
n) Técnico de Grau Médio em Agrimensura;
o) Geólogo (Art. 11 da Resolução 218, de 1973);
p) Geógrafo (lei nº 6.664, de 26 de junho de 1979).
q)Tecnólogos e Técnicos de grau médio das áreas acima explicitadas, devendo o profissional anotar estas atribuições junto ao CREA.

Essa Plenária Ordinária provocou grande questionamento quanto às definições apresentadas nos itens 3, 4 e 6 por parte dos Profissionais Habilitados para o georreferenciamento destes imóveis rurais, pois se isso tornar-se uma verdade, estaremos admitindo que nosso sistema de ensino superior (Universidades) e nosso sistema de fiscalização (CONFEA e CREA), não terão mais o sentido de existirem, já que poderíamos a partir desta plenária admitir que um Engenheiro Cartógrafo e/ou Agrimensor que tem em sua formação disciplinas como Geometria Descritiva, Cálculo Diferencial e Integral, Física, Geometria Analítica e Álgebra Linear, Química Geral e Aplicada, Estatística, Engenharia de Sistemas, Economia de Engenharia, Transportes, Resistência dos Materiais, Administração e Organização de Empresas de Engenharia, Mecânica, Hidrologia Aplicada, Higiene de Habitação, Geologia e Geofísica, Computação Eletrônica e Cálculo Numérico, Topografia, Sensoriamento Remoto, Representações Cartográficas I, II, III, Fotogrametria, Geodésia, Ajustamento, Astronomia e Geografia para Engenharia Cartográfica, pudessem simplesmente a partir de uma especialização ou partir de uma Plenária Ordinária, como essa apresentada, serem responsáveis por desempenho de atividades referentes:

 a edificações, conjuntos arquitetônicos e monumentos, arquitetura paisagística e de interiores; planejamento físico, local, urbano e regional; seus serviços afins e correlatos (Competência do ARQUITETO OU ENGENHEIRO ARQUITETO);
 a edificações, estradas, pistas de rolamentos e aeroportos; sistema de transportes, de abastecimento de água e de saneamento; portos, rios, canais, barragens e diques; drenagem e irrigação; pontes e grandes estruturas; seus serviços afins e correlatos ( Competência do ENGENHEIRO CIVIL E OU AO ENGENHEIRO DE FOROTOFOCAÇÃO E CONSTRUÇÃO);
 referentes a engenharia rural; construções para fins florestais e suas instalações complementares, silvimetria e inventário florestal; melhoramento florestal; recursos naturais renováveis; ecologia, climatologia, defesa sanitária florestal; produtos florestais, sua tecnologia e sua industrialização; edafologia; processos de utilização de solo e de floresta; ordenamento e manejo florestal; mecanização na floresta; implementos florestais; economia e crédito rural para fins florestais; seus serviços afins e correlatos (Competência do Engenheiro Florestal); e tantos outros mais que estão descritos na Resolução n.º 218, de 29 junho de 1973, aprovada pelo próprio CONFEA.

Infelizmente o que está em jogo na resolução dessa Plenária Ordinária é a falência de tudo aquilo que temos como verdadeiro, e isso põe em risco todo o futuro profissional de nosso País.

Devemos pois, exigir das autoridades competentes uma averiguação e uma análise mais profunda para termos consciência dos atos que praticamos como sociedade. Essa Plenária deveria ser motivo de vergonha e não vitória para todos os membros registrados neste conselho, pois, a aplicação indiscriminada nessas plenárias pode levar ao fim todo um sistema que foi criado com o intuito de certificar e qualificar a mão de obra existente no país, garantindo segurança e tranqüilidade à sociedade que tanto clama por isso.

Não podemos aceitar ou informar que qualquer profissional que não o Engenheiro Cartógrafo ou Agrimensor esteja habilitado para determinar ou posicionar (georreferenciar) um imóvel rural, pois este profissional deve saber exatamente o que e onde está posicionando está propriedade e isso não se consegue com um simples curso de pós-graduação, isso exige uma formação mais detalhada e consistente para que amanhã não tenhamos uma surpresa ao descobrir que a superfície territorial do nosso país passou dos seus 8 milhões de quilômetros quadrados para, quem sabe, uns 12 milhões de quilômetros quadrados, em função de inúmeras sobreposições dos imóveis rurais.

Podemos até citar um exemplo comum em nosso meio: um proprietário rural, que possui uma área de 1.000 hectares, deseja desmembrar essa área em duas áreas de 500 hectares. A primeira atitude desse proprietário é contratar um profissional qualquer para executar o projeto de desmembramento de sua área principal; o segundo passo é ir até o registro de imóveis e tentar alterar o documento original da propriedade, mas ao fazer isso ele descobre pelo cartorário que seu projeto sobrepõe-se em 30% ao projeto de regularização fundiária de seu vizinho. Descobre também que esta área foi regularizada segundo os padrões exigidos por lei e tem como responsável técnico um Engenheiro Cartógrafo ou Agrimensor.

A pergunta é: Qual projeto está certo? O dele ou o do vizinho?
Cabem aí inúmeras situações que deixo a cargo do leitor, mas o mais importante disso tudo é sempre ter em mente que cada profissional recebe em sua formação material suficiente para assumir e garantir qualidade naquilo que seu curso de formação o propiciou. Não devemos dar a todos o direito que é de alguns.

Dalmar José dos Santos é engenheiro cartógrafo formado pela Universidade Federal do Paraná. Atua na área desde de 1983 como técnico, e trabalha na gerência de projetos em empresas de aerolevantamento desde de 1989. Atualmente é diretor técnico da empresa Geofoto Brasil Tecnologia e Sistemas de Informação Terrestre e Aeroespacial Ltda. dalmar@geofotobrasil.com.br