Entrevista exclusiva de Jack Dangermond para a InfoGEO traça um perfil do mercado futuro das aplicações de GIS
Reconhecido tanto academicamente quanto na indústria como um líder e autoridade no campo de GIS, Jack Dangermond é o fundador e presidente da ESRI, empresa localizada em Redlands (California), líder no mercado de GIS desde 1969.
Dangermond é graduado em Ciências Ambientais pela Faculdade Politécnica da Califórnia, em Pomona; com especialização em Planejamento Urbano no Instituto de Tecnologia da Universidade de Minnesota; e especialização em Arquitetura Paisagista pela Universidade de Harvard, onde trabalhou no laboratório de Computação Gráfica e Projeto Espacial.
Recebeu inúmeros prêmios e homenagens, incluindo o Prêmio URISA, da Associação de Sistemas de Informação Urbana e Regional, por "excelentes contribuições à área dos sistemas de informação", além de se tornar Membro Honorário da Associação Americana de Geógrafos (AAG), título concedido a pessoas que realizam contribuições exemplares à geografia.
Atualmente, Dangermond tem auxiliado vários comitês de consultores e conselhos nacionais, incluindo o Comitê de Consultores de Ciência e Tecnologia da Nasa. Ele faz discursos em vários encontros e conferências de todo o mundo.
História de sucesso
A ESRI foi fundada em 1969, como uma empresa privada de consultoria especializada em projetos de análise de uso do solo. Hoje, os escritórios da ESRI do mundo todo estão apoiados no campus de Redlands, Califórnia.
Com foco em sua comunidade de usuários, a empresa evoluiu de uma pequena consultoria para a maior organização mundial de pesquisa e desenvolvimento da tecnologia GIS. A relação entre a ESRI e seus usuários é sinérgica. Ao longo dos anos desenvolveu-se uma cultura ba-seada no usuário, que enfatiza uma abordagem integrada.
Durante os anos 80, a ESRI dedicou seus recursos ao desenvolvimento de um núcleo de aplicações que pudesse ser utilizado em um ambiente computacional, visando criar um Sistema de Informações Geográficas, conhecido atualmente como tecnologia GIS.
Os anos 90 trouxeram mudanças e evolução à companhia. A presença global da ESRI cresceu com a versão do ArcView, que alcançou a marca de 10 mil cópias nos primeiros seis meses de 1992. Nesta época, a companhia também lançou o programa ArcData, projetado para promover a publicação de dados, de modo a auxiliar os usuários a construirem e desenvolverem suas próprias aplicações em GIS.
"Nossa reputação está baseada na contribuição do nosso conhecimento técnico, e na experiência de coleta, análise e comunicação da informação geográfica"
Outras marcas incluem o ArcInfo em versão Windows: a versão do ArcSDE, uma aplicação que facilita o armazenamento e gerenciamento dos dados espaciais em um sistema de gerenciamento de bancos de dados relacionais, e o ArcIMS, que disponibiliza mapas e serviços GIS na WEB.
Hoje, os produtos ESRI são estáveis e inovações na área de tecnologia computacional permitem que operações sofisticadas em GIS sejam realizadas em PDA, desktops e ambientes empresariais. Os computadores mais rápidos e baratos, o processamento em rede, a publicação de dados eletrônicos e as ferramentas fáceis de utilizar estão alimentando o crescimento rápido na área desktops. Empresas privadas adotam a tecnologia GIS como ferramenta de suporte à tomada de decisão. Com a introdução das aplicações de mapeamento na WEB qualquer pessoa com um computador tem acesso aos benefícios da tecnologia GIS.
A ESRI emprega mais de 2.900 pessoas, sendo 1.500 em escritórios de todo o mundo. Com 11 escritórios regionais nos Estados Unidos, mais de 1.700 parceiros comerciais, 90 distribuidores internacionais e mais de 300 mil usuários em 200 países, a empresa continua apta a suprir as necessidades da sua comunidade de usuários e a ditar padrões para a indústria de GIS.
O estágio atual do mercado de geoinformação corresponde à sua visão?
Eu vejo que o uso do GIS continua se expandindo, tanto em organizações que já o utilizam quanto em novos campos. O GIS continuará crescendo de acordo com o aumento da qualidade e de sua capacidade destinada aos funcionários do governo, gerentes e líderes de negócios. Os benefícios do GIS não fornecem melhorias apenas na eficiência dentro das organizações, mas também estimulam uma maior capacidade de comunicação dentro da sociedade em geral.
Nossa organização está dedicada ao avanço da tecnologia GIS e de suas aplicações. Neste papel, que nós levamos muito a sério, estamos comprometidos a auxiliar as necessidades de nossos usuários. Um dos elementos-chave desta importante relação é dar a certeza aos nossos usuários, bem como à indústria de GIS em geral, de que nossos produtos permanecem abertos e interoperáveis. Isto significa que em nosso desenvolvimento em software, nós conscientemente consideramos a necessidade de assegurar que nossos produtos se conectem e integrem bem com outras tecnologias de TI (por exemplo, bases de dados relacionais, sistemas ERP, etc) e seja interoperável com outros tipos e marcas de tecnologias GIS (por exemplo, CAD, sistemas fotogramétricos, sensores remotos, processamento de imagem, etc.).
Neste sentido, estamos comprometidos a construir produtos que incorporem padrões de interoperabilidade em nossas soluções tecnológicas. Nós acreditamos que a interoperbilidade baseada em padrões é uma das peças fundamentais para se construir uma infra-estrutura de dados espaciais regionais, nacionais e até mesmo mundiais. Esta é uma visão importante e nós continuaremos a perseguí-la, assim como fizemos no passado com a forte engenharia de nossa "família" de produtos.
Quais foram as transformações mais importantes que este mercado têm experimentado desde 1980 (anos 89, 90 e 2000)?
Eu acredito que o grande impulso para a indústria de GIS foi o desenvolvimento do ArcInfo, nosso software de GIS inicial, em 1982. Isto proporcionou uma pronta disponibilidade aos envolvidos em análises geográficas. Em 1988 implementamos nosso programa de parceiros de negócios, que expandiu muito o desenvolvimento das aplicações GIS. Com a versão do ArcView em 1992 a ESRI trouxe ao mercado seu primeiro produto desktop para GIS, que expandiu o mercado geral de GIS.
Nossa Rede Geográfica, um sistema colaborativo para publicação, compartilhamento e uso da in-formação geográfica na Internet é um elemento chave na expansão do uso da tecnologia GIS existente hoje.
"No futuro, os servidores de informação geográfica empresariais fornecerão um novo tipo de arquitetura GIS que suporte o acesso potencial de milhares de usuários"
Com nossa recente introdução da extensão ArcGIS Data Interoperability, a ESRI continua a demonstrar seu comprometimento em criar produtos abertos e interoperáveis. Esta extensão permite aos profissionais de GIS integrar facilmente dados de múltiplas fontes, organizações e formatos.
Que projeções você faz para os próximo 15 anos?
Os servidores de informação geográfica empresariais fornecerão um novo tipo de arquitetura GIS que suporte o acesso potencial de milhares de usuários, distribuídos a partir de uma localização centralizada. A abordagem baseada em padrões da indústria para gerenciamento de dados, desenvolvimento de aplicações e acesso e processamento de dados a torna ideal para fornecer serviços GIS a um grande número de usuários distribuídos.
Muitas novas organizações usuárias de GIS irão construir seus sistemas baseados nesta arquitetura, chamada de server-centric. Além disso, muitas organizações usuárias irão migrar seus sistemas para a mesma. Esta nova arquitetura não torna obsoleta as arquiteturas desktop e cliente-servidor existentes, mas as complementa, fornecendo uma excelente plataforma para disseminar a informação geográfica. Tais sistemas também irão estender o alcance do GIS para novas áreas possibilitando novas linhas de negócios.
Como uma tendência geral, eu vejo mais e mais países adotando políticas abertas para os dados espaciais. Acredito que isto é estrategicamente valioso para a sociedade porque as evidências sugerem que existe um benefício enorme a partir da disponibilidade espacial nos fluxos de trabalho e nas atividades de tomada de decisão.
Comente a participação da ESRI nos programas educacionais voltados para crianças.
Como forma de somatória ao nosso amplo suporte à educação em GIS no nível universitário, a ESRI tem feito um termo de comprometimento a longo prazo com a educação em GIS para estudantes de escolas primárias e secundárias. Temos desenvolvido materiais e pacotes educacionais especiais para escolas interessadas em adicionar o GIS aos seus currículos. Além disso, fornecemos cursos no Virtual Campus através de nosso departamento educacional e livros, tanto para professores quanto para alunos, através da ESRI Press. Nós somos ativos defensores do internacionalmente celebrado GIS Day, bem como o GIS Kids Camp em nossa Conferência Internacional de Usuários.
Que mudanças irão acontecer no ensino de geografia para as crianças que utilizam as geotecnologias?
Eu acredito que a lógica do GIS tem uma atração genuína para as crianças. O fato de que muitas informações poderem ser relacionadas a localizações específicas tem um apelo único, que é estimular tanto o ponto de vista científico quanto o ponto de vista criativo. Uma vez que uma criança entenda o alcance da informação que pode estar relacionada à localização geográfica isso ajuda a estimular o pensamento criativo e irá permitir ao estudante fazer associações entre informações de diferentes tipos.
Quais são os maiores obstáculos para o crescimento do mercado de geoinformação nos países em desenvolvimento (culturais, financeiros ou técnicos)?
Enquanto grande parte dos dados existem em lugares como Europa, América do Norte e partes da Ásia, o principal obstáculo no crescimento do mercado é acessibilidade. Onde estão os dados, quem é responsável por eles, como posso obtê-los? Estas questões estão começando a ser respondidas com a implementação dos geo-portais, que são repositórios e pontos de acesso na WEB onde os dados geográficos podem ser localizados e recuperados. Com a grande participação dos geo-portais e o aumento do uso de produtos de geo na WEB, tais como ArcIMS, eu acredito que a indústria irá continuar a manter seu excepcional crescimento.
E a América Latina?
Eu acho que a chave para expandir o uso da tecnologia GIS na América Latina é a disponibilidade e distribuição de dados atualizados e a baixo custo. Acredito que a tecnologia irá fornecer os meios para reduzir o custo da coleta dos dados. Eu acho que a relutância em compartilhar dados entre agências governamentais e o público geral, por quaisquer razões, irá continuar a manter o custo dos dados relativamente alto e causa desnecessariamente um nível inaceitável de redundância na coleta e armazenamento de dados.
Como você avalia a participação crescente de companhias como: Microsoft, SAP, Oracle e Google no mercado da geoinformação?
O reconhecimento da algumas das maiores companhias de software sobre a importância estratégica dos dados espaciais no processo de tomada de decisão é vital para a expansão da indústria. Entretanto, acredito que algumas destas decisões de incorporar as componentes espaciais em seus produtos estão mais voltadas aos seus investidores e ao potencial de aproveitamento da tecnologia do que uma genuína realização da capacidade da tecnologia e seu potencial em termos humanos.
A integração entre GIS e BI (Business Intelligence) consolida a importância da geoinformação no mercado de TI. Entretanto, na América Latina, a análise geográfica é ainda pouco conhecida por profissionais de TI. Por que isso acontece?
Eu acho que poder ser um problema de como a tecnologia foi originalmente percebida. Ou seja, a idéia de integrar a informação espacial de uma área particular com outra informação relativa àquela localização pode ser óbvia para um planejador urbano, mas não necessariamente àqueles envolvidos com telecomunicações. Há também o problema de procedimentos departamentais e os compromissos envolvidos no compartilha mento e disponilibização dos dados.
O conceito de ROI tem sido amplamente utilizado no setor de TI. Este é um novo caminho para avaliar os investimentos e resultados positivos para o setor de GIS?
O GIS ajuda os usuários a economizar dinheiro, trabalhar mais eficientemente e acelerar o processo de tomada de decisão em centenas de milhares de organizações em todo o mundo, que estão incentivando sua expansão e desenvolvimento.
A criação e gerenciamento dos dados geoespaciais é extensivo e o GIS é visto agora dentro de muitas organizações públicas e privadas como uma tecnologia estratégica para integrar os vários fluxos de trabalho. Nesta perspectiva, o gerenciamento de dados em GIS está sendo visto dentro de muitas companhias com uma responsabilidade fundamental.
Nos segmentos de negócios, onde os dados geoespaciais são freqüentemente comprados ao invés de serem criados e mantidos, as organizações às vezes hesitam com relação ao custo da informação quando estão adquirindo ou integrando um GIS. Num cenário maior entretanto estes custos, bem como os custos da tecnologia, são comparativamente baixos se analizarmos os benefícios obtidos.
A utilização de GPS em telefones móveis e PDAs vem tornando a geoinformação popular. É seguro dizer que pessoas comuns irão utilizar análise geográfica para uso doméstico?
Eu acho que a grande disponibilidade, a baixo custo para o consumidor, de dispositivos de comunicação móveis com capacidade de visualização geográfica está certamente tornando-a mais popular. Como o público em geral percebe estas unidades como um dispositivo essencial fora de casa, as aplicações espaciais se tornarão disponíveis para os mesmos, de modo a melhorar a comunicação e a capacidade variada de entretenimento.
Qual é sua opinião sobre o Projeto Galileo? Ele irá revolucionar o mercado de geoinformação?
O tamanho da rede de satélites do Projeto Galileo irá auxiliar uma navegação e posicionamento altamente acuradas. A altamente acuradas. A acuracidade posicional é certamente um fator chave na expansão do mercado de geoinformação. Eu acho que é mais importante desenvolver softwares capazes de fazer uso deste aumento de acuracidade, que irão levar ao aumento do desenvolvimento das aplicações e à criação de um universo completamente instrumentado, que nos dará um senso genuíno do pulsar planetário.
"A chave para expandir o uso da tecnologia GIS na América Latina é a disponibilidade e distribuição de dados atualizados e a baixo custo"
Qual é a sua mensagem para a comunidade de geoinformação da América Latina?
Genericamente falando, os muitos usuários de GIS ao redor do mundo são similares, de modo que podemos promover a cooperação entre usuários e agências. Isto é particularmente aparente em nossa conferência anual internacional de usuários, que atrai mais de 12 mil usuários e apresenta mais de mil sessões técnicas e workshops.
O GIS é um mercado ainda em crescimento e eu acredito que a tecnologia irá continuar sua forte ampliação na América Latina, particularmente com a oportunidade para continuar a compartilhar dados para expandir a região.
Esta é minha filosofia e experiência: sociedades que são mais abertas com relação a compartilhar dados tendem a ser mais sucedidas. Eu acredito que isto é particularmente genuíno com relação aos dados GIS.
Entrevista concedida com exclusividade à Revista InfoGEO e traduzida por:
Luciene Stamato Delazari
Doutora em Engenharia pela USP e Professora do Departamento de Geomática da Universidade Federal do Paraná