Se você é do tempo em que o único software livre conhecido para geotecnologias era o GRASS – que aliás, vai muito bem, obrigado – e o MapObjects era sua única opção para desenvolvimento de aplicações GIS desktop, então por favor esqueça o que tem ouvido de ruim a respeito de software livre e abra a cabeça para um novo leque de oportunidades atualmente no ar.

Não entrarei no mérito de tentar definir neste texto o que é software livre, por ser um conceito muito amplo, pouco assimilado no Brasil e difícil de clarificar em poucas palavras. O fato é que o software livre, acima de tudo, é um movimento social resultante das ações de pessoas à procura de soluções novas para velhos problemas, que chegou para ficar, e nem mesmo monopolismos de software poderão reverter seus impactos na sociedade e no mercado.

Ao contrário do que acontece com os fabricantes de programas pagos, onde cada qual tenta impor seus formatos de dados, métodos e softwares, nas comunidades de usuários e desenvolvedores de softwares livres para geoprocessamento há conceitos e estratégias diferentes que vêm contribuindo para a constante evolução deste tipo de software:

• Alicerces: embora sejam os projetos voltados ao usuário final que ganham mais visibilidade, as tecnologias de base são essenciais para o desenvolvimento pleno de outros projetos. Por exemplo, bibliotecas de funções como ShapeLib (para manipulação de shapefiles) e PROJ (conversão de coordenadas) já existem há alguns anos e passaram um bom tempo aparecendo pouco por serem acessíveis somente a desenvolvedores. Contudo, softwares completos como o MapServer ou Quantum GIS dificilmente teriam alcançado o grau de maturidade que possuem hoje se não tivessem utilizado as funcionalidades já desenvolvidas em bibliotecas como estas;

• Simbiose: já que os projetos se relacionam, seja através da utilização de componentes e tecnologias entre si, ou mesmo tendo membros comuns em suas equipes de projeto ou usuários, a sua natureza de existência é cooperativa e não de concorrência pura, como ocorre em softwares pagos;

• Interoperabilidade: enquanto os softwares pagos sempre duelaram cada um à sua maneira, tentando impor seu formato de dados aqui e alí, os “free gis” como o MapServer ou o PostGIS, desde os seus primórdios implementaram especificações do consórcio OGC1, permitindo, portanto, maior grau de integração com outras plataformas e bases de dados;

• Oportunidades: se antes os únicos tipos de fornecedores de serviços eram empresas muito grandes ou a porção que não se incomoda em utilizar software pirata, hoje tem-se a opção de contratar serviços de empresas de pequeno porte ou profissionais autônomos que não possuem, portanto, amortização de custos de licenças embutidos nos preços de seus serviços. Em tempos em que a palavra “emprego” é cada vez menos usada (ou pelo menos enquanto o peso tributário for o que é hoje), o software livre é a solução para profissionais que podem adquirir suas ferramentas de trabalho sem custo algum.

Embora muitas suítes proprietárias de softwares como o ArcGIS ou o ENVI ofereçam ao usuário uma gama enorme de funcionalidades, é preciso se perguntar até que ponto é viável a aquisição de suas licenças. Para usuários sem limitações de orçamento é excelente poder comprar o software que for necessário ou mesmo pagar por treinamentos e consultorias que auxiliem na curva de aprendizado.

Já para os usuários com limitações financeiras ou aqueles que não se sentem confortáveis para usar e abusar de software pirata, o software livre é a solução rápida e prática para início dos trabalhos.

Afinal, de que adianta possuir orçamento de sobra se o projeto empacar infindáveis meses em processos burocráticos de compra de software ou em negociações eternas chafurdando em jogos de interesse ou novelas políticas, sendo que o mesmo poderia estar andando de vento em popa através de software livre com a praticidade de “fazer download, instalar e usar”?

Sob outro ponto de vista: para que insistir em comprar um pacote com inúmeros recursos quando, no final, o que se deseja é apenas um percentual pequeno de funcionalidades?

A verdade é que já existem alternativas livres para problemas que antes só podiam ser resolvidos através de investimento em software ou aceitar ser conivente com a pirataria. E a tendência é que os softwares livres se tornem melhores a cada dia. A propósito, o autor escreveu este texto usando o Open Office e afirma que não teve seqüelas. 

A lista a seguir apresenta uma lista de alternativas free/opensource para tarefas de geoprocessamento (em ordem alfabética):

CartoWeb
Solução completa de webmapping baseada em MapServer e webservices SOAP. Implementa ferramentas de busca, navegação, medida de área/comprimento, cálculo de rotas (via pg_dijkstra), entre outros

Chameleon
Toolkit para o desenvolvimento de aplicações MapServer. Seu funcionamento básico envolve MapFiles, arquivo template e widgets (componentes) que são configurados via tags XML nos templates

GDAL
A Geographic Data Abstraction Library é uma biblioteca para manipulação de dados matriciais (atualmente suporta mais de 50 formatos). É utilizada em softwares como MapServer, FME, CadCorp, GRASS, OSSIM, OpenEV, Quantum GIS, ScanMagic e outros. Seu pacote de instalação inclui utilitários para operações simples com dados matriciais como conversão de formatos, mudança de sistema de coordenadas, geração de curvas de nível a partir de MDT, entre outros

geoR
Pacote de geoestatística para uso através da suíte estatística R

GEOS
O Geometry Engine OpenSource é uma biblioteca C++ derivada da JTS. É usada em softwares como MapServer e PostGIS para prover funcionalidades de análise e validação topológica

GeoServer
Implementa o servidor Web Feature Server (WFS) do OGC. O GeoServer pode servir features a partir de ShapeFiles, PostGIS, Oracle Spatial, ArcSDE e DB2

GMT
O projeto Generic Mapping Tools é composto por pequenos programas de linha de comando para manipulação e saída (geração de arquivos imagens ou PostScript) de dados geográficos. Muito útil quando se deseja montar rotinas (scripts) de processamento de dados

GPSBabel
Conversor de dados de dispositivos GPS. Com o GPSBabel é possível converter trackpoints e waypoints para diversos formatos de GPS

GRASS
O Geographic Resources Analysis Support System tem uma história de mais de 20 anos. O que começou como um projeto para processamento digital de imagens, hoje extende suas possibilidades também para dados vetoriais, acesso a banco de dados, 3D e modelagem espacial. Através de bibliotecas como GDAL e OGR, o GRASS permite importar/exportar dados de/para os mais diversos formatos matriciais e vetoriais. Pode ser utilizado através de scripts, interface texto, interface gráfica ou mesmo através de interfaces alternativas como o Quantum GIS ou JGRASS. Opera em plataformas Windows, Unix ou mesmo em dispositivos PDA

Gstat
Software para modelagem e simulação de dados geoestatísticos em uma, duas ou três dimensões. Os dados podem ser lidos de arquivos ASCII, arquivos grid ou arquivos .vec do Idrisi

JTS
A Java Topology Suite implementa funções geométricas como união, intersecção, buffer, centróide, além de outras que seu próprio nome já sugere. Inspirou a criação de projetos como o JUMP, GEOS e NTS

JUMP
O Java Unified Mapping Platform é um desktop GIS com funções para visualização de mapas, edição de atributos e geometrias, validação de geometrias e cálculo de áreas/perímetros. Trabalha com dados vetoriais em formato ShapeFile, GML, PostGIS, entre outros. Além disso, na página do projeto ou dos seus projetos paralelos (como o OpenJUMP) é possível encontrar inúmeros plugins, tais como ferramentas de interpolação e triangulação de Delaunay

ka-Map
O ka-Map é um toolkit para MapServer com o objetivo principal de possibilitar a criação de aplicações com interface AJAX, tecnologia que mescla XML e JavaScript para permitir o desenvolvimento de sites que não precisam recarregar toda uma página web quando o usuário efetua uma operação

MapGuide Open Source
Logo após a criação da OpenSource Geospatial Foundation (OSGEO) em 2005, fundação patrocinada por ícones como AutoDesk e DM Solutions (canadense produtora do ka-map, Chameleon e de praticamente mais de 50% do desenvolvimento do MapServer), foi anunciado o lançamento do MapGuide OpenSource. O MapGuide OS inclui interface AJAX e permite customização usando C#, Java ou PHP

MapServer
Criado na Universidade de Minnesotta (EUA) em 1996 como parte de um projeto de pesquisa financiado pela NASA, o MapServer é a grande estrela free GIS que impulsionou outros projetos de software livre de pouca visibilidade. Como suas aplicações (webmapping) resultantes são mais fáceis de operar do que ferramentas de processamento de dados, outros projetos que integram sua base de código (como GDAL, OGR, PROJ, PostGIS, etc.) passaram a ter maior reconhecimento conforme o número de adeptos ao MapServer crescia – a prova disto: o Encontro de Usuários MapServer, que começou em 2003, já está atualmente em sua quarta edição e o nome (e foco) da conferência foi alterado para Free and OpenSource Software for Geomatics (FOSS4G). O MapServer tem suporte a praticamente todos os formatos de dados mais populares do mercado, além de acessar bancos de dados espaciais (ArcSDE, Oracle Spatial, PostGIS, MySQL e conexões ODBC de pontos) e permite customizações em linguagens como C#, PHP, Java, Python, Ruby e Perl. O seu ótimo desempenho perante concorrentes do mercado também é outra característica marcante. Além disso implementa várias especificações OGC tais como WMS, WFS, WCS, WMC e SLD

MonoGIS
O monoGIS é um projeto recente mas já distribui um conjunto de objetos que permitem o desenvolvimento de aplicativos GIS para desktop ou para web, com a vantagem da aplicação resultante ser compilada para o framework Mono – alternativa OpenSource ao .NET da Microsoft – possibilitando ao usuário executar a aplicação no Windows ou Linux. O kit monoGIS incorpora outros projetos free GIS maduros como a ShapeLib, GDAL, OGR e NTS. Juntamente com o projeto SharpMap, o monoGIS é uma alternativa livre ao MapObjects e ArcObjects

MsSqlSpatial
Lançada recentemente, a extensão MsSqlSpatial adiciona funcionalidades de banco de dados espacial (em conformidade com a especificação SFSQL do OGC) ao Microsoft SQL Server 2005/Express

MySQL  spatial
A partir da versão 4.1, o popular servidor MySQL passou a incorporar recursos de banco de dados espacial (SFSQL do OGC). Apesar da pouca documentação disponível, com pouco esforço é possível montar um banco de dados geográfico com o MySQL e acessá-lo, por exemplo, através de aplicações MapServer

NTS
A .NET Topology Suite é um port em C# da biblioteca JTS. É utilizada em projetos como o MonoGIS e SharpMap

OGR
A OGR Simple Features Library, projeto anexo da biblioteca GDAL, permite a leitura (e escrita em alguns formatos) de dados vetoriais. Atualmente suporta mais de 20 formatos incluindo ShapeFiles, PostGIS, ArcSDE, Oracle Spatial, MySQL spatial e MapInfo. É usada em projetos como o MapServer e GRASS. O pacote também inclui um utilitário (ogr2ogr) para conversão de dados

OpenEV
O OpenEV é um desktop GIS recomendado para visualização e análise de dados matriciais. Possui recursos como histograma, equalização, leitura de layers WMS e visualização 3D através da biblioteca OpenGL. Através do instalador FWTools, além do OpenEV, de quebra o usuário terá acesso a utilitários da GDAL, OGR, MapServer e PROJ

OSSIM
O Open Source Image Map é uma biblioteca de alta performance para o desenvolvimento de aplicações de sensoriamento remoto, fotogrametria e processamento de imagens. Seu pacote de instalação inclui o ImageLinker – software criado para demonstrar o potencial da biblioteca – que impressiona não só pelo desempenho das operações de processamento, mas também pela quantidade de recursos inclusos. Possui interface visual para a criação de seqüências de operações que depois podem ser salvas como um modelo e aplicadas para qualquer imagem. Para cada etapa configurada, o ImageLinker mostra uma preview da imagem resultante após filtro executado. Seus recursos também incluem o suporte a imagens de tamanho ilimitado, processamento paralelo (clustering), processamento espacial/espectral otimizado (incluindo suporte a sistemas hyper-espectrais), orto-retificação e correção geométrica da imagem. Além do ImageLinker, acompanham o pacote utilitários para visualização/exportação de imagens, diversos utilitários de linha de comando e o osgPlanetViewer – uma espécie de Google Earth – para visualizar suas bases de dados sobre o globo

PostGIS
O PostGIS é uma extensão que habilita o uso de tipos e funções de uma banco de dados espacial no PostgreSQL. Sua implementação é 100% compatível com as especificações do OGC e os dados vetoriais armazenados em um banco de dados PostGIS podem ser acessados através de clientes como MapServer, JUMP, SharpMap, GRASS, Quantum GIS, ArcView 8/9 (usando a extensão zigGIS), CadCorp e FME. Usando o PostGIS em conjunto com o MapServer é possível criar aplicações web com recursos de análise e validação topológica

PROJ
Biblioteca de projeção cartográfica utilizada em projetos como MapServer, PostGIS, GDAL/OGR e GRASS para prover funções de transformação de coordenadas. O pacote também é acompanhado de extensa documentação e utilitários de linha de comando

Quantum GIS
O Quantum GIS é um desktop GIS fácil de usar como o JUMP e dentre seus recursos merecem destaque os plug-ins para importação de dados de GPS, georreferenciamento de imagens, interface para o GRASS e importador de dados para o PostGIS. O QGIS também pode gerar arquivos MapFile (para configuração de aplicativos MapServer). Utiliza outros componentes free gis como GDAL, OGR e PROJ

ShapeLib
A biblioteca ShapeLib disponibiliza funções para leitura e escrita de arquivos vetoriais em formato ShapeFile. Sua instalação acompanha diversos utilitários interessantes para manipular ShapeFiles

SharpMap
Conjunto de objetos para desenvolvimento de aplicativos GIS usando C#, VB.net ou J#. Acessa dados em formato ShapeFile, PostGIS, MS-SQL, Oracle e fontes WMS. Possui ainda extensões adicionais que habilitam recursos de bibliotecas como GDAL, OGR, NTS e renderização de gráficos sobre features

TerraLib
Desenvolvida pela DPI/INPE, a TerraLib é uma biblioteca opensource de classes e funções para sistemas de informação geográfica. Seu modelo de dados permite o desenvolvimento de aplicações GIS usando conceitos como modelagem espaço-temporal, ontologias e técnicas avançadas de análise espacial. Pode ser utilizada com banco de dados MySQL, PostgreSQL, Oracle Spatial e Access

TerraView
O TerraView é um desktop GIS que foi desenvolvido com o intuito de exemplificar o uso da biblioteca TerraLib. Apresenta recursos para visualização e análise de dados geográficos

uDig
O User friendly Internet GIS é um desktop GIS no qual é possível abrir arquivos ShapeFiles, geodatabases (ArcSDE, PostGIS, Oracle Spatial) e fontes remotas WMS e WFS. De instalação simples, o uDig é uma solução rápida para quem deseja navegar por catálogos de bases remotas(WMS e WFS)

zigGIS
Extensão ArcGIS para conexão com bancos de dados PostGIS, desenvolvida em C#

Eduardo Patto Kanegae
Usuário de free GIS desde 2001
Consultor autônomo em projetos de webmapping, geoprocessamento e desenvolvimento
www.webmapit.com.br/oguia