Um casamento promissor

Você sabia que, no Brasil, 40% da economia é informal, 93% dos empreendedores têm negócios rentáveis e 84% dos micro-empreendedores não têm acesso a crédito? Esses números, publicados recentemente pela Impulso Microcrédito, impressionam e concluem que apenas 4% da demanda por microcrédito é atendida. Estimam-se cerca de 7 milhões de potenciais clientes, o que representa 12 bilhões de reais. No Brasil e em todo o mundo, a demanda por microcrédito parece interminável.

Estamos falando do grande mercado informal, localizado principalmente na periferia dos grandes centros urbanos, composto de pessoas que, por razões de sua fragilidade socioeconômica, têm dificuldades em acessar as linhas de financiamento geralmente existentes, ou estão totalmente excluídas do crédito tradicional – pequenos lojistas, salões de beleza, armarinhos ou mercadinhos, ambulantes, produção e comércio de salgadinhos ou pequenos restaurantes. Esse público normalmente solicita empréstimos médios que variam de 200 a 1,2 mil reais mensais.

No entanto, o microcrédito não decolou no Brasil. Atribui-se esse insucesso de ganho de escala a dois fatores fundamentais: a assimetria de informação e os altos custos de transação. Em outras palavras, custa muito para se obter informação sobre os clientes, o que acaba por quase inviabilizar o empréstimo solicitado.

Mas está na hora de virarmos o jogo. E a geoinformação e a geoanálise podem auxiliar, e muito, neste processo. E o consumo de energia elétrica também!

Tive acesso, certa vez, ao artigo “Give Credit Where Credit Is Due”, do Dr. Michael Turner e outros autores, de 2006, que descreve estudo realizado nos EUA com mais de 8 milhões de solicitantes de crédito, indicando que dados “alternativos”, ou não tradicionais, como energia elétrica, aluguel, gás, seguros, podem ser utilizados no processo de concessão de crédito, melhorando os modelos de credit scoring e diminuindo a assimetria de informação.

Já tratamos de benefícios sociais que a geoinformação proporciona em outros artigos na InfoGEO
(“Geotecnologias e a Base da Pirâmide”, da edição 47), e também do potencial que indicadores econômicos trazem para o mercado, com a evolução natural para o Precision Marketing (vejam artigos sobre isso nas edições 25, 43, 46, 56 e 57). Nestas oportunidades, discutimos o quanto o consumo de energia e o GIS, através de seus modelos de estatística espacial, podem gerar excelentes indicadores de renda.

Com base nisto, surgiu o projeto “Indicadores de crédito baseados no consumo de energia elétrica”, em desenvolvimento na AES Eletropaulo. O projeto tem como proposições transformar as informações de energia elétrica (consumo, histórico de pagamento, fraudes) em indicadores de potencial de microcrédito. Isso permite diminuir o gap na assimetria de informações para a concessão do crédito. O maior benefício será para clientes de mais baixa renda, com pouco histórico de crédito oficial, não bancarizados, e para alguns segmentos demográficos específicos como, por exemplo, mulheres, idosos e jovens com arquivos históricos mínimos.

Duas perspectivas serão criadas: o score regional (por setores censitários, ou no entorno do estabelecimento comercial do cliente) e o score individual, caso autorizado pelo solicitante de crédito. Outro uso potencial dos dados será a avaliação do efeito dos programas de microcrédito na renda dos solicitantes e/ou na renda agregada por áreas censitárias. Desta forma, podem ser criados mecanismos para concessão de crédito aos grupos solidários (vizinhança).

Para o setor elétrico, trata-se de um projeto extremamente inovador. Sem dúvida, enxergar com outros olhos os benefícios da geotecnologia traz consequências estimulantes para a sociedade. Quem se interessou pelo assunto, entre em contato para continuarmos a conversa.

Eduardo de Rezende Francisco
Doutor em administração de empresas pela FGV-Eaesp, bacharel em ciência da computação pelo IME-USP, atua em GIS, business intelligence, pesquisas de mercado e estratégias de marketing na AES Eletropaulo. Consultor em geomarketing, estatística espacial e microcrédito
eduardo.francisco@aes.com