Transformação Digital e Geoprocessamento: Um caso de sinergia natural? Terceira e Última Parte do Artigo

Por Jorge Castro*

Nas duas primeiras publicações foram abordadas potenciais experiências em que o geoprocessamento poderia contribuir para as jornadas digitais, particularmente pela visão do “motor” digital de geoprocessamento e as formas de trabalhar e colaborar.

Em continuidade ao assunto, a última parte do artigo propõe-se a tangenciar quais as possíveis contribuições à cultura organizacional.

Leia a primeira parte do artigo

Leia a segunda parte do artigo

A cultura organizacional repensada

Ser pioneiro, ter uma visão pioneira é um grande fator competitivo no mundo corporativo; entretanto, a experiência de ser inovador na forma de enxergar outros caminhos, soluções, respostas, ainda não se materializou em todas as oportunidades de atuação de geoprocessamento no âmbito empresarial.

Pensar diferente induz entre outras coisas a: mudanças em processos, estruturas formais e zonas de conforto.

Na medida que o lúdico não faz parte de um modelo mental de decisão, acaba por gerar pontos de conflito, e não se pode ser ingénuo em acreditar que isso não impacta pessoas e interesses.

O geoprocessamento possui uma característica singular que é a capacidade de registrar os acontecimentos, de qualquer natureza, no espaço e no tempo.

A Geografia intitula isso de fenômeno geográfico, onde podem ser citadas três características fundamentais:
• Possuem dimensões ou classes que podem descrevê-los;
• Podem ser localizados no espaço; e,
• Podem ter sua ocorrência determinada no tempo.

A capacidade de identificar e classificar os fenômenos registráveis em conjunto com a investigação de possíveis associações entre variáveis explicativas ao problema, em busca de relações causais, constitui passo fundamental no procedimento científico; ou seja, todo fenômeno apresenta relacionamentos, não sendo registrável qualquer fenômeno totalmente isolado.

Nessa direção, o renomado Prof. Jorge Xavier destaca que sempre é possível explicar um fenômeno a partir de suas relações, ou de uma forma mais sistêmica esta afirmação introduz o conceito de causa e efeito; ou seja, a ocorrência de um fenômeno registra no ambiente um efeito em função de sua ocorrência, apontando uma série de relações implícitas entre estes componentes e as partes componentes de um sistema ambiental, como por exemplo: identificação, representações e análise de fluxos (processos), relação de posição e proximidades, definição de nível morfológico, entre outros.

Entretanto, esse modelo mental de entendimento das relações entre variáveis é comum a quem foi formado dentro deste viés cultural de geoprocessamento empregando suporte tecnológico para esse fim. Mas se o tema geoprocessamento de forma geral emprega experimentação, possui “motor” digital, tem infraestrutura BIG, é colaborativo, os profissionais estão imersos em TI desde a formação; enfim, é um assunto digital por natureza, então o porquê do pouco aproveitamento de suas potencialidades?

A tentação de buscar resposta para esta questão, bem como de falar acerca dos riscos que empresarialmente se incorre pelo baixo emprego de geotecnologias é grande; mas como o artigo trata de transformação digital e o tópico é sobre a cultura organizacional repensada, a proposta será outra: na esteira da transformação digital, qual a mudança cultural que os profissionais de geoprocessamento precisam ter para capturar as reais oportunidades oriundas de suas potencialidades?

Uma análise, ou mesmo mea culpa, serviria em muito para explicar os motivos que cercam tal realidade; mas por hora serão abordados dois pontos relacionados a questão comportamental que contribuem ao seu isolacionismo empresarial: a elevada especificidade e a proximidade com a TI.

Quem ao ler essas malfadadas linhas não lembrará da famosa máxima: mundo GIS e mundo não GIS. É comum a visão de que os profissionais de geoprocessamento fazem parte de uma equipe que trata de um assunto específico: GIS. Essa observação remete a duas certezas:

• A visão de que a informação espacial é uma informação de outro “mundo”; e,
• A confusão entre GIS, sistema de informações e geoprocessamento, conjunto de técnicas e tecnologias relacionadas com o emprego da informação espacial.

Na questão da visão, talvez por ser intitulada espacial profissionais de outras especialidades pensem que é algo “extraterrestre”. Uma vez escutei que eu estava lançando os meus tentáculos geoespaciais sobre o restante da Gerência onde trabalhava. Me senti um polvo. Mas, retirada as galhofas, é uma realidade quando constatamos, por exemplo, que em sua grande maioria as empresas não trata o assunto do dado espacial como item do portfólio das áreas de Gestão da Informação: “Ah, bom, esse dado é espacial, então é especial, é diferente, então tem de ser tratado de forma diferente”.

E aí vem a primeira reflexão: essa visão fica potencializada quando os profissionais, no afã de querer contribuir e demonstrar tecnicamente seus conhecimentos, aprofundam-se em demasia nas explicações de tecnologias envolvidas com o geoprocessamento.

Esse ponto, que é comportamental, pouco contribui para criar laços. Na verdade, servem para acentuar as diferenças. Coloque-se no lugar de um cliente precisando de uma solução de negócio e a resposta as suas ansiedades passa por: elencar uma constelação de satélites, que propiciarão imagens ortoretificadas, com 9 CCD’s, que depois de gerado o DTM e a extração automática de vetores passarão por uma reambulação antes de serem incluídas em um SGBDE (Servidor gerenciador de bases de dados espacial).

Pronto, isso é tudo o que um cético precisava para colocar o geoprocessamento no seu devido “cantinho tecnológico” e, longe do que realmente importa: o resultado para o negócio.

Outro ponto comportamental é como o profissional trata a relação negócio e tecnologia. É preciso entender que colaborar, compartilhar, é mais importante do que a aplicação da mais pura técnica, da busca pela melhor solução tecnológica. O profissional de geoprocessamento deve incorporar aos estudos a sua contribuição técnica como forma de agregar valor a necessidade do cliente e, não como valor associado a atuação do geoprocessamento.

Esse é um daqueles pontos que são tão elementares que não valeriam a menção no texto, mas existem muitas inciativas de geoprocessamento que não evoluem pela predileção ao quesito técnico do que a usabilidade. Em alguns casos, como por exemplo, o da qualidade do dado, quantas vezes já estivemos no dilema do dado perfeito. Para este caso cabe sempre a constatação de que não existe o dado perfeito, existe o máximo de qualidade e assertividade que se consegue responder com o dado na qualidade disponível.

O segundo ponto nessa questão cultural é a confusão entre GIS e geoprocessamento.

Existem interpretações clássicas sobre a questão do GIS estar ou não dentro de uma área de TI. Por ser uma tecnologia de informações, que deveria ser tratada como um sistema legado, faz todo sentido estar dentro da área de TI, principalmente quando integrar e disponibilizar infraestruturas tecnológicas, ao menor custo total e, com a maior performance e segurança possíveis, são atribuições inerentes a função TI.

Entretanto, existe um abismo abissal entre concentrar a infraestrutura tecnológica na TI e, a reboque incorporar na mesma a cartografia digital e temática, o desenvolvimento dos sistemas, os contratos de serviços, entre outros. Na figura a seguir, apresenta-se um resumo do amplo espectro de técnicas, soluções e procedimentos que compõe o geoprocessamento e, que o afastam de umassunto nativo de TI.

Resumo de técnicas, soluções e procedimentos que compõe o geoprocessamento

Por exemplo, a cartografia digital e a temática existem para agregar visões de negócio, devem traduzir as necessidades de decisão das áreas de negócio e, como tal, devem ter caráter diligente. Não diferente deve ser a prestação de serviços, principalmente quando tem a missão de ser rápida para levantar e produzir dados.

Na mesma linha deveria seguir o desenvolvimento dos sistemas para que a crescente aplicação dos mesmos aumentasse o benefício do investimento realizado na infraestrutura tecnológica.

Cabe ressaltar que os principais desenvolvedores de tecnologia GIS perceberam essa questão no início do século e investiram massivamente na disponibilização de infraestruturas baseadas em serviços e ambientes de colaboração com o intuito de popularizar a aplicação das tecnologias GIS nas áreas de negócio.

Entretanto, o que vemos hoje? Aplicações de Bussiness Inteligence, como Power BI, SAP BO Dashboard, Spotfire, Tableau incorporando frames espaciais como estratégia de aumento de valor de suas ferramentas para o cliente final, enquanto as tecnologias tradicionais de GIS estão sendo engolidas pela morosidade dos processos de desenvolvimento de soluções de TI.

Tal situação chega a ser incongruente com os avanços das plataformas GIS na última década, na medida que ambientes em colaboração, como premissa de transformação digital, deveriam ser alavancadoras de negócio; mas não o são. Em muito, isso acontece pela rotineira visão de que o GIS é uma ferramenta de TI e como tal deve seguir seus preceitos de controle, disponibilidade e padronização.

De certo o emprego de regramentos de gestão de dados, formato de desenvolvimento, documentação são importantes no sentido de garantir a perenidade das soluções, mas isso não pode subtrair o valor de uma atuação diligente enquanto iniciativa para gerar valor a corporação.

Como última percepção, cabe pensar que na era da tecnologia digital deve-se esperar um geoprocessamento mais ágil e comprometido com a mudança cultural das companhias. Nesse sentido, talvez seja necessário criar um arcabouço de gestão de dados e desenvolvimento de soluções de TI que permita uma maior agilidade e integração entre dados espaciais e não espaciais.

Pode-se inclusive, considerando a supracitada colocação de que o geoprocessamento é digital por natureza, pensar em um modelo de atuação diferenciado no âmbito empresarial, alguma atuação do tipo GEO 2.0 ou Start GEO, onde todas as expertises relacionadas ao conteúdo (produção, qualidade, manutenção e uso) estejam sobre responsabilidade das áreas de negócio, congraçando a participação de seus stakeholders, e com foco total na geração de valor.

Jorge Castro* – DSc. em Eng. Elétrica pelo COPPE/UFRJ, MSc. Eng. de Computação pela UERJ e com MBA em Gestão Empresarial UFRJ é Consultor de Negócios na Diretoria de Refino e Gás Natural da Petrobras SA, com atuação focada em: Transformação Digital, Gestão de informações e Geoprocessamento.

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