O uso do GPS tem implícitas restrições de diversas naturezas. As mais notórias são aquelas relacionadas à Disponibilidade Seletiva e ao Anti-Spoofing. A Disponibilidade Seletiva implica uma perda na acurácia final obtida por usuários civis usando o posicionamento absoluto. O Anti-Spoofing corresponde a um encriptamento do código P, acarretando, em termos práticos, em uma impossibilidade de acesso aos dois códigos transmitidos pelo sinal. Estas duas restrições, que afetam a maioria da comunidade usuária do GPS, são impostas pelo próprio Departamento de Defesa dos EUA, os verdadeiros donos do Sistema de Posicionamento Global.
Uma outra restrição potencial que paira sobre o GPS diz respeito à possibilidade de que serviços móveis de telecomunicação via satélite venham a compartilhar parte do espectro utilizado pelo GPS. Este fato pode representar uma ameaça ao GPS, com potencial risco de interferências, levando receptores a funcionarem abaixo do nível de precisão necessário para a maioria das aplicações.
Tudo começou com a proposta da Inmarsat, um consórcio internacional de telecomunicações, com sede em Londres, feita à União Internacional de Telecomunicações (UIT), para que serviços móveis de telecomunicações via satélite compartilhem os primeiros 8 Mhz da banda de 1559-1610 Mhz destinada a navegação por satélite. A UIT é uma organização internacional que regula a cooperação entre países em todos os aspectos relativos às telecomunicações, incluindo a padronização e práticas operacionais e regulação de uso de rádio-freqüências. A UIT busca alcançar consenso internacional na alocação da rádio-freqüência para os vários usuários do espectro de ondas-rádio, de modo a prevenir interferências desnecessárias entre eles. O espectro é dividido em bandas de freqüência, sendo que a cada serviço de rádio é destinada uma banda diferente. A UIT clasifica os sinais de navegação transmitidos pelo GPS e pelo GLONASS como parte do serviço de rádio-navegação por satélite (SRS). Outros serviços são classificados como, por exemplo, rádio-navegação (para sistemas de rádio-navegação terrestres), móveis aeronáuticos (para sistemas de comunicação entre estações localizadas em terra e aeronaves, ou somente entre aeronaves), e simplesmente transmissão (cobrindo transmissões destinadas ao público em geral). A definição de um serviço de rádio-navegação por satélite é feita como sendo uma que usa sinais de rádio transmitidos a partir de satélites para a determinação da posição, velocidade, ou outra grandeza de um objeto com propósitos de navegação.
Existem 12 bandas para alocação de SRS. O GPS usa 3 delas: 1215-1240 Mhz (na qual se situa a portadora L2), 1240-1260 Mhz e 1559-1610 (na qual a portadora L1 se situa). O SRS nestas bandas é considerado como usuário primário, isto é, não pode causar nem sofrer interferências por outros serviços, e tem prioridade pelo fato de conter serviços de segurança (por exemplo, rádio-navegação de aeronaves) para vidas humanas. Estas são razões que permitem a proteção contra outros usos destas freqüências, tais como os pretendidos pelos chamados serviços fixos (para transmissão de voz, dados e de outros sinais entre pontos fixos) por alguns países.
A proposta da Inmarsat, que contou com apoio da Autoridade Européia de Serviços Postais e de Telecomunicação (CEPT), foi apresentada na última Conferência Mundial de Rádio-Comunicação (WRC), no segundo semestre de 1997. Esta proposta encontrou vozes e até do Brasil, enquanto o Canadá se absteve. Apenas os Estados Unidos se colocaram frontalmente contra a proposta, sob a alegação de que haveria uma sobreposição com a banda de freqüência usada pelo GPS. Como conseqüência, os atuais receptores GPS operariam abaixo das especificações.
A posição dos Estados Unidos, que claramente defende os interesses dos usuários do GPS, defende também os interesses de toda a indústria e serviços que circulam em torno do GPS. Os Estados Unidos conseguiram adiar a decisão final sobre a reivindicação do Inmarsat para o próximo WRC, a se realizar em outubro de 1999, sob a alegação de que não havia seguido os trâmites regulares, bem como de que não existem estudos conclusivos sobre sua pertinência nem sobre conseqüências nos serviços de rádio-navegação que ficariam sobrepostos com os serviços móveis de telecomunicação via satélite. Desde o WRC de 1997, foi estabelecido um grupo de estudo, conhecido pela sigla WP 8D, que vem conduzindo debates sobre o assunto, preparatórios ao WRC da 1999.
A posição dos Estados Unidos não deixa de ser curiosa, se for considerado que a maioria das companhias que provêm serviços móveis de telecomunicação via satélite são americanas, com grande poder político. Estas companhias, agrupadas na American Mobile Satellite Corporation (AMSC) já pressionaram, anteriormente, por ampliações do espectro destinado a estes serviços. Contudo, a posição oficial do governo dos Estados Unidos tem sido pela defesas do espectro usado pelo GPS.
Outra ameaça potencial ao espectro usado pelo GPS vem de dentro do Congresso Americano, através de propostas de separar 25% das freqüências usadas pelo governo federal dos EUA, e leiloá-las para uso do setor privado. O interesse por tais leilões é claramente a arrecadação de recursos, pois leilões anteriores arrecadaram dezenas de bilhões de dólares. A necessidade de tal tipo de leilão é duvidosa, pois o avanço tecnológico tende a permitir um uso mais eficiente do espectro, liberando bandas de freqüência antes em uso. Contudo, o Congresso Americano fica à mercê dos lobistas das empresas privadas, as maiores interessadas na ampliação do espectro destinado a elas, enquanto que os órgãos do governo federal não podem agir do mesmo modo devido a impedimentos legais. Assim sendo, esta discussão torna-se tendenciosa.
Estas duas ameaças às faixas do espectro utilizadas pelo GPS põem em risco a política oficial do governo dos Estados Unidos de estabelecer o GPS como o padrão mundial para a rádio-navegação por satélite. Neste caso, isto reforçaria a posição comercial e militar dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que estimularia o desenvolvimento de sistemas competidores ao GPS. O melhor que o governo dos Estados Unidos pode oferecer, por enquanto, é que o GPS continuará sendo oferecido continuamente e isento de qualquer tipo de taxa ou aluguel.
Marcelo Carvalho dos Santos é doutor em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick (Canadá), professor adjunto do Departamento de Geociências e vice-coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Geodésicas, da UFPR. email: mcsantos@geoc.ufpr.br