por Clodoveu Davis

Na edição passada foram apresentados os principais conceitos sobre modelagem de dados geográficos, destacando a importância no desenvolvimento de aplicações de geoprocessamento. Também foram apresentados alguns dos recursos de representação de informações geográficas do modelo Geo-OMT, incluindo classificação de fenômenos em geo-campos e geo-objetos, e formas básicas de relacionamento entre eles. Nesta continuação, vamos apresentar outras maneiras de representar relacionamentos entre dados espaciais, que permitirão construir modelos de aplicações reais.

O modelo Geo-OMT, como outros modelos orientados a objetos, introduz uma primitiva de generalização, que permite representar classes mais genéricas (superclasses), a partir de classes com características semelhantes (subclasses). O processo inverso é a especialização: classes mais específicas são detalhadas a partir de classes genéricas, adicionando novas propriedades na forma de atributos. Cada subclasse herda atributos, operações e associações da superclasse. A noção de herança, também típica de sistemas orientados a objetos, é muito útil em modelagem, por oferecer um recurso ideal para a compreensão de fenômenos complexos em graus variáveis de detalhamento.

No modelo Geo-OMT, abstrações de generalização e especialização se aplicam tanto a classes georreferenciadas como a classes convencionais, usando um triângulo para interligar uma superclasse a suas subclasses. (Figura 1). Se as propriedades gráficas (por exemplo, cor, tipo de linha, etc.) variarem nas subclasses, é usada a generalização espacial. Esse tipo de generalização é útil para registrar que deve existir uma distinção visual entre as subclasses, que não pode ser desconsiderada na implementação. A notação usada na generalização espacial só varia no tipo de linha na ligação entre superclasse e subclasses: são utilizadas linhas pontilhadas em lugar de contínuas (Figura 1).

Uma generalização (espacial ou não) pode ser especificada como total ou parcial. A generalização é total quando todas as instâncias da superclasse pertencem a alguma subclasse. Quando se pode garantir que isso ocorre, usa-se um ponto no ápice do triângulo. Quando existe possibilidade de que alguma instância da superclasse pertença a mais de uma subclasse, ou seja, exista superposição entre elementos de subclasses diferentes, usa-se um triângulo preenchido. Caso cada instância da superclasse pertença a apenas uma subclasse, diz-se que as subclasses são disjuntas. O caso mais comum em generalização é o de combinação de disjunção e totalidade, ou seja, cada instância da superclasse pertence a exatamente uma subclasse. Já na especialização podem ocorrer outras combinações, uma vez que é possível que instâncias de subclasses não existam na superclasse. A Figura 2 apresenta todas as combinações de disjunção e totalidade possíveis.


Figura 2 – Generalização espacial

O modelo Geo-OMT inclui uma primitiva de agregação. A agregação é uma forma especial de associação entre objetos, em que um deles é composto de outros. O relacionamento entre o objeto primitivo e seus agregados é do tipo é-parte-de e o relacionamento inverso é-componente-de. Quando a agregação for entre classes georreferenciadas, a linha que representa a associação deve ser pontilhada. Uma agregação pode ocorrer entre classes convencionais, entre classes georreferenciadas e entre classes georreferenciadas e classes convencionais.

A Figura 3 exemplifica o uso desta notação. No exemplo, o logradouro é uma agregação de trechos de logradouro. Se o logradouro tiver que existir geograficamente, a partir da junção de trechos, como uma única linha, será uma agregação entre classes georreferenciadas, e portanto usa linha pontilhada. Se o logradouro não for representado graficamente, correspondendo apenas a um cadastro de logradouros, será uma agregação entre uma classe convencional e uma classe georreferenciada. Neste caso, usa-se linha contínua e a visualização do logradouro somente será possível pelos trechos.

Existe um caso especial de agregação, denominado agregação espacial todo-parte, em que são explicitados relacionamentos topológicos. Corresponde a situações em que um determinado elemento geográfico é subdividido em outros ou formado pela união de outros, ou ainda contém outros. Em cada caso, a interseção da geometria de cada parte com a geometria do todo é não-nula. A Figura 4 contém exemplos das 3 possibilidades.

Na estrutura subdivisão espacial, o todo é subdividido em partes de mesma natureza geométrica e a geometria do todo é coberta pela geometria das partes (por exemplo, a quadra é subdividida em lotes; para que um lote exista, a quadra já deve existir). A estrutura união espacial é o inverso da subdivisão espacial: o todo é formado a partir da união das partes. A diferença entre elas está na origem da geometria do todo (por exemplo, uma quadra é uma união de lotes; a quadra não existe sem que os lotes existam primeiro). Na estrutura contém, a geometria do todo contém a geometria da partes. Objetos de naturezas geométricas diferentes podem estar contidos no todo, sem obrigação de preencher completamente o espaço total (por exemplo, edificações dentro de um lote).

O uso da agregação espacial todo-parte impõe restrições de integridade espacial no que diz respeito à existência do objeto agregado e sub-objetos. Além do modelo ganhar mais clareza e expressividade, a observação dessas regras contribui para a manutenção da integridade do banco de dados geográfico. Muitos erros no processo de entrada de dados podem ser evitados se procedimentos baseados nestas restrições forem implementados.

Em Cartografia, a generalização é uma operação que, por meio de transformações na forma de representação visual das informações espaciais, procura melhorar a legibilidade e compreensão dos dados em diferentes escalas. Por exemplo, uma cidade pode ser representada por um ponto em um mapa, e por um polígono em outro, de escala maior. No entanto, em geoprocessamento, deseja-se que o banco de dados subjacente seja único, e portanto é necessário permitir que entidades geográficas possam ter múltiplas formas de representação em escalas diferentes. Também existem situações em que se quer permitir representações variadas na mesma escala, cada qual adequada a uma finalidade de comunicação ou uso cartográfico diferente.

Para que fosse possível explicitar estes dois casos, o modelo Geo-OMT introduziu a primitiva espacial chamada de generalização cartográfica. A generalização cartográfica é usada para representar uma classe (superclasse) percebida por diferentes visões, que alteram a sua natureza gráfica. As subclasses possuem formas geométricas que as diferem da superclasse, porém herdam os atributos alfanuméricos.
A notação para generalização cartográfica é um quadrado interligando uma superclasse a suas subclasses. Para diferenciar entre os dois casos, é usada a letra E para variação por escala e a letra F para variação pela forma. O quadrado será vazado para representar restrição de disjunção e preenchido para indicar sobreposição (Figura 5).

Exemplo
A Figura 6 apresenta um modelo de dados simplificado, para aplicação de geoprocessamento em hidrologia: um banco de dados hidrólógico georreferenciado. Unidades espaciais básicas são a bacia hidrográfica, que se divide em sub-bacias, e rios contidos nelas. Cada um dos rios está segmentado em trechos (arcos) e nós, formando uma rede fluvial. Observe-se que os arcos poderão ser representados tanto da maneira tradicional, cartográfica, como de maneira esquemática (representação topológica). Os nós são inicialmente especializados entre confluência, usinas hidrelétricas e estações fluviométricas, cada qual com sua representação gráfica específica. Caso surjam outras especializações ao longo do ciclo de vida da aplicação, estas poderão ser facilmente incorporadas ao modelo. As estações fluviométricas estão relacionadas a diversas séries temporais, como vazões e cotas, obtidas pela observação diária do rio ou por meio de cálculos hidrológicos. Existe também uma série de vazões mensais, formada pela agregação de valores diários. Em cada classe, estão relacionados atributos alfanuméricos que serão considerados pela aplicação, sendo que identificadores (chaves) estão em negrito, e campos derivados, calculados a partir de outros, estão precedidos por uma barra (/).

É importante observar como as notações gráficas propostas no modelo Geo-OMT facilitam a leitura e a compreensão do que se pretende com a aplicação. Todas as decisões quanto à forma de representação, aparência gráfica, características e comportamento de cada entidade envolvida no problema são apresentadas de maneira compacta, porém completa, facilitando o trabalho do analista e aumentando o grau de compreensão do usuário. O modelo também é peça de fundamental importância para a documentação do sistema, visando sua operação, manutenção e expansão futuras.

Clodoveu Davis é engenheiro civil, analista de sistemas, mestre em Ciência da Computação e Assessor de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel – Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte. email: cdavis@uol.com.br