A última coluna falava sobre uma ameaça ao Sistema de Posicionamento Global. O Inmarsat, consórcio internacional de telecomunicações, havia feito uma proposta de compartilhamento de uma faixa de freqüência GPS com serviços de comunicação. Isso poderia provocar interferências e levar receptores a funcionar abaixo do nível de precisão necessário para a maioria das aplicações. A vigorosa reação oficial do governo dos Estados Unidos faz acreditar que esta ameaça nunca se concretizará.
A POSSIBILIDADE DE UMA NOVA FREQÜÊNCIA
Existem outras restrições, contudo, que fazem parte da própria política oficial do Departamento de Defesa dos EUA, órgão mentor e administrador do Sistema de Posicionamento Global. Estas restrições (perniciosas principalmente para a comunidade civil de usuários do GPS) são a Disponibilidade Seletiva e o Anti-Spoofing. A ação conjunta destas duas restrições faz com que a maioria dos civis use apenas a freqüência portadora L1 e o código C/A. A precisão alcançada no posicionamento é da ordem das dezenas de metros, dentro do chamado Serviço de Posicionamento Padrão (SPP). Do ponto de vista do Departamento de Defesa dos EUA, estas restrições deveriam existir sempre.
Porém, a enorme popularização do emprego do GPS e a diversificação das aplicações do Sistema levaram ao surgimento e fortalecimento de uma vasta indústria de equipamentos e serviços dentro dos Estados Unidos, com ramificações óbvias no resto do mundo. Esta indústria tem no Departamento de Transportes americano o principal porta-voz para se contrapor às diretrizes restritivas impostas pelo Departamento de Defesa. Por exemplo, pode-se citar o fato de que a utilização solitária do GPS em procedimentos de aproximação e pouso de aeronaves – situação crítica de qualquer vôo, que envolve riscos de vida – permanece não sendo recomendada pelos órgãos competentes de navegação aérea, devido à Disponibilidade Seletiva e ao Anti-Spoofing.
Passou a existir então um debate entre dois órgãos da esfera ministerial do governo americano (Departamentos de Transportes e de Defesa) sobre a política de modernização do sistema GPS. Na verdade, se o governo dos Estados Unidos realmente deseja estabelecer o Sistema de Posicionamento Global como padrão mundial para rádio-navegação por satélite, deve rever algumas de suas diretrizes. O debate entre os dois departamentos representa o conflito entre os interesses da comunidade de segurança dos EUA e os interesses comerciais que o Sistema desperta. Em fevereiro de 1997, como resultado deste debate, os dois Departamentos propuseram a criação de um segundo sinal civil para o GPS. Esta proposta tornou-se de certo modo oficial após o recente anúncio, por parte do Vice-Presidente dos Estados Unidos, da criação de segundo sinal civil, genericamente chamado de L5, dentro da banda L2 (centrada na freqüência de 1227,6 MHz). Além disso, foi anunciado também que haveria o estabelecimento de um terceiro sinal civil.
Os benefícios que podem advir destes novos sinais são tremendos e as possibilidades abertas fascinantes, notadamente para usuários do SPP. Pode-se, de imediato, pensar na eliminação do atraso provocado pela ionosfera ao se usar a combinação do código nas freqüências de dois sinais. Torna-se também possível a utilização de outras combinações entre as diferentes freqüências, dentre elas a já bastante conhecida combinação wide-lane.
Os satélites do Bloco IIR, atualmente sendo postos em órbita, mantêm a atual característica dos sinais GPS.
Um novo sinal civil permitiria posicionamento em tempo real altamente preciso, que pode ser utilizado para controle e direção automáticos de equipamentos e máquinas nos ambientes mais diversos, e até mesmo hostis. Aplicações diferenciais seriam igualmente beneficiadas, ao se poder estender a distância com respeito à estação de referência.
O anúncio por parte da vice-presidência dos EUA não foi acompanhado por maiores informações sobre a estrutura destes novos sinais, nem sobre a freqüência a ser usada pelo terceiro sinal. Existem vários cenários para esta escolha, sendo que em alguns deles, para não fugir à regra, as posições do Departamento de Defesa e de Transporte se mostram antagônicas. Dentre as possibilidades que emergem, duas surgem como as mais promissoras. Uma se baseia na reutilização das freqüências existentes. Dentro desta proposta, os sinais civis (Lc – c de civil) estariam centrados nas portadoras L1 e L2, surgindo então 4 sinais militares (Lm – m de militar), localizados em cada lado dos sinais civis. Outra alternativa consistiria na colocação do segundo e do terceiro sinais civis ao largo do sinal militar em L2. Esta nova estrutura foi proposta por James Spilker, da Universidade de Stanford, e tem a vantagem de permitir um aumento significativo da precisão. Uma situação ainda a ser melhor vislumbrada diz respeito à performance dos receptores atuais com respeito aos novos sinais.
Sejam quais forem as conclusões acerca da freqüência e das características destes dois novos sinais civis, a sua disponibilidade deve acontecer somente a partir de 2005. Isto porque se a nova estrutura já estivesse definida teria que estar sendo implementada nos novos satélites do Bloco IIF, já em construção. As melhorias que estes novos sinais podem vir a proporcionar somente seriam sentidas à medida que estes satélites forem colocados em órbita. Contudo, a componente militar, representada pelo Departamento de Defesa dos EUA, exige um tempo de transição no qual os sinais L1 e L2 permaneçam com status similar ao atual até que os novos sinais militares estejam operacionais com uma constelação mínima de satélites. Com isto, é certo que a atual estrutura dos sinais GPS permaneça, pelo menos, até 2008-2010.
Marcelo Carvalho dos Santos é doutor em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick (Canadá), professor adjunto do Departamento de Geociências e vice-coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Geodésicas, da UFPR. email: mcsantos@geoc.ufpr.br