por Rogerio Galindo

Imagine três situações diferentes. Na primeira, técnicos têm que definir o traçado que terá uma nova estrada, escolhendo o melhor trajeto para ligar dois pontos distantes e isolados por vários acidentes geográficos e manchas urbanas. Na segunda situação, a prefeitura de um município deseja incrementar a sua rede de ensino básico, implantando mais escolas e criando vagas para as crianças que moram na periferia. A terceira situação envolve um publicitário, que pretende espalhar 30 outdoors por uma cidade e precisa saber onde seriam vistos por um maior número de pessoas de nível econômico elevado.

Qual é o ponto comum a estes três empreendimentos? Qual a primeira informação necessária para que qualquer um destes projetos se torne viável e tenha possibilidade de sucesso?

Informação geográfica é a resposta.

É cada vez mais raro encontrar uma atividade profissional que não dependa, pelo menos em parte, do conhecimento prévio do terreno em que será executada. A instalação de uma pequena loja, assim como a construção de um grande aeroporto, exige decisões estratégicas que serão muito melhor tomadas se o projeto puder ser visualizado em um mapa atualizado.

Durante muito tempo, no Brasil, mapas eram vistos como elementos importantes para a segurança nacional. Hoje, mais do que isso, mapas são peças importantes para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. E um país como o Brasil deveria contar com um mapeamento sistemático que permitisse que projetos do governo e da iniciativa privada pudessem ser executados a menor custo e com melhores resultados.

Não é isso que acontece. Nosso mapeamento sistemático, obrigação do Estado por lei, está praticamente paralisado há décadas. Grande parte do país não está mapeada em todas as escalas necessárias, e nossas cartas oficiais estão atrasadas em pelo menos 20 anos.

Foi pensando em ajudar a solucionar este problema que a Espaço GEO resolveu organizar em novembro do ano passado um debate que reunisse algumas das mais importantes autoridades da comunidade cartográfica brasileira em torno da seguinte pergunta:
Qual a melhor solução para mapear o Brasil?


Antônio Luiz de Freitas, Ten. Paulo Rodrigues Borges e Cel. Erbas Soares de Medeiros


Camilo José Martins Gomes, Lindon Fonseca e Enéas Brum

O debate, que aconteceu em Brasília, com mediação do geógrafo Lindon Fonseca, do IBAMA, durante o expoGEO Brasil Central 98, fez parte do Fórum Brasil de Mapeamento. Nas páginas seguintes, o leitor de infoGEO encontra um resumo do que foi discutido no primeiro debate. Na próxima revista, estaremos apresentando um relato do segundo debate promovido no Fórum, sobre comercialização de dados e direitos autorais.


Sociedade Brasileira de Cartografia
O primeiro a expor suas idéias foi o atual presidente da Sociedade Brasileira de Cartografia, Camilo José Martins Gomes. Tendo assumido recentemente a direção da Sociedade, Martins apresentou a situação caótica em que se encontra nosso mapeamento. Segundo ele, apenas 1% de nosso território estaria mapeado na escala 1:25.000.

"É estarrecedor que à beira do ano 2.000, quando estamos completando 500 anos de nossa existência, nos encontremos nessa triste situação", desabafou Martins. O aspecto crucial do problema, para o presidente da SBC, é a falta de atualização dos mapas. "Não vem sendo feita. E o pouco que é realizado está longe da realidade de um mapeamento fundamental para planejamento urbano".

Para ele, a solução possível seria a reestruturação da organização da cartografia brasileira, com a criação de um novo Plano de Dinamização e com a regularização política e econômica da Comissão Nacional de Cartografia (Concar), que na opinião de Martins não tem força suficiente para mudar a atual situação.
Concar: A Comissão Nacional de Cartografia foi criada pelo governo em 1.994. O representante da comissão convidado para o debate, assim como o representante do IBGE, não pôde comparecer ao debate.


Cel. Erbas de Medeiros
A reestruturação da cartografia oficial também foi o ponto mais importante da palestra do Cel. Erbas Soares de Medeiros "A criação de um órgão regulador da cartografia nacional é fundamental", falou o Coronel, que disse estar ao mesmo tempo entusiasmado e preocupado com sua participação no debate. Entusiasmado por ver que ainda existe o ideal de se construir uma cartografia nacional de qualidade. E preocupado por ver que ainda é preciso discutir temas tão básicos quanto este.

Para que fosse obtido o que Medeiros definiu como o "soerguimento de nossa cartografia", seria necessária a instituição de uma política cartográfica que definisse claramente seus objetivos. "Não adianta dizer que é preciso resolver o problema do mapeamento. É preciso ter uma proposta clara, que diga o que é preciso fazer, para depois decidir como fazer".

Um grande problema, na opinião do Coronel, é a ausência de pessoas que se ergam contra o estado atual da cartografia brasileira. Como exemplo, cita o fato de que, apesar de todos saberem que o mapeamento sistemático está previsto na Constituição como obrigação do Estado, não há quem exija que a Lei seja cumprida. Segundo o Coronel, existe um "desvirtuamento da inteligência do setor. Quem se forma cartógrafo, vai depois fazer pós-graduação e dar aulas. Mas, preocupado com o mapeamento no Brasil não tem ninguém".

A mudança da legislação em vigor é também fundamental para o coronel. O decreto 243, que é o mais importante instrumento regulador das atividades de mapeamento no país, tem mais de 30 anos, e segundo Medeiros, está completamente defasado. "Por mais benefícios que nos tenha trazido, é preciso que o 243 seja revogado", afirma o coronel, que diz ser impossível trabalhar com normas técnicas "quase 40 anos atrasadas".
Decreto 243: Assinado em 1.967, o decreto sistematizou a cartografia brasileira.


AGTEC
Enéas Brum, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Geotecnologias (AGTEC) e da Imagem Sensoriamento Remoto, fez a terceira palestra da tarde. O foco de sua apresentação foi para os grandes impactos que a tecnologia de mapeamento sofreu recentemente, com o advento de satélites capazes de fazer imagens de alta resolução, de computadores de alta velocidade de processamento e da Internet.

Por um lado, estes instrumentos facili-taram imensamente o trabalho de mape-amento de um território. Por outro, estão exigindo um grande investimento por parte das empresas de cartografia em todo o mundo. "Com a globalização, quem não estiver preparado vai perder lugar para empresas estrangeiras mais capacitadas e mais aparelhadas", afirmou o empresário.

Alguns dos prognósticos feitos por Brum: cada vez haverá mais mapas de uma mesma região, em diferentes escalas e com diferentes características; a demanda por mapas temáticos aumentará mais e mais nos próximos anos; e, mais importante, a cartografia será cada vez mais parte integrante de sistemas complexos de informação.

Uma das propostas apresentadas pelo empresário é que, através da mediação de um órgão regulador, a iniciativa privada pudesse executar cartas oficiais, suprindo assim a carência de mapas produzidos pelo Estado.
Satélites de alta resolução: O custo de imagens de satélites hoje já é muito menor do que o de aerolevantamentos, mas a precisão dos dados ainda é muito baixa. O uso de imagens de alta resolução, que devem estar disponíveis nos próximos anos, deverá revolucionar a produção cartográfica.


DSG
A Diretoria de Serviços Geográficos do Exército é, junto com o IBGE, um dos órgãos responsáveis pelo mapeamento sistemático do país. Todas as cartas oficiais nas escalas 1:25.000 até 1:1.000.000 devem ser feitas por uma destas duas instituições.

Foi justamente esta atribuição que o representante da DSG no debate, Ten. Paulo Rodrigues Borges, questionou. Para que não houvesse sobrecarga nos dois órgãos, seria necessário capilarizar este trabalho, dividindo-o com estados e municípios.

"Somente 20% da meta estipulada para este qüinqüênio foi produzida, até agora. E logo nosso prazo já estará acabando", desabafa Borges.

Uma outra alternativa para suprir a carência de mapas oficiais foi apresentada por Borges: a generalização cartográfica. Através deste método é possível usar mapas em escalas grandes, como 1:5.000, para produzir mapas em escalas maiores. Assim, seria necessário levantar dados apenas para construção dos mapas em escalas maiores. "A DSG já trabalha há vários anos com compilação cartográfica por redução supervisionada, o que é quase um nome pomposo para generalização" afirma o tenente.

Na opinião de Borges o principal mérito do debate de Brasília foi ter fugido ao círculo vicioso que faz com que apenas os especialistas debatam entre si este tipo de problema. "É importante que os usuários de nível estratégico façam parte da discussão. E principalmente os usuários de nível de execução, que acabam convencendo outros setores, de baixo para cima".
Generalização: A partir de mapas em escalas grandes (1:1.000, 1:5.000; 1:10.000) é possível conseguir cartas em escalas menores. Pode ser feito com supervisão humana ou automaticamente, por computadores.


ANEA
Na última palestra do dia foi proferida por Antônio Luiz de Freitas, da Associação Nacional de Empresas de Aerolevan-tamento (ANEA), disse acreditar que após o momento de recessão por que passa o país, virá um momento de desenvolvi-mento. Os componentes do Sistema Cartográfico Nacional deveriam planejar maneiras de fornecer ao país material cartográfico compatível com a demanda que virá.

"A ANEA já está preparada. Apresen-tamos ao CONCAR (Comissão Nacional de Cartografia) um plano para, em 2 anos, executar cobertura aérea de 1.500.000 Km2, atualizar 500.000 Km2 de mapas na escala 1:25.000, 750.000 Km2 em 1:50.000, além de atualizar mapeamento na escala 1:100.000 em 3.000.000 Km2 da Região Amazônica e recuperar a rede geodésica de primeira ordem e da rede de nivelamento de precisão em 750.000 Km2."

Apesar de não revelar o custo do projeto, Freitas lembrou que a ANEA conta com pessoal e equipamentos suficientes para isso: são 2.000 pessoas, 22 aeronaves, 50 câmaras aerofotogramétricas, 120 equipamentos restituidores entre analógicos, analíticos e digitais, 60 equipamentos geradores de ortofotos e 350 estações gráficas para edição.

Idéias
Algumas idéias ficaram claras durante as palestras dos convidados e durante o debate que se seguiu. Ninguém discordou, por exemplo, de que alguma nova ação concreta precisa ser tomada para mudar a atual situação.

A proposta que mais se repetiu foi a da criação de um órgão regulador da cartografia nacional, algo como uma agência nacional de informações cartográficas. Este órgão, todos insistiram, deveria ser forte politicamente, bem estruturado e não ser sujeito a pressões externas. Suas principais atribuições seriam uniformizar as cartas produzidas por outras entidades, captar recursos, definir diretrizes de investimento público e fiscalizar os mapas durante sua execução.

Outra idéia que surgiu foi a da divulgação do resultado do debate. Além da publicação em infoGEO, está prevista a publicação da íntegra das palestras na Internet. O presidente da SBC, indo mais longe, ofereceu o ambiente da Sociedade para a construção de um manifesto contendo as principais reivindicações dos presentes às autoridades do setor.

Finalmente, todos concordaram que é saudável e até mesmo necessária a realização de debates como este, não só reunindo a comunidade cartográfica, mas também os usuários nos seus diversos níveis. Pois, como disse o Cel. Erbas, é preciso "unir esforços para a modelagem de uma solução sustentável para o mapeamento do país".
Durante o expoGEO Brasil99, a Espaço GEO, sempre visando unir produtores e usuários na discussão do futuro da informação geográfica, estará promovendo a continuação deste debate. Além deste, mais 12 debates estão programados para o evento, que será realizado em Curitiba.