Análise Espacial: ALÉM DOS MAPAS COLORIDOS

Através da análise espacial é possível perceber que os locais onde as coisas acontecem são muito mais do que pontos coloridos no mapa.

Uma das operações mais utilizadas em sistemas de informação geográfica é a apresentação espacial de variáveis como população, índices de qualidade de vida e mapas de vendas de empresas. Basta dispor de uma planilha em Excel ou dBase e de uma base geográfica (como um mapa de municípios); o GIS "automaticamente" nos apresenta um mapa colorido (que os cartógrafos chamam pomposamente de cloroplético) com o padrão espacial do fenômeno. Grande parte dos usuários limita seu uso de GIS a essas operações de visualização, tirando conclusões intuitivas. Mas é possível ir muito além. Quando visualizamos um padrão espacial, é muito útil traduzi-lo em considerações objetivas: o padrão que observamos é aleatório ou apresenta uma agregação definida? Esta distribuição pode ser associada a causas mensuráveis?

Uma das áreas em que estas questões são particularmente relevantes é a Saúde. Trata-se de uma área com grande tradição no uso de Análise Espacial, desde os estudos clássicos do Dr. John Snow em 1.854, que relacionou os casos de cólera em Londres com a distribuição espacial dos poços de água. Nos estudos de Saúde, muitas vezes o problema pode estar relacionado com fatores ambientais (como proximidade de indústrias químicas), ou ainda apresenta uma trajetória espacial (como no caso de disseminação de epidemias).

Figura 1

No Brasil, já existem muitos profissionais que fazem uso de Geoprocessamento para realizar estudos de Análise Espacial em Saúde. O grupo da FIOCRUZ tem um excelente website (http://www.fiocruz.br/sig), a partir do qual podem ser acessados dados e trabalhos fascinantes.

Um exemplo é um estudo sobre mortalidade por causas externas na região Sudeste, de autoria de Marília Sá Carvalho e Oswaldo Gonçalves Cruz. A expressão causas externas denota eventos como assassinatos e acidentes de trânsito, e que são a causa de 40% dos óbitos dos homens entre 15 e 45 anos no Brasil. A figura 1 ilustra a distribuição espacial da mortalidade por homicídios, onde os valores correspondem ao logaritmo da razão entre o número de homicídios entre homens de 15 a 45 anos, por 100.000 residentes do mesmo grupo.

Ao tratar a violência como uma epidemia da modernidade, que se propaga no espaço, o trabalho apresenta resultados instigantes. Uma simples observação visual indica uma elevada ocorrência de mortes violentas no RJ, com uma tendência espacial capital—>interior. No caso de ES e SP, há uma concentração próxima da capital e grandes cidades. No entanto, em MG, as áreas mais violentas situam-se longe das regiões metropolitanas, o que indica um padrão espacial distinto. Adicionalmente, há uma marcada transição na fronteira entre MG e RJ, indicando uma mudança nas condições de disseminação da epidemia da violência. (Será essa uma prova do caráter pacífico dos mineiros?).

Além da apresentação visual, os autores calcularam a auto-correlação espacial entre os municípios de cada estado, o que permite modelar o relacionamento espacial entre os dados. Os resultados, apresentados na figura 2, indicam a existência de uma forte tendência espacial no RJ, ao contrário de MG, onde a curva de correlação espacial é plana. Em outras palavras, no RJ, se o município vizinho ao seu é violento, é altamente provável que a sua cidade também o seja. Em MG, esta inferência não é possível.

Outro aspecto a destacar no caso da Saúde é a grande disponibilidade de dados para análise através do excelente trabalho do DATASUS. Consultando http://www.datasus.gov.br é possível descobrir tanto a distribuição de partos em Quixeramobim como a mortalidade infantil em Cachoeira Paulista. A equipe do DATASUS desenvolveu ainda um GIS de uso fácil para acesso, visualização e cálculo de estatísticas básicas para dados de saúde disponível na Web: o TABWIN http://www.datasus.gov.br/ tabwin/tabwin.htm). Trata-se de significativa contribuição para a democratização da geoinformação e para melhorar a qualidade da gestão de nossos sistemas de saúde.

Figura 2

Deve-se ressaltar que, para a realização de análises onde o componente espacial seja explicitamente considerado, deve-se ir além da estatística convencional e da mera visualização de dados. É preciso acoplar aos GIS tradicionais ferramentas de Estatística Espacial. Como exemplo, o software SpaceStat (http://www.spacestat.com) pode ser acoplado ao ArcView; também o S-Plus (http://www.mathsoft.com/splus/) dispõe de módulo específico. Adicionalmente, a equipe do INPE vem trabalhando em contato com a FIOCRUZ e o DATASUS, visando dotar as próximas versões do SPRING destas técnicas.
Em resumo, a Análise Espacial nos permite ir além dos meros mapas coloridos, e estabelecer uma quantificação explícita da variabilidade espacial dos fenômenos em estudo. Não basta acreditar na Primeira Lei da Geografia (todas as coisas se parecem, mas coisas mais próximas são mais parecidas que as mais distantes). É preciso modelar a distribuição do parentesco entre os dados, por meio de técnicas de Estatística Espacial. Com isto, poderemos ter maior grau de confiabilidade em nossas investigações e em nosso entendimento dos problemas de gestão de nossos recursos naturais e sócio-econômicos.

O autor agradece a Marília Carvalho e Oswaldo Cruz, da FIOCRUZ e a Ernani Bandarra, do DATASUS, o acesso aos dados, software e estudos sobre Análise Espacial em Saúde, as discussões sobre o tema, e a cessão das figuras apresentadas. O trabalho "Mortalidade por Causas Externas: Análise Exploratória Espacial na Região Sudeste do Brasil" está disponível em http://www.procc.fiocruz.br/~marilia.

Gilberto Câmara é coordenador do programa de pesquisa em Geoprocessamento da Divisão de Processamento de Imagens do INPE, e foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento dos sistemas SGI/SITIM e SPRING. (Página eletrônica: www.dpi.inpe.br/gilberto).