Demografia nas APLICAÇÕES URBANAS de GIS
Os dados demográficos brasileiros, fundamentais para quase todo tipo de estudo geográfico, estão bastante defasados. O que temos de mais atual são os números do Censo de 1.991 e da Recontagem de População de 1.996. O Censo do próximo ano promete mudar esta situação.
De todo o universo de informações que povoa os bancos de dados geográficos e que fornece subsídios para a concepção e implementação de aplicações, um grupo de dados se destaca: as informações demográficas. Este grupo de informações é necessário, ou pelo menos desejável, em praticamente todos os tipos de aplicação de GIS. Isto é bastante razoável, considerando que, na maioria das aplicações, existe a preocupação em conhecer a localização das pessoas, compreendidas dentro dos conceitos de cada aplicação como cidadãos, clientes, eleitores, usuários, assinantes…
É também natural que exista muito interesse em conhecer não apenas quantas são e onde estão as pessoas, mas também verificar como vivem, saber um pouco mais sobre seu cotidiano. Em um Brasil cada vez mais urbano, é grande o interesse em conhecer por dentro as cidades, pois estas, quando examinadas de perto, mostram-se espaços muito heterogêneos: dentro de cada cidade estão representados todos os grupos sócio-econômicos de pessoas, dos mais privilegiados aos mais carentes. Para que se possa caracterizar e localizar estes grupos de pessoas é necessário contar com informações demográficas de qualidade.
As informações demográficas básicas disponíveis no Brasil são as geradas pelo IBGE por ocasião dos censos demográficos. O último deles, que deveria ter sido realizado em 1990, por diversos problemas ligados à alocação de recursos no malfadado governo Collor, acabou sendo efetivado apenas em 1991. Houve também uma certa polêmica quanto à qualidade dos dados, o que levou o IBGE a realizar uma recontagem populacional, um mini-censo, em 1.996. Em ambos os casos, o processo de recenseamento envolveu a divisão do território nacional em pequenas unidades, os setores censitários.
Cada um destes setores representa a carga de trabalho colocada para cada recenseador. Portanto, um dos principais critérios que orienta a sua delimitação é o número de residências que contém. Por serem unidades de trabalho para o levantamento de dados em campo, os setores censitários podem não seguir a "lógica" do assentamento urbano em todos os casos, podendo por exemplo reunir em um mesmo setor residências pertencentes a áreas com perfis diferentes. Além disso, para o usuário de informações demográficas, trabalhar diretamente com os dados de setores censitários pode ser pouco confortável, uma vez que são unidades de agregação de dados muito pequenas para análise de alguns dados.
Considerando estes fatores, muitas administrações municipais optaram por uma estratégia semelhante para incorporação de informações demográficas a seus bancos de dados geográficos. Em primeiro lugar, é necessário obter e digitalizar sobre o mapa da cidade a malha de setores censitários. Em seguida, passa a ser necessário delimitar uma unidade espacial de referência que facilite o trabalho com os dados demográficos, evitando a excessiva pulverização que ocorre no nível dos setores censitários. Preferencialmente, deve-se optar por unidades espaciais que apresentem algum nível de homogeneidade quanto ao perfil da ocupação.
Além disso, deve-se tentar de todas as maneiras produzir unidades espaciais que possam ser formadas pela agregação de setores censitários, evitando que se tenha que produzir estimativas por interpolação. Em resumo, é preciso definir unidades geográficas com dimensões adequadas para a agregação de informações – não muito pequenas para não induzir a fragmentação da leitura, nem muito grandes para evitar a "pasteurização" ou diluição dos dados.
Aqui em Belo Horizonte, por exemplo, os setores censitários podem ser agregados segundo as administrações regionais, que são nove. Esta agregação foi descartada por representar um nível de agregação de dados muito elevado. Os limites das regionais obedecem apenas critérios administrativos ou políticos e uma mesma região abarca grandes diferenças demográficas, sociais, urbanas e econômicas. Os 240 bairros populares delimitados pela Prodabel (Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte) não são unidades oficiais de estatísticas, embora se encontrem muitos relatórios oficiais baseados nesta divisão.
São "limites imaginários", definidos pela população e que não são compatíveis com a malha de setores censitários, o que inviabiliza sua utilização em estudos demográficos rigorosos. Por fim, optou-se por criar uma nova divisão da cidade, em Unidades de Planejamento (UP). As UPs, propostas pela Secretaria Municipal de Planejamento de Belo Horizonte (SMPL), possuem um tamanho adequado para os estudos demográficos, intermediário entre as administrações regionais e os bairros populares. Na verdade, são subdivisões das regiões administrativas sem ser, necessariamente, agregação de bairros. São, sempre que possível, agregações de setores censitários.
Para sua definição foram considerados os limites ou barreiras físicas existentes, os processos e características de uso e ocupação e a articulação interna. Foram criadas com o objetivo principal de constituírem unidades físico-territoriais de referência para a compatibilização das diversas bases de dados existentes e para a produção de indicadores que direcionem o planejamento urbano e a gestão municipal. Foi com base nas UPs que a SMPL propôs e implementou o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU), um importante instrumento de planejamento urbano da cidade, que permite perceber e avaliar as desigualdades intra-urbanas, e preparar ações do poder público para combatê-las.
Mas o uso das informações demográficas não está restrito às aplicações sociais, como nas áreas de educação, saúde, transportes e planejamento urbano. Também a área de marketing pode se beneficiar, e muito, da existência de dados sócio-econômicos georreferenciados. A partir destes dados, o profissional da área pode delimitar regiões em que o perfil do consumidor de um determinado produto seja freqüente, racionalizando o esforço de divulgação e distribuição dos produtos. Também é facilitada a tarefa de montar uma amostra representativa para outros tipos de pesquisa, como as de opinião. É preciso, no entanto, levar em conta que a localização geográfica das pessoas, dada pela distribuição dos setores censitários ou outra unidade espacial derivada deles é relativa ao local de residência das pessoas e não ao seu local de trabalho ou estudo.
Ocorre um problema para o uso de dados censitários em marketing: as transformações da sociedade brasileira têm sido muito rápidas, fazendo com que o Censo de 1.991 seja insuficiente para caracterizar o perfil da população. Passa a ser necessário incorporar dados de outras pesquisas para atualizar por estimativa os dados demográficos, e para "modernizar" seu conteúdo. Parte do problema vai ser resolvida com o Censo 2.000, que está sendo planejado pelo IBGE, prevendo inclusive a realização de um Censo Experimental a partir de agosto de 1.999, nas cidades de Marília (SP) e Bonito (PA). Um modelo de questionário já circulou entre a comunidade usuária de dados demográficos para sofrer críticas e sugestões, e está disponível no web site do IBGE.
Este será um Censo marcado por uma maior integração do IBGE com a comunidade de usuários, não apenas pela abertura da discussão a respeito do conteúdo do questionário, mas também pela crescente (e cada vez mais qualificada tecnicamente) contribuição dos governos estaduais e municipais no sentido da preparação e cessão de mapas para apoiar os trabalhos do Censo. Os primeiros resultados deverão ser divulgados a partir de dezembro do ano 2.000. A comunidade usuária aguarda ansiosamente por esta data.
Clodoveu Davis é engenheiro civil, analista de sistemas, mestre em Ciência da Computação e Assessor de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel – Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte. Email: cdavis@uol.com.br