Marketing e Quiromancia High Tech

O GIS é muito mais que o marketing. É possível fazer bons estudos nesta área com os dados digitais já disponíveis no Brasil. Ainda mais: o geomarketing é muito maior do que estudos de localização. O colunista Francisco Aranha expõe estas e outras opiniões em um artigo especial para infoGEO. A atual situação do geomarketing no Brasil, os problemas existentes para fazer bons estudos e os mitos que cercam a atividade no país são abordados no texto publicado nas próximas páginas. Confira.

Crimes, espaçonaves, guerrilhas, bomba e Brigitte Bardot. Uma das características do mundo comtemporâneo é sua fragmentação. A realidade se apresenta como um conjunto de sinais que fascinam mas não são prontamente interpretáveis. Emblemáticos desta situação são os telejornais, em que o irrelevante, o trivial, o dramático e o fundamental justapõem-se sem transição. Telespectadores são às vezes atraídos pelas cores e pelos movimentos das imagens mas, como crianças aprendendo a enxergar, não distinguem figura e fundo. Em estado quase hipnótico não há categorias analíticas, hierarquia, relevância, contexto, conexão.

Diante deste mosaico irracional, a tentativa de entender o que acontece causa sensação de que esta tarefa é impossível porque faltam dados. Nas empresas e nos congressos, muito se ouvem variações sobre o tema "Ah, se pelo menos o IBGE disponibilizasse os setores censitários…"

Mas não faltam dados. Sobram. Falta informação. Falta conhecimento. Em outras palavras, falta coletar, classificar, organizar e APLICAR coerentemente o que já está disponível e que já é muito. Vai ser engraçado quando os setores censitários estiverem finalmente disponíveis para todos, o novo censo for realizado e publicado e "aquela" pesquisa sobre intenção de compra chegar: sem modelos e sem método, continuaremos abrindo tabelas grossas como listas telefônicas e não sabendo muito bem o que fazer com os números ali contidos. A disponibilidade dos dados em meio magnético, por si, apenas sofisticará a perplexidade.

Três maneiras de estar errado

Pode parecer óbvio, mas uma boa análise de dados apenas razoáveis pode produzir melhores resultados que um estudo equivocado de dados excelentes. Alguns exemplos de situações em que dados aperfeiçoados não implicam melhores conclusões: "Nesta região há tantos estabelecimentos do tipo X (informação levantada no campo e auditada pela melhor consultoria), logo devo localizar o meu estabelecimento ali."

Segundo Edward De Bono, no excelente Practical Thinking, este é um erro do tipo Monorail, em que se passa de uma idéia para a próxima, ignorando os outros elementos que fazem parte da situação: poucos estabelecimentos podem indicar falta de potencial de mercado, não uma oportunidade; algumas atividades devem evitar a concorrência, outras devem procurá-la (compra comparada, por exemplo); economias de aglomeração podem mais do que compensar as economias por atrito; etc, etc.

A reação mais saudável a um levantamento deste tipo é perguntar: "Aqui há 42 padarias, duas concessionárias de veículos e três supermercados? E daí?", "O que permite usar ente "logo" passar à conclusão?", "Quem estabeleceu esta conexão?", "Com base em quê?";

"O fluxo de pedestres deste ponto sustentará o movimento necessário para loja". Um Erro de Magnitude ocorre quando o argumento é qualitativamente razoável, temos experiência direta na situação, mas não medimos as quantidades envolvidas. Quanto de fluxo compensa uma má visibilidade? "O amor supera tudo". Ok. "Mas quanto amor é necessário para superar um banheiro externo, sem água quente e um marido que prefere o álcool ao trabalho?"

"Centros Submetropolitanos comportam estabelecimentos do tipo X". Às vezes uma situação parece familiar mas acaba se revelando totalmente diferente da impressão inicial. O Erro de Ajuste acontece porque nosso entendimento do que uma coisa é não confere com a realidade. Pensamos que duas cidades eram do mesmo tipo, mas depois percebemos que não eram. Centros Submetropolitanos na Região Nordeste podem ser algo totalmente distinto do que estudamos na Região Sul, embora com vários elementos em comum.

Água por todos os lados, nem uma gota para beber

Em verdade, no que diz respeito ao marketing, a maioria das empresas está numa situação de pobreza em meio à abundância. E isto apesar de várias ciências já terem demonstrado que é possível conhecer muito, mesmo quando, de fato, os dados disponíveis são escassos ou grosseiramente incompletos.

Astrofísica, arqueologia e paleontologia, por exemplo, inferem, com confiança, o máximo, com base no mínimo: composição física de planetas inatingíveis, a partir de espectros de luz; cultura e história de povos desaparecidos, com base em vestígios de construções e restos de monumentos; velocidade, peso e até dieta de dinossauros, com base em fragmentos de ossos e plantas.

Há muito mais consumidores vivos do que esqueletos de pterodátilos. Mas parece que os paleontólogos analisam mais e reclamam menos. Há empresas que se queixam do censo, mas nada sabem sobre os clientes que entram em suas lojas todos os dias, simplesmente porque não se dignaram a perguntar ou registrar.

Hay que endurecer…

Claro que ciratividade, intuição e esforço em comunicar continuam importantes. Mas o momento está maduro para os mercadólogos adotarem massivamente procedimentos mais hardcore das ciências: observar, ouvir, medir, registrar, testar.

Espera-se dos mercadólogos de hoje que sejam quiromantes high tech. Que tomem as mãos do consumidor entre as suas e o reconfortem, interpretando corretamente os sinais que este, ao longo da vida, vai inscrevendo no seu jeito de ser, nos artefatos que produz e consome, no espaço que ocupa.

Os sinais estão disponíveis para ser coletados e organizados em warehouses, e gritam, pedindo para ser interpretados. Embora freqüentemente nos esqueçamos disso, a interpretação básica é simples. Desde que o homem é homem, precisa comer, abrigar-se, dormir. Deseja amor. Quer um trabalho, pertencer a um grupo de que se possa orgulhar e que lhe ajude a definir uma identidade. Quer reconhecimento e auto-realização.

A esta lista hoje acrescentam-se, com destaque, uma aspiração de ter tempo. Tempo para a família, para o lazer e até para o ócio. O consumidor hoje está literalmente pagando para sair da correria, da fila, do trânsito. Talvez esse seja um dos grandes benefícios que o comércio eletrônico oferece. A magia do marketing está em saber matizar e compreender a prioridade destas necessidades.

Tripé

As equipes de marketing sabem que sua principal função hoje é coletar dados, interpretá-los e… Entender o mercado. Entender os segmentos. Entender cada consumidor individualmente. Só assim poderão procurar satisfazer o cliente.

Nesta tarefa, os mercadólogos apoiam-se em um tripé sólido e poderoso: marketing propriamente dito, tecnologia e estatística. A tecnologia hoje permite acompanhar individualmente milhões de clientes. Permite interagir com cada um pessoalmente. Conduzir milhares de conversas em paralelo e retomá-las precisamente do ponto em que foram interrompidas. Em conseqüência, estratégias podem ser desenhadas, testadas facilmente contra grupos de controle, ajustadas e implementadas.

Além disso, a tecnologia humanizou o diálogo entre empresas e seus consumidores, ainda que, paradoxalmente, um dos interlocutores seja um computador, ou uma pessoa assistida por um computador.

A estatística, por sua vez, permite explicitar as relações dos grupos com as pessoas e a posição das pessoas dentro dos grupos. Permite quantificar as relações entre causas e efeitos, e prever resultados das iniciativas empresariais.

Mapa: conteúdo e forma

Neste contexto, a geografia é elemento indispensável das análises. Porque tudo que acontece, acontece em algum lugar. E porque aves de mesma plumagem andam juntas, a geografia serve para organizar dados e oferece modelos para a generalização de informações incompletas.

As possibilidades abstratas da geografia como modelo de referência são, contudo, negligenciadas. Pouca gente investiga e aplica seu potencial como metáfora e se liberta dos mapas analógicos, bi ou tri-dimensionais, em que a superfície representada é, necessariamente, o chão em que se pisa.

Geomarketing não é só, nem principalmente, GIS…

Respondendo novamente, de público, uma pergunta que me fizeram no último congresso: Não, não estou brigando com o GIS. Mas é preciso que se diga: GIS é apenas ferramenta para o marketing. Importante, sem dúvida, mas, ainda assim, ferramenta. Neste final de século já temos fetiches suficientes.

Tanto isso é verdade, que os primeiros estudos e teorias consistentes de localização surgiram no começo do século, muito antes dos computadores. Um dos estudiosos mais renomados no Brasil atua nesta área há 25 anos, e usa GIS a menos de 10. Muita gente conhece intimamente a atividade de colocar alfinetes no mapa.

A mensagem aqui é: as empresas que se iniciam não devem se deixar intimidar ou fascinar pela tecnologia. No uso do geomarketing é importante começar pequeno, crescer aos poucos e privilegiar a capacidade analítica em vez da calculadora. Geomarketing não é só, nem principalmente, localização de ponto… Estudos de localização são e continuarão sendo extremamente importantes para o sucesso empresarial. Onde abrir, relocar ou fechar estabelecimentos é decisão crítica para qualquer empresa. No Brasil, estamos bem servidos: temos profissionais extremamente competentes nesta área (veja box).

Mas considere o seguinte: depois que o ponto está definido, a empresa continua tomando decisões cotidianas quanto a seus mercados e clientes. A dimensão geográfica destas decisões está cada vez mais saliente e, felizmente, cada vez mais acessível.

É aí que se encontra o maior potencial para crescimento das aplicações de geo. Principalmente depois do advento do Database Marketing, ou Marketing de Relacionamento (conforme se enfatize a tecnologia ou na conduta) a sofisticação da informação sobre a clientela deu um salto.

A empresa que ainda não conhece profundamente sua clientela está em lamentável desvantagem competitiva. E conhecer a clientela envolve saber onde ela mora, onde trabalha, onde passeia, onde compra.

Assim, o "geo" está penetrando em todas as áreas do marketing. E é por isso que a tradução dos "4 P" como Produto, Preço, Promoção e Ponto precisa ser reconvertida para Produto, Preço, Promoção e Lugar (Place). Vai ficar menos bonitinho, mas bem mais funcional.

Geomarketing no Brasil

Muitas são as consultorias que estão oferecendo algum tipo de serviço envolvendo aspectos geográficos. A maioria as empresas de pesquisa de mercado já é capaz de incorporar algum nível de georreferenciamento a suas informações.

Praticamente todas as agências de marketing de relacionamento incluem a dimensão geográfica em seus bancos de dados. Nestas duas áreas, todas as empresas estão se iniciando no geomarketing e a corrida vai ser acirrada, com muitas mudanças nas posições dianteiras.

Já na área específica de estudos de localização, a situação é diferente. Três empresas de São Paulo, Geomarket, estudos Empresariais e Ion Information Network destacam-se pela tradição e pelo pioneirismo. Sua experiência acumulada é um diferencial difícil de ser superado pelos concorrentes. Carlos Alberto China (Geomarket) começou suas atividades em 1975 no Banco Itaú.

Tadeu Masano (Estudos Empresariais Geografia de Mercado), é um administrador de empresas com doutorado em Planejamento urbano na USP e que trabalha principalmente com determinação de potencial de negócios e localização. Susana Figoli (Ion) descende de uma linhagem de Planejamento Urbano cuja matriarca é a renomada Professora Gilda Collet Bruna, da FAU/USP, com quem trabalhou na década de 80.

Desde o início do geomarketing no Brasil, os bancos e os grandes grupos varejistas (como o Pão de Açúcar) foram os clientes mais importantes dos estudos de localização. Depois veio a "onda" das franquias, que aumentou consideravelmente a base de clientes de menor porte.

Recentemente, as concessionárias de veículos também passaram a usar intensivamente os estudos de localização. O aumento da disponibilidade de informações e seu barateamento marcam os dias de hoje.

Há razoável concenso, entre os profissionais da área, de que o futuro será mais rápido, mais barato e mais competitivo, em parte como decorrência do avanço da tecnologia, na qual o GIS é peça importante e a Internet é o próximo canal de comunicação.

Alguma apreensão é causada pela possível chegada de empresas internacionais que já estão se movimentando, mas ainda esperam uma melhoria na oferta de dados.

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Francisco Aranha é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp/FGV), e consultor em Marketing Geográfico pela Paredro Administração (SP).
Email: faranha@ibm.net