Por Eduardo Freitas Oliveira

A política de desenvolvimento urbano no Brasil vive um momento de grande expectativa. O início desta fase foi marcado pela Constituição de 1988, passando pelo Estatuto das Cidades até chegar na atual revisão da lei de parcelamento urbano. O decreto, conhecido como Lei de Responsabilidade Territorial, é o passo mais importante a ser dado para a gestão plena do território urbano brasileiro

O Projeto de Lei (PL) 3.057/00, denominado Lei de Responsabilidade Territorial Urbana, disciplina a regularização fundiária e o parcelamento do solo nas cidades. Atualmente, o PL tramita na Câmara dos Deputados em regime ordinário.

Este assunto foi bastante debatido no Congresso de Cadastro Técnico Multifinalitário e Gestão Territorial (COBRAC 2006), realizado entre os dias 15 a 19 de outubro em Florianópolis. Uma das conclusões do congresso prevê que o ano de 2007 será um marco no cadastro técnico multifinalitário brasileiro, principalmente a partir da aprovação final da Lei de Responsabilidade Territorial Urbana.

Fruto de um processo de intensos debates entre vários segmentos da sociedade, o projeto de lei teve contribuições do poder público, cartórios e registradores, movimentos populares e ONGs, além de entidades representativas dos setores imobiliário e da construção civil.

Um aspecto importante se refere ao avanço na área registral. O princípio da concentração dos dados na matrícula levará à desburocratização e proporcionará maior facilidade de acesso aos financiamentos imobiliários. Informações sobre limitações legais, administrativas e convencionais (urbanísticas, ambientais, etc.) do imóvel ficarão centralizadas em um único documento. Outro avanço é a facilidade de registro, que vai proporcionar mais segurança para os empreendedores.

As principais novidades do texto são:

• Definição das responsabilidades na implantação de infra-estrutura nos parcelamentos urbanos;
• Simplificação do processo de aprovação dos loteamentos, por meio de uma licença integrada que substitua as licenças urbanística e ambiental;
• Estabelecimento de normas específicas para a regularização fundiária e registro imobiliário, com a criação de novos instrumentos;
• Compatibilização dos loteamentos com a legislação ambiental;
• Ampliação e ajuste das penalidades sobre o tema.

Revisão do projeto

Vários setores da sociedade organizada estão elaborando uma revisão do PL 3.057/00, que permita melhorar a oferta de lotes regulares e urbanizados para a população, agilizar e integrar os processos de licenciamento ambiental e urbanístico, além de construir um quadro legal que permita fazer a regularização fundiária dos lotes.

Assim como a Lei 10.267/01 do Incra revolucionou o cadastro técnico rural, com a definição da precisão posicional e de métodos nos levantamentos, a nova lei vai transformar a regularização fundiária urbana, com normas bem definidas e amparo legal.

Antes da lei de georreferenciamento de imóveis rurais, o cadastro técnico nunca tinha sido obrigatório para o registro imobiliário. Uma das medidas propostas no COBRAC foi a criação de uma instituição responsável pelo cadastro urbano brasileiro, nos mesmos moldes do Incra, que poderia ser denominada, por exemplo, de Instituto Nacional de Planejamento Urbano (INPU). Essa instituição ficaria responsável pela definição de normas técnicas sobre precisões posicionais dos levantamentos, além dos métodos e técnicas de posicionamento.

Para o cadastro legal é importante adotar como limites definidores do imóvel urbano as coordenadas dos seus vértices, referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro assim como foi estabelecido para os imóveis rurais. Porém, como as áreas urbanas têm características diferentes, os métodos de levantamentos com equipamentos GNSS devem ser revistos em relação à norma do Incra, devido às dificuldades de se obter constelações de satélites adequadas e pelo problema de multicaminhamento dos sinais.

Algumas discussões já foram iniciadas para a definição de detalhes técnicos sobre a execução e implantação de um cadastro urbano. A partir desses debates serão definidos os métodos de demarcação dos limites dos imóveis, a precisão mínima necessária e quem serão os profissionais responsáveis pelos levantamentos.

A regularização fundiária no Brasil em números:

12 milhões de domicílios são irregulares;
120 bilhões de reais seriam injetados na economia com a regularização desses imóveis;
90% do PIB brasileiro é produzido nos centros urbanos;
80% da população vive nas cidades.
Fonte:IRIB

Conferência das Cidades

A VII Conferência das Cidades aconteceu de 12 a 14 de dezembro de 2006, em Brasília, com organização da Câmara dos Deputados em parceria com o Ministério das Cidades, a Frente Nacional de Prefeitos, a Caixa Econômica Federal e demais entidades que estudam a reforma urbana no país.

Os debatedores do painel sobre o PL 3.057/00 foram unânimes em considerar o projeto um instrumento fundamental para aumentar a oferta de habitação, garantir a segurança jurídica e diminuir o custo transacional das operações imobiliárias, através da concentração das informações no Registro de Imóveis.

Ao final do evento, os participantes concluíram que deve haver pressão popular para que o projeto seja aprovado pelos deputados e para que o mesmo seja enviado rapidamente ao Senado. É fundamental que o PL 3.057 seja finalizado na Câmara o mais breve possível e que os pontos polêmicos sejam discutidos no Senado.

Sistema Nacional de Informações das Cidades

O principal programa de Cadastro Técnico Multifinalitário em andamento no Brasil é o Sistema Nacional de Informações das Cidades (SNIC), uma iniciativa do Ministério das Cidades e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

A partir deste ano, administrações municipais passarão a receber do Ministério das Cidades um software que integra um banco de dados com indicadores sócio-econômicos a imagens de satélite de alta resolução espacial. O sistema vai possibilitar que os gestores municipais avaliem os setores que mais precisam de intervenção, e identifiquem no mapa os pontos e áreas de interesse.

O software, uma versão turbinada do TerraView do INPE chamada GeoSNIC, permitirá fazer consultas ao banco de dados sócio-econômicos do Sistema Nacional de Informações Urbanas (SNIU), com 757 indicadores para todos os municípios, integrado com as imagens de satélites. A intenção do Ministério das Cidades é que todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, que por lei precisam fazer o Plano Diretor, usem o GeoSNIC.

Além de auxiliar o trabalho da prefeitura, a implantação da ferramenta aumentará a transparência na administração pública, já que qualquer pessoa com acesso à internet poderá verificar como está o andamento de obras. Os internautas poderão consultar, através do sistema, bases de dados do Ministério das Cidades e os mapas feitos pelas próprias prefeituras.

Apesar de as imagens de satélites de alta resolução espacial serem imprescindíveis para o sistema, o Ministério ainda não garantiu que elas serão fornecidas gratuitamente para todos os municípios. É provável que seja feita uma licitação para a compra das imagens, devido ao alto custo das mesmas.

No COBRAC foi relatado um caso ocorrido em Portugal, onde foram compradas imagens de alta resolução espacial a 40 dólares o km2, resultando em um investimento de 340 milhões de dólares. O valor não é tão alto se comparado às vantagens obtidas com o uso de imagens atualizadas do território.

Para ensinar os servidores das prefeituras a utilizar o GeoSNIC, o Ministério iniciou este ano um plano de capacitação, para treinar dois técnicos de cada município. A idéia é que eles orientem os demais funcionários que utilizarão o sistema. Os técnicos escolhidos viajarão até Brasília para fazer o treinamento.

É importante que o projeto do SNIC tenha continuidade, pois o cadastro não é um projeto com início, meio e fim, mas sim uma ferramenta que deve ser alimentada periodicamente.

A Lei de Responsabilidade Territorial pode ser comparada à Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, que criou uma nova cultura na gestão dos recursos públicos e incentivou o acompanhamento do contribuinte no processo de aplicação dos recursos públicos.

Com o melhor planejamento municipal, cidades de pequeno, médio e grande porte podem ampliar sua arrecadação com impostos urbanos, melhorar o planejamento municipal e fiscalizar o uso e parcelamento do solo, além da otimizar o uso de recursos e equipamentos urbanos.

Fases de implantação do SNIC
Fases de implantação do SNIC

A Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República (SEDU/PR) está investindo R$ 1,3 milhão no Sistema Nacional de Informações das Cidades

Com a nova lei espera-se uma grande participação popular quanto à regularização fundiária, pois é do interesse de toda a sociedade que exista um registro eficiente dos imóveis no Brasil. O setor de cartografia também terá um grande aquecimento devido à necessidade de levantamentos precisos dos imóveis urbanos.

O grande desafio brasileiro é a construção de um sistema nacional de desenvolvimento urbano, através de uma política séria de sustentabilidade urbana e de gestão territorial.

Este ano configura-se como uma ótima oportunidade para que os projetos sejam levados adiante, pois não há eleições e também porque já existem várias cidades com os planos diretores prontos ou em andamento, que podem ser ajustados à Lei de Responsabilidade Territorial.