Por Fernando Dias Pereira

Neste último século o mundo passou por experiências que provocaram grandes alterações na vida das pessoas, experiências resultantes do avanço tecnológico. Tivemos muitas coisas boas que auxiliaram as pessoas em suas atividades diárias, desde as mais corriqueiras até as mais sofisticadas, mas também tivemos muitas coisas ruins, como a devastação acelerada das florestas, exploração desenfreada do meio ambiente, desemprego e outras, decorrentes, inclusive, do mau uso da tecnologia.

Neste contexto, já nos acostumamos a encarar os acontecimentos tecnológicos, os avanços da ciência, de forma normal. Às vezes como se já fosse óbvio. Com toda a tecnologia que temos ao nosso dispor hoje, é natural que tenhamos essa tendência futurista. E isso é muito saudável, proporciona que as pessoas estejam sempre em busca do melhor e se superem. Na área das Geotecnologias temos experimentado também inúmeros avanços: distanciômetros eletrônicos, ploters, sistemas de posicionamento por satélite que revolucionaram os métodos de navegação e de obtenção de coordenadas, sistemas fotogramétricos e muitos outros. Sem dúvida tudo isso teve como elemento catalisador o computador, que proporcionou o processamento de informações num volume cada vez maior e mais rápido.

Desde que se descobriu, olhando lá de fora, que a Terra é azul, tem-se perseguido, seja para fins pacíficos como bélicos, o desenvolvimento dos sistemas de imageamento a partir de veículos em órbita terrestre. Como projetos de grande sucesso, além dos sistemas de satélites meteorológicos, temos ainda hoje os sistemas LANDSAT e SPOT em operação, os quais nos fornecem imagens espetaculares da Terra. O que tem permitido o mapeamento de inúmeras regiões e, consequentemente, proporcionado o desenvolvimento e planejamento das atividades humanas nos mais variados campos.

Até então os sistemas LANDSAT e SPOT têm se prestado ao mapeamento em escalas pequenas de 1:50.000, 1:100.000 e menores, pois suas resoluções não permitem um detalhamento em escalas maiores. Quando foram lançados, da mesma forma que todo e qualquer grande avanço científico, se vislumbrou de imediato verdadeiros milagres. Tivemos em nossas mãos um boletim informativo, de cunho científico, em cujo editorial preconizava que se poderia ver placas de automóveis a partir destas imagens, o que era sem dúvida um absurdo, pois a melhor resolução com que se contava era de 10 metros.

Com o tempo foi se descobrindo os limites de utilização que a resolução destas imagens permitiam, não se podia identificar placas de automóvel, mas permitiam identificar culturas agrícolas, áreas de florestas, manchas urbanas, grandes massas dágua, avanço do desmatamento, queimadas e muitos outros elementos. Já com aquele toque futurista, a comunidade cartográfica, desde o surgimento desses primeiros sistemas de imageamento, esperava sistemas que oferecessem imagens com maior resolução, que permitissem a identificação de detalhes menores no solo e consequentemente o mapeamento em escalas maiores. Esta expectativa veio a se concretizar recentemente com o sucesso do lançamento do sistema IKONOS. É bom fazermos justiça aqui e citarmos as imagens SOJUS, as quais tinham uma resolução da ordem de 5 metros, espetaculares, entretanto tinham o inconveniente de não serem digitais.
A comunidade tem esperado contar com imagens que permitam o mapeamento em grandes escalas, 1:2.000 e 1:1.000, expectativa proporcionada principalmente pela divulgação na mídia de resoluções e precisões a serem alcançadas e de imagens de muito boa qualidade, originadas de simulações a partir de fotos aéreas. Com as imagens IKONOS já disponíveis comercialmente poderemos agora realmente avaliar o potencial deste tipo de imagem, quais detalhes poderão ser identificados e com que precisão.

O que se tem perguntado com grande freqüência é o que acontecerá com a aerofotogrametria com o surgimento dessas imagens. Entendemos que, assim como o surgimento do sistema GPS não fez com que o teodolito e o distanciômetro desaparecessem, pelo contrário, se desenvolveram ainda mais, o mesmo ocorrerá com a aerofotogrametria. A foto aérea tem sua aplicação e as imagens orbitais também. A tendência é que no futuro se obtenha imagens a partir do espaço com uma nitidez tão boa quanto à de uma foto aérea de grande escala. Talvez neste dia já não faça mais sentido a tomada de fotos aéreas e se passe a utilizar imagens orbitais.

O que já percebemos com essa primeira experiência do IKONOS é que realmente temos à nossa disposição uma imagem com uma resolução muito boa, entretanto ainda não foi testada o suficiente para se determinar seus limites de utilização. O que já constatamos é o problema da tomada de imagens isentas de nuvens. Nesse aspecto, o sistema não é tão versátil como a tomada de fotos aéreas com uma aeronave, pois passa imageando sistematicamente em torno da Terra independente de haver ou não nuvens. Assim, poderá existir um problema de prazo até que se tenha uma imagem em condições de uso, o que não ocorre com a foto aérea, onde a equipe de vôo está sempre à postos para fotografar assim que o céu estiver limpo e no horário mais indicado.

Um outro aspecto é no tocante ao custo. O preço das imagens IKONOS aqui no Brasil é da ordem de R$ 75,00 a R$ 100,00 por quilômetro quadrado (sem estereoscopia), o que é superior ao preço da fotografia aérea correspondente à mesma resolução de 1 metro, ou seja, na escala 1:30.000 ou 1:40.000, cujo preço fica da ordem de R$ 40,00 por quilômetro quadrado. A partir de fotos aéreas nessas escalas, a escala do mapa a ser gerado por estereorestituição deverá ficar em torno de 1:10.000, considerando que se queira uma cartografia com padrão de precisão classe "A".

Assim como o ocorrido com as imagens LANDSAT e SPOT com sua utilização foi se descobrindo seus potenciais acredito que o mesmo ocorrerá com o IKONOS e outros sistemas imageadores de alta resolução que surgirão: somente com sua utilização é que se estabelecerão naturalmente os seus limites.

Utilizamos e continuaremos a utilizar imagens LANDSAT e SPOT, utilizamos e continuaremos a utilizar fotos aéreas por muito tempo e vamos sim utilizar o IKONOS e todas as imagens de melhor resolução que surgirão no mercado. Entretanto, devemos respeitar as limitações de cada ferramenta e os preceitos da boa técnica. Podemos imaginar que existem milagres, mas devemos sempre desconfiar deles.

Fernando Dias Pereira
é Engenheiro Cartógrafo, Gerente Comercial da Esteio Engenharia e Aerolevantamentos S.A.
E-mail: esteio@mps.com.br