Fui convidado a escrever esta coluna há pouco mais de três anos atrás. Me lembro bem do telefonema do Emerson me contando os planos para a nova revista e do espaço reservado para o uso do Geo na Internet. Eu disse ao Emerson que gostaria imensamente de escrever, mas teria de ser via Internet porque eu estava me mudando para os Estados Unidos – para fazer o doutorado no Departamento de Ciência da Informação Espacial da Universidade do Maine (www.spatial.maine.edu). Pois funcionou, a Internet não me proporcionou apenas a possibilidade de enviar minhas colunas, mas também a possibilidade de manter contato com o Brasil este tempo todo. O assunto da coluna variou um pouco saindo às vezes do tema central, o Geo e a Internet, mas sempre mantendo o vínculo com um dos dois. Nestes três anos eu consegui me formar, a revista vai indo bem e já está iniciando seu quarto ano.
Nestes três anos mantive contato com o que há de mais avançado em pesquisa na área de modelos computacionais para sistemas de informações geográficas (SIGs). O que se pesquisa aqui no departamento são os modelos que estão por trás dos futuros softwares de Geo. Minha pesquisa de doutorado foi sobre o uso de ontologias para a integração de informações geográficas. Ontologias são formalizações das visões de mundo das pessoas. Eu criei um ambiente para que grupos de usuários de Geo possam especificar estas ontologias e integrá-las pouco a pouco. O resultado da integração é o que existe em comum nas ontologias. Estas ontologias estão ligadas a fontes de informação geográficas. Quando integramos as ontologias estamos indiretamente integrando as informações geográficas. O texto completo da tese está em www.spatial.maine.edu/~fred. A chilena Andrea Rodríguez que terminou seu doutorado aqui em 2000, também trabalhou com ontologias. Andrea desenvolveu uma metodologia para se avaliar a similaridade entre duas ontologias (www.inf.udec.cl/~andrea/).
O Departamento de Ciência da Informação Espacial da Universidade do Maine tem ligações especiais com o Brasil. João Paiva do INPE terminou seu doutorado aqui em 1998 com a tese " Topological Equivalence and Similarity in Multiple Representation Geographic Databases". Já visitaram o Maine Ubirajara Freitas, Virginia Correa, e Marisa Mota, todos do INPE. Está em andamento um projeto conjunto Maine/INPE: "Interoperabilidade em Sistemas de Informação Geográfica". O objetivo é o desenvolvimento de técnicas para integrar diferentes ambientes de Geoprocessamento. O projeto é financiado conjuntamente pelo CNPq no Brasil e pelo NSF no Estados Unidos. Participam também deste projeto os grupos de pesquisa em geoprocessamento do IC/UNICAMP e do TECGRAF/PUC-RIO. Marcelo Tílio do TECGRAPH esteve visitando o departamento em outubro do ano passado. Gilberto Câmara (http://www.dpi.inpe.br/gilberto/) do INPE também esteve aqui na mesma época. Como resultado da visita de Gilberto nós temos 3 artigos. Dois deles tratam do uso de ontologias relacionados a imagens de satélite. O artigo "Whats in Image" dá as linhas gerais do que seria uma ontologia de imagens. O outro é "Using Ontologies for Integratéd GIS" que trata do uso de ontologias na integração de dados vetoriais e matriciais. Esta artigo também faz parte de uma pesquisa financiada pela NASA. O terceiro artigo "Semantic Granularity in Ontology-Driven Geographic Information Systems" trata da manipulação de objetos geográficos com diferentes níveis de granularidade semântica. A descrição detalhada do projeto está em http://www.dpi.inpe.br/nsf-cnpq/. Eu terminei meu doutorado e vou deixar o Maine, mas a tradição é mantida com mais um brasileiro, Jorge Campos, da UNIFACS da Bahia – que está fazendo seu doutorado em modelos de realidade virtual para SIGs (http://www.spatial.maine.edu/~jorge/). Jorge usa o laboratório de realidade virtual do departamento que conta com um aparelho de simulação de realidade virtual, IMMERSADESK, acoplado a uma estação de trabalho SUN.
Uma das linhas de pesquisa do departamento que tem dado resultados muito interessantes é sobre novos métodos de interação com SIGs. As pessoas usam simultaneamente diversos canais de comunicação para falar sobre direções geográficas. O famoso desenho no guardanapo do bar, na sexta feira à noite, para explicar como se chegar ao churrasco de sábado de manhã, é um bom exemplo. Como já expliquei em colunas anteriores vamos desenhar estes esboços em telas sensíveis de palmtops ou mesmo na mesa do restaurante, quem sabe. É este tipo de pesquisa de vanguarda que se faz por aqui. O primeiro resultado foi dado pela pesquisa de Andreas Blaser criador do protótipo "Consultas Espaciais através de Esboço" (Spatial Query by Sketch-SQBS). O projeto compara o esboço contra um banco de esboços e mostra em uma janela a lista dos resultados mais similares. A ordem em que os esboços são feitos, seu arranjo topológico, seu posicionamento com relação às direções, e a semântica são levados em consideração na busca de desenhos similares. O protótipo pode ser obtido na página do projeto http://ncgia.spatial.maine.edu/~abl/SQBS/. Vale a pena instalar o programa e testar. É necessário ter o sistema operacional Windows 95 ou mais recente. Um desdobramento desta pesquisa é o uso deste sistema em palmtops em desenvolvimento. Imagine uma situação em que você se lembra de onde esteve e quer saber ou comunicar a alguém onde é este lugar, você pode desenhar o esboço das coisas que você se lembra do lugar, nomes de ruas ou praças, tudo na tela do palmtop que conectado à Internet pesquisa em bancos de dados geográficos para achar os prováveis lugares. Você pode folhear um a um até achar qual é o certo.
Ainda na linha de pesquisa de novos métodos de interação com dados geográficos nos temos duas continuações. Uma estuda o uso da linguagem falada na interação com mapas, ou seja, falando com mapas. A outra é o estudo do uso de gestos na comunicação de direções. Imagine daqui a alguns anos você conversando com seu computador: imprima aquele arquivo ali. O computador responde: qual? Este aqui? Você fala: não, este mais em cima. Este exemplo ilustra bem o uso de metáforas espaciais em nossa linguagem do dia a dia.
Uma outra linha de pesquisa interessante é a mineração de dados geográficos. A mineração de dados é a pesquisa e extração de informações de grandes repositórios de dados. É claro que hoje o maior e mais interessante repositório é a Internet. A pesquisa e as conseqüentes soluções que vão aparecer ainda estão apenas no início. Existem dados com características geográficas na Internet tanto no formato gráfico (imagens, mapas, dados vetoriais) como no formato textual (um guia turístico digital descrevendo a localização de um hotel). É preciso desenvolver ferramentas para se pesquisar e exibir os resultados destes trabalhos. Isto implica em ler dados em diferentes formatos e avaliar seu significado e importância para o usuário. A obtenção de informações geográficas a partir de dados puramente descritivos (estes abundantes na Internet) é também bastante interessante.
O Maine vai me deixar muitas lembranças boas. O departamento continua como uma boa referência para quem quer se manter atualizado sobre o que é mais atual na pesquisa de SIGs. A página do departamento (www.spatial.maine.edu) leva aos professores e alunos, e suas publicações mais recentes. Gostaria de usar meu espaço nesta coluna para agradecer aos meus amigos (muitos deles através desta coluna) pelo apoio nestes últimos três anos. Através da Internet estivemos sempre em contato. Gostaria de agradecer também ao professor Max pelo apoio acadêmico e pela oportunidade. As bolsas de estudos do NSF, NASA, ESRI e Lockheed Martin foram fundamentais para a conclusão de meu doutorado. Também não posso esquecer os meus amigos da Prodabel que me ajudaram sempre, principalmente João Crispim que ilustra esta coluna e minhas apresentações. E da própria Prodabel que através de seu suporte ao meu mestrado me possibilitou chegar aqui.
Frederico Fonseca é engenheiro mecânico, tecnólogo em Processamento de Dados e mestre em Administração Pública. Participa da equipe de geoprocessamento da Prodabel, responsável pela implantação do GIS da Prefeitura de Belo Horizonte. Atualmente cursa doutorado na Universidade do Maine. email: fred@spatial.maine.edu