Nesta entrevista inédita Roberto Falco fala das perspectivas para o mercado de Geoinformação – que migra de um âmbito restrito para assumir um conceito mais amplo, de Tecnologia de Informação. Roberto Falco é Gerente de Aplicações para os mercados de Utilities/Telecom e Segurança Pública na Sisgraph LTDA(líder e principal fornecedora de tecnologia Geoespacial no mercado brasileiro), onde tem atuado na implantação de soluções de GeoTI nos últimos cinco anos, e membro da GITA (Geospatial Information Technology Association) desde 1998

infoGEO – Como a Geoinformação está inserida no mercado da TI (Tecnologia da Informação) no ambiente corporativo ?

Roberto Falco – Eu ainda vejo a Geoinformação, infelizmente, como uma ferramenta inexplorada no ambiente corporativo. Apesar de sabermos que cerca de 70% de toda a informação que é utilizada no ambiente corporativo tem um prisma geoespacial, este ainda é um aspecto desconsiderado pelas ferramentas de análise utilizadas cotidianamente. Os bancos de dados corporativos desprezam esta informação, e as equipes de TI tradicionais pouco fazem para mudar este estado de coisas.

Entretanto, algumas iniciativas interessantes têm tentado romper com este paradigma. Na área de telecomunicações sinto que já existe uma consciência das vantagens do Datawarehouse Geospacial, principalmente em função dos estudos de mercado e demanda que estas empresas realizaram nos últimos anos, como parte do processo de implantação da competição no setor. Tenho conhecimento também de iniciativas semelhantes no setor de energia, e o Geomarketing parece ser uma moda que veio para ficar. São indícios que esta situação está prestes a ser mudada.

InfoGEO – Qual o estágio atual de aculturamento e uso da GeoTI nas empresas brasileiras ? Trace um comparativo a nível mundial.

Roberto Falco – Falta muito para aculturarmos o profissional brasileiro no uso da Geoinformação. É interessante que este foi assunto de uma discussão recente minha com um Gerente de Projeto envolvido na implantação de tecnologia Geoespacial em uma importante empresa do setor elétrico. Ele é o responsável por um dos maiores projetos em andamento hoje no Brasil utilizando tecnologia Geoespacial, gerenciando uma equipe de mais de 100 profissionais, entre funcionários da empresa de eletricidade e consultores.

Ele me dizia, com muita propriedade, que enquanto encontrarmos nos congressos do setor as mesmas pessoas de sempre, discursando sobre os mesmos projetos de sempre, o mercado não decolará. Ele argumentava que temos que popularizar a tecnologia, incluindo cadeiras de Geoprocessamento no ensino médio e até no ensino fundamental, para formarmos as gerações de profissionais que no futuro, verão a Geoinformação simplesmente como mais uma ferramenta a seu dispor, e não como um assunto para especialistas.

Isto já foi feito no exterior há algum tempo, principalmente nos Estados Unidos, trazendo enormes vantagens para o mercado como um todo. Cito como exemplo a instituição do "GIS Day", um dia por ano dedicado à divulgação da tecnologia para a população em geral. Neste dia, as comunidades nos Estados Unidos se organizam para realizar milhares de mini-eventos dedicados à tecnologia Geoespacial em escolas, centros comunitários e outros centros culturais. Profissionais com experiência na área, oriundos de empresas e organizações governamentais usuárias ou comercializadoras da tecnologia, realizam palestras e demonstrações para este público leigo, mostrando o quanto podemos ganhar no dia-a-dia com estas ferramentas, e desmistificando o seu uso. Os benefícios de médio e longo prazo são enormes, como você pode deduzir. Alguns países Europeus e da Ásia também já fazem o mesmo.

InfoGEO – O usuário de geoinformação no Brasil ainda está em busca de automatizar a parte cartográfica, ou já passou para a fase do uso da geoinformação como ferramenta associada à TI na área de gestão de negócios ?

Roberto Falco – Eu vejo que o estágio da cartografia pura já passou faz algum tempo, principalmente nos setores que eu mais atuo, ou seja, Energia e Telecomunicações. É importante ressaltar entretanto uma diferença entre aqueles setores que sempre fizeram uso de mapas para suportar seus processos de negócio, e aqueles para os quais o mapa mais familiar era o guia de ruas da cidade.
Os primeiros, apesar de precursores do uso da tecnologia, tem uma tendência de usar as ferramentas novas da mesma velha maneira que usavam as ferramentas até então disponíveis. A resistência em mudar processos e vencer paradigmas é muito grande, e foi aí que este dilema dos mapas digitais "bonitinhos mas ordinários", ou seja, cartografia digital ao invés de processos de negócio geoespacialmente suportados, mais se fez presente.

Já no segundo caso, a tecnologia Geoespacial veio como uma ferramenta nova para suportar novos métodos e práticas, revolucionando processos de negócio até então suportados por ferramentas que não levavam em conta o prisma Geoespacial. Estes são os melhores exemplos desta nova forma de explorar a tecnologia. Pena que ainda sejam tão poucos e raros.

InfoGEO – Os congressos e feiras do setor, no Brasil, estão atendendo às expectativas das empresas do setor com eventos geradores de negócios ?

Roberto Falco – Infelizmente não. Entendo que o mercado de Geoinformação no Brasil tem lugar para somente uma feira e congresso anual, que deve ser replanejado quanto ao publico alvo e forma de divulgação. Já existem gestões entre os principais agentes do mercado no sentido de reestudar este problema.

InfoGEO – Como o mercado de empresas do setor poderia ficar mais organizado, para, em conjunto, lutar por uma maior ampliação dos negócios ?

Roberto Falco – É justamente neste sentido que esperamos nos organizar em curto prazo. Existem conversações sendo encaminhadas para organização das principais empresas do setor no sentido de fomentar o desenvolvimento do mercado, influir na organização dos eventos setoriais e com isso trazer vantagens para todos, provedores de tecnologia e usuários. Tudo é muito incipiente, já que nunca houve nenhum movimento neste sentido. Todos os setores organizados da economia tem uma associação de classe, e isto nunca foi cogitado pelos fornecedores de GeoTI. Espero que tenhamos novidade já durante a realização do GeoBrasil 2001.

InfoGEO – No último evento da GITA, um dos mais importantes do mundo na área de geoinformação, realizado em março em San Diego/EUA, pode-se notar uma predominância de casos relatadas por empresas e uma diminuição da área acadêmica, bem como um crescimento do número de empresas de soluções na feira. Esta é um tendência geral e irreversível, ou foi só um fato isolado ?

Roberto Falco – Sou membro da GITA desde 1998, e participei dos últimos quatro congressos nos EUA. Esta é na verdade uma característica daquela associação, que devemos perseguir aqui no Brasil, sem sombra de dúvida.

A GITA se sustenta basicamente em torno de três pilares: os membros individuais (pessoas físicas assim como eu), os membros corporativos da comunidade de usuários (grandes empresas usuárias da tecnologia, basicamente dos setores de energia e telecomunicações) e os membros corporativos da comunidade dos provedores de tecnologia e serviços. Estas três forças se contrabalanceam no sentido de atender a dois objetivos principais: o fomento do mercado e a missão educacional da associação para com seus membros.

O Congresso anual é o ápice da realização destas duas missões principais. O programa de palestras, seminários e cursos visa permitir aos membros usuários corporativos diminuir seus custos com treinamento de seus funcionários; aos membros usuários individuais ter contato com a última palavra em tecnologia na área, e aos membros provedores de tecnologia e serviços coletar novos requisitos e necessidades de mercado, de uma maneira organizada e sistêmica. A Feira de negócios associada ao Congresso é a oportunidade de desenvolvimento de negócios e do mercado, onde todos os principais agentes do mercado lançam seus novos produtos, serviços e tecnologias, com a visibilidade adequada.
É important ressaltar isto: o principal objetivo da GITA é educacional, mas uma deducação voltada aos objetivos dos seus membros corporativos, ou seja, fortemente calcada na aplicação da tecnologia como ferramenta de suporte aos processos de negócio das empresas da área de infra-estrutura. Associado ao suporte corporativo de empresas como Intergraph, GE Smallworld e ESRI, do lado dos vendedores, e Detroit Edison, Bell South, Pacific Gas & Electric, entre outras, do lado dos usuários, esta é a chave do sucesso da associação.

InfoGEO – Nos parece que o usuário, principalmente o corporativo, como uma prefeitura, uma empresa de infra-estrutura e as grandes empresas em geral, estão cansados de comprar produtos isolados, como mapeamentos, GPS, softwares, treinamento, hardware, e depois precisarem integrar tudo.

Roberto Falco – Estão buscando reduzir etapas e partir diretamente para a compra de uma solução completa e integrada que atenda toda a instituição, envolvendo todos os setores e incluindo o uso do banco de dados corporativo. É o fim dos projetos piloto, e de sistemas GIS isolados em secretarias, ou departamentos, é a vitória definitiva da TI – Tecnologia de Informações para uso de todos na empresa ? Você pode ter certeza que ninguém mais deseja que esta sua afirmação seja verdadeira do que nós, provedores de soluções. Realmente, vejo que o nível de maturação da tecnologia e dos requisitos dos usuários, tanto em relação à funcionalidade quanto ao tempo de duração dos projetos, leva ao caminho apontado por você. Alguns projetos recentes, como a empresa de eletricidadec que citei anteriormente, a Intelig e a GVT na área de telecomunicações, iniciativas do INCRA e do IBGE, entre outras, demonstram isto na prática.

Tenho certeza que daqui para frente iremos acompanhar cada vez mais estes grandes projetos, verdadeiras parcerias entre o cliente e o provedor de solução. Neste ambiente, somente sobreviverão aqueles com estrutura de gerenciamento de projetos, equipes multifuncionais de alta qualidade e com suporte tecnológico de primeira linha, consolidado através de parceria com os principais fornecedores internacionais de tecnologia Geoespacial.