A maioria dos usuários no resto do mundo optou pelos equipamentos de duas freqüências em tempo real o RTK

A tecnologia GPS, com os seus 20 anos de existência, definitivamente alcançou a sua maturidade. O mundo todo utiliza os seus benefícios, nas mais variadas áreas de aplicações, e com muito sucesso. Vide Figura 1. Nota-se, nessa figura, que a área de Mensuração, com apenas 4% do total de aplicações, está longe de ser prioritária. Mesmo assim, uma série de inovações têm sido realizadas nesse setor para aumentar a eficiência e a facilidade do uso do GPS. Neste artigo ressalto a tecnologia GPS Tempo Real – RTK.

No Brasil, o uso da tecnologia GPS tomou um rumo distinto do resto do mundo. Alguns aspectos importantes parecem ter sido relevados pelos usuários brasileiros e, por isso, nos encontramos em uma situação de uso dessa tecnologia ímpar em relação aos demais usuários. A razão pela qual nos encontramos nessa situação é controversa. Certamente existem várias razões para tal fato, mas que fogem dos objetivos deste artigo.

O Brasil optou pelo uso de receptores GPS de uma freqüência, enquanto que a maioria dos usuários no resto do mundo optou pelos equipamentos de duas freqüências em Tempo Real – RTK. À primeira vista, a diferença de preço entre esses dois equipamentos parece ter sido o fator decisivo. Em termos absolutos, essa afirmação é certamente verdadeira. Em termos relativos, porém, quando se analisam outros aspectos, verifica-se rapidamente que a realidade pode ser outra. Sem dúvidas, um equipamento GPS de duas freqüências RTK é mais caro e alcança preços que variam de 2,5 a 3 vezes o preço de um equipamento GPS de uma freqüência. Mas a produtividade e a segurança dos resultados são incomparáveis.

Quais são as principais diferenças entre um GPS de uma freqüência e um GPS de duas freqüências Tempo Real – RTK?

O funcionamento de um GPS de uma freqüência, em medições para pós-processamento, é um assunto praticamente conhecido por todos os técnicos envolvidos com a área de Mensuração. A sua característica básica é o uso de um receptor de referência e de um receptor remoto. Ambos rastreando os mesmos satélites e gravando dados durante um espaço de tempo determinado. Vide Figura 2. Os dados brutos gravados em cada receptor são posteriormente processados por um programa aplicativo adequado. Um receptor desse tipo alcança precisões da ordem de +/- 10mm + 2ppm para distâncias até 20 km, com um tempo de medição que varia de 12 a 25 minutos, dependendo do fabricante. Dependendo também do fabricante, essa mesma precisão pode ser alcançada em medições cinemáticas e stop and go, onde o tempo de medição varia entre 12 a 25 minutos para o primeiro ponto e de apenas alguns segundos para os demais, desde que se garanta a continuidade do rastreio. Em caso de perda do sinal, deve-se começar uma nova cadeia de medição. Esse reinício pode ser feito sobre um ponto de coordenadas conhecidas ou novamente com 12 a 25 minutos, se for feito sobre um ponto desconhecido. Na prática, esse procedimento de medição tem se mostrado adequado nas áreas amplamente descobertas e com poucos obstáculos, aonde a perda de sinal não é freqüente. Se a área de trabalho acarretar em perdas sucessivas de sinal, o tempo de medição pode ser muito grande e inviabilizar o trabalho.


Figura 2 – Esquema de funcionamento de um sistema GPS pós-processado

O funcionamento de um receptor de dupla freqüência em tempo real RTK é sensivelmente diferente. Mantém-se a mesma condição de se usar um receptor de referência e um receptor remoto, ambos rastreando os mesmos satélites, porém, a semelhança acaba aí. Ao contrário dos sistemas GPS pós-processados, o GPS em tempo real possui um rádio modem transmissor incorporado ao receptor da base, o qual transmite informações de correções da base para o receptor remoto. Vide Figura 3. O receptor remoto recebe as correções via rádio e processa as informações em tempo real. O resultado é que o operador passa então a ter em mãos, ainda no campo, as informações de posicionamento com uma precisão da ordem de 1 cm na horizontal e de 2 cm na vertical. Vide Figura 4. E o mais incrível é que essa informação de posicionamento é atualizada com uma freqüência de 10 Hz, ou seja, uma posição a cada décimo de segundo, dependendo do fabricante.


Figura 3 – Esquema de funcionamento de um sistema GPS tempo real


Figura 4 – Indicação, no visor de um GPS tempo real RTK, das coordenadas e da precisão da posição.

A disponibilidade das coordenadas em tempo real disponibiliza uma gama enorme de possibilidades para o uso do GPS na Mensuração. A mais evidente é a implantação de pontos, à qual pode ser adicionada a implantação de malhas, linhas e rampas. Tem-se também o recurso de implantar pontos considerando a existência de um DTM de projeto, como indicado na Figura 5. Coordenadas conhecidas significa também a disponibilidade do uso de funções COGO no campo, como por exemplo, o cálculo de azimutes, pontos lançados, interseções, offsets e muitos outros. Além disso tudo, é claro, adiciona-se o recurso do levantamento de pontos em tempo real, ou seja, o levantamento de pontos GPS sem a necessidade do pós-processamento e com o conhecimento da precisão de cada ponto levantado com uma confiabilidade de 99,99%. O levantamento dos pontos pode tanto ser automatizado em função do tempo como em função da distância, liberando o operador da tarefa repetitiva de apertar botões para as medições. Esse recurso é muito usado no levantamento de perfis e de seções transversais em obras de linhas de transmissão. A perda do sinal do satélite, que é o calcanhar de Aquiles para o GPS de uma freqüência, neste caso, tem pouca influência. O rastreamento dos satélites e a resolução da ambigüidade pode ocorrer em um tempo igual a 10 segundos, dependendo do fabricante.
Convenhamos, desprezível!


Figura 5 – Implantação de pontos GPS usando um DTM.

O leitor deve estar imaginando a infinidade de aplicações que podem ser incorporadas a esse recurso do tempo real. E muitas delas já estão sendo implementadas. É o caso dos sistemas para o controle de máquinas de terraplenagem e os sistemas para o controle do vôo aerofotogramétrico, já operacionais.

Como dificuldade do sistema, devo ressaltar a necessidade do uso de um rádio modem para a transmissão das correções entre a referência e o remoto. Depender de um rádio significa ter problemas de comunicação e de alcance. Essa dificuldade restringe, em muitos casos, a distância entre o remoto e a base. Mesmo assim, dependendo do relevo e dos obstáculos, a operação pode ser feita até o limite de 30 km, que é também o limite atual para a resolução da ambigüidade com pouco tempo de observação. Alguns fabricantes já oferecem também a possibilidade do uso de um telefone celular para substituir o rádio modem. Esse recurso, embora mais caro, permite que a operação do sistema não seja afetada pelos obstáculos.

Infelizmente eu não tenho dados precisos sobre a produtividade de um GPS tempo real RTK, comparado a um GPS de uma freqüência. Mas é fácil imaginar que a produtividade do primeiro excede a 2 ou 3 vezes a produtividade do segundo. A amortização do investimento é seguramente muito mais rápida. Por isso, não se enganem: essa é a tendência também para o Brasil!

Irineu da Silva é professor-doutor do Departamento de Transportes da EESC-USP. leicabr@attglobal.net