Diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) desde outubro do ano passado, o pesquisador Luiz Carlos Moura Miranda é um entusiasta da parceria entre instituições públicas de pesquisa e setor privado. Moura Miranda, 58 anos, é doutor pela Universidade de Oxford (1972) e, antes de assumir o órgão, atuava como professor na Universidade Estadual de Maringá. Miranda trabalhou em diversas instituições brasileiras e estrangeiras, entre elas a Universidade Federal de Pernambuco, Universidade de Brasília, Universidade de Campinas, Centro Técnico Aeroespacial, e no próprio INPE, além das universidades do Arizona (EUA) e de Concepcion (Chile). Nesta entrevista, ele fala sobre o Inpe, o programa CBERS e a criação dos fundos setoriais, iniciativa que permite maior aproximação entre empresas e instituições de pesquisa e desenvolvimento.

InfoGEO – Como começou o desenvolvimento de satélites no Brasil?

Luiz Carlos Miranda – Os primeiros satélites que fizemos eram pequenos, de coleta de dados. Esses satélites são muitos simples e apresentam plataformas que fazem medidas ambientais, como temperatura, em diferentes pontos. Eles simplesmente buscam informações das plataformas de coleta de dados e emitem sinais, que trazem esses dados e imagens para nossas estações coletoras. Esses satélites de coleta de dados são extremamente simples. Por isso, podemos considerar que o grande feito, o grande investimento que nós fizemos nesta área de satélites de sensoriamento remoto, foi o CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), que é um programa em parceria com a China. Através dessa parceria já foi lançado um primeiro satélite. No segundo semestre, será lançado outro, que é uma réplica do primeiro. Estaremos repondo o satélite, porque a vida útil do primeiro está chegando ao fim e não podemos ficar sem dados de observação da Terra.

InfoGEO – Como surgiu a cooperação com a China?

Luiz Carlos Miranda – A cooperação com a China teve vários aspectos. Inclusive, ainda hoje é considerada inusitada por muitas pessoas. Para aprender a gerenciar grandes projetos na área espacial, nós fomos buscar cooperação com a França. Isso foi início da década de 80, com a chamada Missão Espacial Completa Brasileira (MECB). Naquela oportunidade, parte do nosso pessoal foi para a França, e outra parte para o Canadá, já na fase de realizar a engenharia de grandes projetos espaciais. Depois deste período de treinamento, começamos a colocar nossa experiência em prática, com o programa em parceria com a China.

InfoGEO – Não teria sido melhor a parceria com um país mais desenvolvido?

Luiz Carlos Miranda – Não necessariamente. Para nosso primeiro grande projeto, depois dos satélites de coleta de dados, resolvemos firmar uma parceria não com uma nação dominante, de primeiro mundo, como Estados Unidos ou França, mas com uma nação terceiro-mundista com grau tecnológico complementar ao nosso. Isso foi um desafio muito grande. Porque com uma nação dominante a cooperação é diferente, se passa em uma outra escala. Nesse caso o que mais existe é compra, ao passo que numa nação igual você tem mais o lado da parceria. Acho que o aspecto técnico da cooperação foi ótimo. A parceria com os chineses foi extremamente proveitosa, tanto que agora estamos na fase de discutir os CBERS 3 e 4. Nos dois primeiros satélites, nós tivemos 30% da responsabilidade financeira e técnica. Já no 3 e 4, será tudo dividido em partes iguais.

InfoGEO – Como funciona o acordo com a China?

Luiz Carlos Miranda – Dentro do compromisso de arcar com 30%, o Brasil pagou, por exemplo, o lançador chinês. Mas o pagamento, principalmente nos primeiros anos, envolveu troca de mercadorias, venda de compressoras para geladeiras, enfim, era mais um comércio de troca. Agora a China está mudando o regime político, entrando na OMC (Organização Mundial do Comércio), etc., então os termos da parceria já são outros. No CBERS 3 e 4, cada país ficará responsável por metade dos recursos.

InfoGEO – O custo do desenvolvimento de novos satélites ficarão muito acima do que foi empregado no CBERS 1?

Luiz Carlos Miranda – Haverá um aumento porque teremos mais um imageador. No total, serão quatro imageadores dois desenvolvidos pelos chineses e os outros dois pelos brasileiros. No CBERS 1 e 2, eram três imageadores – dois da China e um do Brasil. O aumento do custo ficará por conta do desenvolvimento de mais um imageador brasileiro.

InfoGEO – De um modo geral, como o senhor avalia o setor de geoinformação brasileiro?

Luiz Carlos Miranda – Vejo que estamos passando por um processo, que envolve primeiro o governo. Novas formas de financiamento para pesquisa e desenvolvimento estão adquirindo um caráter mais permanente, algo que antes dificultava demais as iniciativas em pesquisa e desenvolvimento dentro das empresas. Hoje nós temos mais fontes de recursos.

InfoGEO – Como está se dando esta aproximação entre instituições de pesquisa e setor privado?

Luiz Carlos Miranda – Essa gestão do Ministério da Ciência e Tecnologia criou os fundos setoriais, que são a fonte de recursos que mencionei. Há um Fundo da Aeronáutica, um Fundo Espacial, Um Fundo de Telecomunicações, etc, todos eles são recursos destinados a atividades de pesquisa e desenvolvimento. Cada um dos setores tem um fundo, cujos recursos provém do IPI, isto é, da arrecadação de impostos do setor, da atividade econômica daquele setor. Quer dizer que você pode imaginar que, mesmo não existindo crescimento da economia em determinada área, ainda assim a fonte de recursos permanece a mesma. Se crescer, então, a fonte de recursos vai também estar crescendo. Com isso você concede uma estabilidade ao financiamento. Os Fundos Setoriais podem ser considerados como a primeira grande notícia ao financiamento de pesquisas.

InfoGEO – Além dos Fundos Setoriais, o governo está contribuindo para a aproximação entre pesquisadores e empresários?

Luiz Carlos Miranda – Sim, temos também o Fundo Verde e Amarelo, que é indicado para financiamento entre empresas e instituições do governo. Por exemplo, empresas do setor de geoinformação, de geoprocessamento, que queiram realizar desenvolvimentos específicos, podem se associar a um instituto como o Inpe, ou qualquer outro, como a Embrapa, etc, e ir buscar recursos com o governo para o desenvolvimento conjunto. E ainda há a Lei da Inovação, que está para ser promulgada em breve. Esta lei vai garantir a propriedade intelectual de forma a dar um ordenamento, além do incentivo fiscal, aos trabalhos de pesquisa.

InfoGEO – Então, houveram avanços no campo da Ciência e Tecnologia no país?

Luiz Carlos Miranda – Estamos entrando em novo século com um quadro totalmente diferente do que havia há poucos anos. Podemos inclusive dar exemplos voltados à área de geoinformação, porque estes avanços contribuíram para uma mudança dentro do próprio Inpe. Entendemos que nosso trabalho deve ser a alavanca de novas tecnologias. Isto é fundamental para o setor industrial, porque dentro do contexto de parceiras os órgãos de pesquisa são o vetor do desenvolvimento destas tecnologias, que serão empregadas pelo setor privado. É fundamental firmar parcerias. A nós compete fazer pesquisa, desenvolvimento, gerar novas tecnologias para o setor produtivo. As empresas da área devem assumir o papel de parceiros na difusão deste conhecimento para a sociedade. É isto que irá proporcionar a consolidação do setor.

InfoGEO – O senhor aposta no crescimento do mercado de geoinformação?

Luiz Carlos Miranda – Claro, nossa economia na área pode ser extremamente forte, porque será conseqüência da nossa vocação em geoinformação. Nosso programa tem que focar e entender o territorial, em cartografia, mapeamento, etc. E as empresas que trabalham com geoprocessamento irão crescer com o desenvolvimento de novas tecnologias e poderão ocupar um espaço internacional na área porque essa é a vocação do país.

InfoGEO – O senhor identifica uma tendência de crescimento do mercado?

Luiz Carlos Miranda – Sim, já temos um parque razoável de empresas na área de geoprocessamento. E nós temos essa vocação natural de detentores do conhecimento do meio ambiente tropical. Então as empresas devem estar junto com a gente, para que todos cresçam.

InfoGEO – Já existem no Brasil exemplos de parcerias entre órgãos de pesquisa e empresas?

Luiz Carlos Miranda – Há exemplos de cooperação no país. A Embrapa é um dos grandes exemplos, pois se hoje o país tem alguma referência internacional em agricultura é por causa das suas pesquisas. Hoje se planta soja do Rio Grande do Sul até a região amazônica. A tecnologia em prospeção de petróleo em águas profundas aconteceu, por exemplo, com a colaboração da Petrobras junto a Federal do Rio de Janeiro. Na área de geoinformação pode acontecer a mesma coisa. O Brasil tem uma tradição de 40 anos na área espacial. Entramos na área apenas três anos depois de lançado o Sputinik, em 1958. Já em 1961 começaram as atividades espaciais, que nunca foram interrompidas; puderam até estar em baixa, recebendo menos investimentos, mas nunca foram deixadas de lado.

InfoGEO – As dificuldades enfrentadas pela economia brasileira não têm afetado as pesquisas do Inpe? Este ano o orçamento do instituto não sofreu um corte significativo?

Luiz Carlos Miranda – De fato, tivemos cortado o orçamento, o que está significando na verdade um contingenciamento, uma restrição de gastos. Não estamos podendo executar o que está autorizado para a gente, porque verbas que já estavam aprovadas não puderam ser repassadas. Essa é a situação. Mas esperamos que todos os projetos sejam retomados. Esta restrição orçamentária está influindo mais na velocidade do trabalho. Embora os projetos prioritários, como o CBERS, não tenham sofrido com o corte. Tanto não faltam recursos para tocar o satélite que em um mês o CBERS-2 já será transportado para o Centro de Lançamento na China. E, se temos falta de recursos, o ministério tem nos atendido em caráter de emergência.

InfoGEO – Qual o relacionamento do Inpe com a iniciativa privada?

Luiz Carlos Miranda – O Inpe sempre teve bom relacionamento. Muitas empresas de geoprocessamento nasceram de profissionais que saíram do Inpe. Queremos que as empresas conheçam cada vez mais os produtos brasileiros, como o CBERS. Também desejamos realizar programas permanentes de atualização do quadro técnico das empresas, oferecendo cursos. Nosso objetivo é capacitar as pessoas, mas o mercado tem que crescer para que esses profissionais tenham onde atuar. Temos que aumentar o mercado de trabalho, aumentar a nossa riqueza física e intelectual na área de geoinformação.

Entrevista por Marjorie Xavier