É a primeira vez que o software é desenvolvido por uma empresa brasileira

Por Marjorie Xavier

O Brasil, através do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), recebe e processa imagens de satélite há 30 anos. Pela primeira vez, um software de processamento destes dados foi desenvolvido por uma empresa nacional, a Gisplan Tecnologia da Geoinformação, que criou o sistema para as imagens do satélite sino-brasileiro CBERS.

"A Gisplan foi contratada pelo Inpe para o desenvolvimento de todo o software necessário para transformar os dados transmitidos pelo satélite CBERS-1 em imagens tratadas e georreferenciadas, prontas para uso em aplicações de sensoriamento remoto", explica Antonio Machado e Silva, diretor da Gisplan, que tem sede no Rio de Janeiro.

A empresa já havia participado do desenvolvimento da estação do satélite CBERS-1, na época como sub-contratada da empresa francesa Matra Systémès & Information. De 1998 a 2000, a Gisplan desenvolveu os sistemas relativos ao inventário ("Inventory"), à geração de produtos com correção de sistema ("System Level") e à geração de produtos avançados ("Production Level").

Para o CBERS-2, a Gisplan venceu a concorrência e assumiu o desenvolvimento de uma estação completa de satélites de sensoriamento remoto. Entre janeiro de 2002 e agosto de 2003, a empresa desenvolveu uma estação que atendesse não somente ao CBERS-2, mas também ao CBERS-1, até para que houvesse parâmetros de comparação entre os sistemas.

Segundo Antonio Machado, esta estação deveria seguir alguns requisitos de ordem geral, tais como: projetada para uso de software livre e baseada em arquitetura de hardware de baixo custo; desenvolvimento conduzido de forma integrada com o Inpe e utilizando, quando possível, tecnologias já desenvolvidas pelo instituto; projetada em módulos, para crescer na medida da necessidade e da disponibilidade financeira do Inpe; permitir a inclusão de novos satélites e sensores e permitir a inclusão de novas funcionalidades; e, por fim, respeitar os paradigmas da orientação a objetos.

"Estes requisitos foram plenamente atendidos, e garantiram uma redução no preço final da estação da ordem de 75%", informa o diretor da Gisplan. "Deve-se destacar que esta redução também ocorre no custo anual da manutenção da estação, e que o custo da manutenção das licenças dos softwares de prateleira foram totalmente eliminados". (Veja tabela comparativa da página ao lado)

Usuários
A superioridade das imagens geradas pela Gisplan ficou evidente durante o Congresso Brasileiro de Cartografia, realizado recentemente em Belo Horizonte. Na apresentação do trabalho "Uma experiência pioneira no ICA: A utilização de imagens CBERS na elaboração de cartas aeronáuticas para vôo visual", o professor Camillo José Martins Gomes demonstrou as vantagens do uso deste material na geração de cartas-imagem na escala 1:250 mil para apoio à pilotagem.

O Instituto de Cartografia da Aeronáutica (ICA) teve acesso às imagens geradas por ambas empresas – Matra e Gisplan – e constatou a melhor qualidade do produto nacional. As imagens processadas pela Matra foram devolvidas pelo ICA por não apresentarem qualidade para a geração das cartas aeronáuticas. A Gisplan foi acionada pelo Inpe, que reprocessou as imagens, aceitas e utilizadas pelo ICA em sua produção cartográfica. "O ICA pretende utilizar as imagens CBERS, processadas pela Gisplan, em nossos projetos futuros", atesta Camillo Martins.

Da mesma forma, os usuários do Inpe ficaram satisfeitos com o resultado alcançado pela Gisplan. "O Inpe decidiu apostar em tecnologia nacional para o desenvolvimento da estação CBERS. A Gisplan resolver bancar a aposta e nós estamos plenamente satisfeitos com os resultados alcançados. A qualidade do produto é excelente, mas além disso a Gisplan trabalhou com alto grau de responsabilidade, seriedade e dedicação, não medindo esforços para que o Inpe gerasse imagens de qualidade tão logo o satélite CBERS-2 estivesse transmitindo os dados. Os resultados alcançados com empresa nacional são melhores do que os alcançados com empresas estrangeiras a um custo nove vezes menor", declara Gilberto Câmara Neto, diretor de Observação da Terra do Inpe.

Com o lançamento do primeiro satélite do Programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite, em português Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), o Brasil passou a dominar a tecnologia de sensoriamento remoto. Até então, o país dependia exclusivamente de imagens fornecidas por equipamentos estrangeiros. A cooperação entre cientistas brasileiros e chineses no desenvolvimento de tecnologias espaciais resultou no satélite CBERS-1, lançado em 1999, e no CBERS-2, lançado em outubro passado. Brasil e a China já investiram mais de US$ 300 milhões para a implantação de um sistema completo de sensoriamento remoto de nível internacional. Em novembro de 2002, foi assinado o acordo sobre Cooperação em Aplicações Pacíficas de Ciência e Tecnologia do Espaço Exterior para a Continuidade do Desenvolvimento Conjunto de Satélites de Recursos Terrestres. O objetivo é estender o Programa Sino-Brasileiro de Satélites de Recursos Terrestres (CBERS) para o desenvolvimento, lançamento, operação e exploração dos dados dos satélites CBERS 3 e 4, o que representa um esforço no sentido de romper as barreiras estabelecidas por nações desenvolvidas na transferência de tecnologias avançadas. As fases 3 e 4 do CBERS serão destinadas a aplicações em áreas como monitoramento florestal, impactos ambientais, avaliação de produção agrícola como previsão de safra, gerenciamento de desastres naturais como enchentes, queimadas e outros. Também servirão para monitoramento de oceanos e águas interiores, avaliação de crescimento urbano e cartografia topográfica e temática.

Futuro
O satélite CBERS-2 vem apresentando um comportamento melhor que o primeiro da série. Ele está mais estável e os dados de imagem apresentam menor ruído e melhor qualidade radiométrica. O projeto da estação terrena foi concebido para poder ser estendida para outros satélites e sensores. Em 2003, o Inpe precisava gerar imagens corrigidas do sensor MSS dos satélites Landsat 1, 2 e 3. Em quatro meses a capacidade de processar estes dados foi adicionada à estação terrena. Atualmente, a estação do Inpe é a única do mundo com capacidade para processar os dados históricos do Landsat. "Hoje a Gisplan está desenvolvendo os módulos relativos aos satélites Landsat 4, 5 e 7 (sensores TM e ETM) e até o final do ano terá incorporado os satélites Spot 1 a 4", informa Antonio Machado. Ele adianta que, com o lançamento dos novos satélites de média resolução (Landsat-8, CBERS-3, entre outros), a Gisplan estará apta a buscar uma fatia do mercado internacional de estações terrenas de satélites de sensoriamento remoto.