O futuro dos dispositivos móveis está na capacidade quase ilimitada de conexão

O conhecido historiador inglês Eric Hobsbawn já disse que "a questão mais relevante da História é saber como, vivendo nas cavernas há apenas 15.000 anos atrás, conseguimos evoluir para colocar um homem na Lua e uma sonda fotografando Marte". De fato, enquanto muitos dos nossos sentimentos e formas de nos relacionar com nossos semelhantes mudam muito lentamente com o tempo, o fato marcante de nossa civilização é a capacidade de gerarmos novas tecnologias a um passo cada vez mais acelerado. Qualquer um que, como eu, está casado com a mesma esposa há 25 anos pode comparar a evolução de suas relações familiares com as mudanças na tecnologia disponível em sua casa.

A tecnologia avança em muitas direções ao mesmo tempo e algumas idéias se mostram pouco promissoras, apesar de lançadas com muita pompa. Neste ponto, uma das questões cruciais é qual o futuro dos dispositivos móveis. A partir do sucesso rápido dos telefones celulares, muitos analistas e palpiteiros apostaram na evolução do celular como um dispositivo de informação, onde se pudesse ler e-mail e navegar na Internet. Esqueceram- se da velha lição de MacLuhan, "o meio é a mensagem". Ou como ensina Shannon, a informação depende da eficiência do canal de comunicação utilizado. Nós humanos, com os mesmos sentidos de nossos ancestrais nas
cavernas, somos o fator limitante na comunicação com nossos "gadgets". Se eu tivesse olhos de águia, talvez pudesse ler e-mails na tela de um celular; mas não é caso, e nem é bom que seja assim.

O grande futuro dos dispositivos móveis não está na sua sofisticação para uso direto pelos seres humanos, e sim na capacidade quase ilimitada de conexão. Não se trata apenas do forno de microondas que reconhece o prato de lasagna e pede instruções à Sadia sobre o tempo de cozimento. O conceito fundamental é que os avanços em nanotecnologias nos permitirão construir sensores cada vez menores, mais baratos e com energia renovável. Pense num sensor de temperatura, poluição ou chuva, movido a hidrogênio, com comunicação sem fio e muito barato. Poderíamos ter um monitoramento instantâneo de todo o planeta, uma fotografia da Terra a cada instante. Devaneios? Daqui a 50 anos, não é tão impossível assim.

A tecnologia de sensores móveis e baratos irá revolucionar o conceito de geoinformação. Acredito que esta revolução não passará pela implantação de LBS (serviços baseados em localização), principalmente se baseados na interação com seres humanos. Na maior parte dos serviços móveis que necessito, a tecnologia atual de celulares resolve o problema. O grande diferencial virá dos dispositivos inteligentes, que se comuniquem de forma automática. Um exemplo simples: hoje um dos fatores limitantes na atualização do mapeamento é o custo do levantamento, que inclui não apenas o custo das imagens (de avião ou de satélite), mas também os serviços de georrefenciamento associados. Imagine agora uma aeronave não-tripulada de baixo custo, que contenha uma câmara digital, um GPS de altíssima precisão, e um sistema de comunicação. Esta aeronave poderia fotografar rapidamente uma cidade, e enviar os dados para um sistema central, onde seriam automaticamente processados e integrados a um banco de dados. Tudo com um mínimo de intervenção humana. Maluquice? Você já visitou uma linha de montagem totalmente operada por robôs (há várias no Brasil)?

Isto indica que a grande revolução futura da geoinformação virá do sensoriamento remoto. Não o sensoriamento remoto que temos hoje, ainda muito associado a imagens de satélite; mas uma tecnologia de sensores móveis e conectados, fornecendo todo tipo de dados possível de forma eficiente e barata. As possibilidades de serviços de geoinformação (no sentido mais amplo do termo) são imensas. Pense no quanto poderíamos melhorar nossa vida e cuidar melhor do nosso planeta se com dados mais freqüentes e mais confiáveis.

Num mundo contraditório em que vivemos, é evidente que estes avanços podem ser utilizados tanto para o bem da humanidade quanto para ser instrumentos de dominação e controle. Hiroshima e Badgá são testemunhos deste potencial maléfico das tecnologias. Mais uma vez, é bom lembrar o depoimento do historiador Hobsbawn, que lembra "que é um milagre que a humanidade tenha sobrevivido aos últimos cem anos". Nossa evolução cultural é lenta, mas constante e, apesar dos retrocessos, os conceitos iluministas da revolução francesa ("Liberdade, Igualdade, Fraternidade") são o que de melhor temos a legar às futuras gerações. A longo prazo, as tecnologias são sempre libertadoras, sempre que nós humanos tenhamos a decisão final sobre seu uso.

Gilberto Câmara
Diretor do Centro de Observação da Terra (OBT) Coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento em Geoprocessamento do INPE, sendo um dos responsáveis pelos sistemas SGI e SPRING
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