Sensoriamento remoto orbital – Uma breve viagem no tempo e no espaço

O modo como observamos nosso planeta mudou para sempre a partir de 1972, quando a NASA lançou o primeiro sensor multiespectral a bordo do Earth Resource Technology Satellite (ERTS), iniciando a série de satélites de Sensoriamento Remoto (SR) que hoje conhecemos como Landsat. Desde o lançamento dessa plataforma pelos EUA, numerosos sensores de imageamento foram colocados a bordo de satélites em órbita da Terra, incluindo iniciativas de outros países como Rússia, França, Japão, Canadá, Índia, Argentina, Israel, China e Brasil. Assim, vamos falar da evolução do SR, principalmente o orbital, e quais são os detalhes e a proporcionalidade
relativa dos avanços mais importantes alcançados em SR nos últimos 30 anos.

O SR agrega tecnologias de sensores imageadores e também não imageadores. Sensores portáteis não imageadores, denominados espectrorradiômetros, realizam densa amostragem do espectro eletromagnético (com milhares de canais espectrais de largura nanométrica – 1000nm = 1mm = 0.001mm), abrangendo os comprimentos de onda do visível (VIS), do infravermelho próximo (NIR), do infravermelho de ondas curtas (SWIR) e do infravermelho termal (TIR); entretanto não produzem imagens, mas sim curvas de reflectância espectral. Esses sensores são críticos para o sucesso das aplicações que envolvem a caracterização espectral in situ de materiais naturais e artificiais e, principalmente, para a simulação da detecção desses alvos por sensores imageadores multiespectrais de baixa resolução espectral (< dezenas de bandas), de alta resolução espectral (> 10 bandas) e sensores imageadores hiperespectrais (centenas de bandas). A evolução tecnológica dos sensores imageadores aponta para a disponibilidade futura de sensores ultraespectrais, os quais terão capacidade de adquirir dados em milhares de bandas espectrais e com sofisticação suficiente para reproduzir o comportamento dos alvos, como atualmente medidos pelos espectrorradiômetros.

Quanto aos sensores multiespectrais orbitais com cobertura global, há atualmente várias possibilidades de escolha entre aqueles que operam no espectro de energia refletida e emitida, levando em conta a necessidade de cada tipo de aplicação e a tecnologia disponível. Em 1972, o Landsat-1 foi lançado levando a bordo de si o sensor Multiespectral Scanner (MSS), com 4 bandas espectrais cobrindo o VIS e o NIR. Em 1982, o sensor Thematic Mapper, a bordo do Landsat-4, revolucionou o SR, com a possibilidade de geração de informações em 7 bandas, no VIS, NIR, SWIR e TIR. Em 1992, o sensor OPS do satélite JERS-1 avançou na capacidade de detecção no espectro SWIR, expandindo a faixa de cobertura da banda 7 do TM e sub-dividindo-a em 3 bandas independentes. Em 1999 foi lançado o sensor ASTER, a bordo da plataforma TERRA, com 14 bandas individuais distribuídas entre o VIS e o TIR e resolução espacial variável entre 15 e 90m. Em 2000, entrou em operação o Hyperion, primeiro sensor hiperespectral orbital a bordo da plataforma Earth Observing (EO-1) da NASA, com 220 bandas entre o VIS-SWIR (400 a 2500nm) e resolução espacial de 30m. Um segundo sensor hiperespectral, o Compact High Resolution Imaging Spectrometer (CHRIS), foi lançado em Outubro de 2001 a bordo do micro-satélite PROBA da Agência Espacial Européia, contando com até 160 bandas entre o VIS e o NIR (400 a 1050nm) e resolução de até 18m.

Na faixa das microondas, onde operam os sensores ativos de radar, a evolução foi igualmente acentuada. Iniciando com o Seasat em 1978, uma série de radares orbitais entrou em operação nas décadas posteriores. Este primeiro sistema orbital de radar foi seguido pelos experimentos com os sistemas SIR-A (1981) e SIR-B (1984), a partir do ônibus espacial da NASA, que evidenciaram o grande potencial de informações contidas nas imagens de radares orbitais de abertura sintética (SAR). Sensores SAR passaram a operar rotineiramente a partir de 1991, com o lançamento do ERS-1 pela Agência Espacial Européia, contando com um radar operando na banda C, com polarização VV e resolução espacial de 30m. Em 1992, foi lançado o JERS-1 que contava também com um sensor SAR operando na banda L, com polarização HH e resolução espacial de 18m. Em 1995, foi lançado o Radarsat-1, que incorporou avanços tecnológicos significativos, tais como a possibilidade de múltiplas configurações de resolução e ângulos de visada. Em 2002, entrou em operação o Envisat, contando com múltipla polarização (VV e HH). A tendência de evolução tecnológica observada para os radares orbitais aponta para a disponibilidade de sistemas multi-polorização e multi-freqüência, de forma similar à evolução já experimentada pelos sensores óticos.

Assim, num período de cerca de 30 anos, a partir da cobertura de um intervalo restrito do espectro (VIS-NIR) com 4 bandas espectrais, os sensores orbitais evoluíram, passando a abranger o SWIR, TIR e as microondas, além de passarem a contar com até centenas de bandas espectrais no caso dos sensores óticos, significando um ganho de resolução espectral da ordem de 50 vezes (!). Um aumento dessa magnitude na resolução e cobertura espectral tem reflexos diretos na caracterização da assinatura espectral de alvos de interesse, bem como na extração de atributos na superfície terrestre.

Obviamente, a caracterização de alvos na superfície não depende exclusivamente da resolução espectral (capacidade de "enxergar" no espectro), mas também da resolução espacial (capacidade de enxergar objetos) desses sensores orbitais. No sensor MSS, a resolução espacial era limitada a 80m. Em 1982, o sensor TM introduziu uma resolução superior, de 30m, a qual foi superada, em 1986, pelo sensor SPOT-1 (França), com 10m . Em 1999 iniciou-se uma nova era de sensores comerciais de alta resolução espacial, com o lançamento do sensor IKONOS, com 1m de resolução espacial. Em Dezembro de 2000, entrou em operação o primeiro satélite da série EROS (Israel), com pixels de 1,8m. Em 2001, a barreira de 1m de resolução foi quebrada pelo sensor QuickBird, com resolução máxima de 0,61m. Em Dezembro de 2003, um segundo sensor com resolução espacial de 1m tornou-se operacional, o OrbView-3. Assim, em aproximadamente 30 anos de sensoriamento orbital, observou-se um ganho em resolução espacial da ordem de 130 vezes (!!).

Campus da UNICAMP visto por diferentes sensores remotos sob diferentes resoluções espaciais
Dados cedidos por INTERSAT e CEPAGRI (UNICAMP)
Adicionalmente aos vários programas espaciais e sistemas sensores comentados acima, outros sistemas lançados no âmbito de dois programas espaciais merecem destaque por terem partido de países fora do ‘eixo’ América do Norte – Europa. Entre 1988 e 1991, o programa Indiano colocou duas plataformas em órbita terrestre (Indian Resource Satellite, IRS – 1A, 1B) contendo os sensores LISS-1 (4 bandas VIS-NIR; 72m) e LISS-II (4 bandas VIS-NIR; 36m). Em 1995 e 1997, foram lançados, respectivamente, os satélites IRS-1C e IRS-1D, operando com três tipos de sensores: o WiFS (1 banda no vermelho e 1 banda NIR; 188m), o LISS-III (3 bandas
VIS-NIR; 23,5m) e o PAN (pancromático), com 5,8m de resolução espacial. Em 2003, a Índia passou a operar o satélite IRS-P6 (ou RESOURCESAT- 1), com uma configuração de sensores similar ao IRS-1C/IRS-1D. Destaca-se que até o lançamento do sensor IKONOS, em 1999, os sensores IRS-1C/IRS-1D eram os dispositivos de mais alta resolução espacial, com produtos oferecidos comercialmente. Os satélites da série CBERS (1 e 2) foram lançados em 1999 e 2003, num esforço conjunto dos programas espaciais do Brasil e da China. Esses dois primeiros satélites da série possuem 3 sensores com diferentes modos de imageamento: o CCD (4 bandas VIS-NIR, 1 banda PAN; 20m), o IR-MSS (2 bandas SWIR, 1 banda TIR, 1 banda PAN, 80-160m) e o WFI (1 banda no vermelho e 1 banda NIR; 260m).

Avanços expressivos em sensoriamento vêm sendo feitos também com o objetivo de subsidiar a Cartografia Digital, principalmente com o uso de estereoscopia orbital. Vários programas se destacam nesse segmento: SPOT, ASTER, Ikonos e QuickBird, todos com estereoscopia óptica convencional; o RADARSAT-1 com estereoscopia por visada oposta e/ou por visadas com diferentes ângulos e a missão do Shuttle Radar Topographic Mission (SRTM), com estereoscopia por radar interferométrico. O sistema VIS-NIR do ASTER conta com dois telescópios, um dos quais opera com retro-visada ao longo da órbita do satélite, que permite a geração de pares estereoscópicos. A partir desses pares é possível compor modelos digitais de elevação (MDEs) e bases topográficas compatíveis com escalas 1:50.000 ou de maior detalhe. O RADARSAT- 1, com suas variações em azimute de visada e incidência, tem sido utilizado como provedor de MDEs de alta resolução espacial (modo Fine – resolução ~10m), permitindo a geração de cartas topográficas que atendem a requisitos de mapeamento de pelo menos 1:100.000 ou superior. Os dados da Shuttle Radar Topography Mission, realizada em 2000, possibilitam a geração de MDEs, através de interferometria de radar, com precisão compatível com mapas topográficos também na escala de pelo menos 1:100.000 ou superior.

Considerando o período de cerca de 30 anos desde o marco do Landsat-1, o sumário apresentado em epígrafe demonstra que a evolução do SR foi extraordinária nos últimos 5 anos, os quais foram pautados pela invenção e implementação de uma série de sensores orbitais, em escalas, qualitativa e quantitativa, sem precedentes na história das Geotecnologias. Atualmente, há várias possibilidades de sensores e dados para cobrir boa parte das necessidades em aplicações previstas ou mesmo ainda não previstas pelos usuários. Na medida em que sensores mais sofisticados entram em operação, uma das conseqüências notadas é a gradual disponibilização e/ou barateamento do custo de dados de SR, principalmente daqueles mais ‘tradicionais’. Neste sentido, uma visita à página do Earth Science Data Interface (ESDI), lotado no Global Land Cover Facility (GLCF) da Universidade de Maryland – http://glcfapp.umiacs.umd.edu:8080/esdi/ index.jsp, deverá CHOCAR (positivamente!) a maioria de nossos assinantes. Neste endereço, é possível pesquisar e realizar o download, sem custos, de cenas Landsat-MSS, Landsat-TM e Landsat-ETM+ individuais de toda a América do Sul (além de vários outros países); mosaicos articulados de imagens do sensor Landsat-TM (dados adquiridos até cerca de 1990, georreferenciados
(UTM/WGS-84), na forma de composições coloridas 742 (RGB)), mosaicos do sensor MODIS, entre outros produtos.

Carlos Roberto de Souza Filho
beto@ige.unicamp.br
Chefe do Departamento de Geologia e Recursos Naturais (DGRN)
Coordenador do Laboratório de Processamento de Informações Georreferenciadas (LAPIG) do Instituto de Geociências da UNICAMP