A segunda parte do artigo sobre o que fazer antes de realizar as observações de campo

Considerando o que está disposto na legislação e normas, o ato de definir o ponto que representa o vértice de divisa de um imóvel rural se traduz em algo mais complexo do que afixar em um mourão uma plaqueta de identificação. Pode a princípio parecer uma questão de menor importância, mas estão envolvidos aspectos desde a condição de existência de comum acordo entre os proprietários confinantes até a relativa estabilidade do objeto que materializa aquele ponto decorrido um longo tempo. Este estado do imóvel tal como observado e determinado em uma época acarretará a alteração de uma matrícula e permanecerá guardado através do registro tabular no Cartório de Registro de Imóveis.

Considerando o momento em que o ponto de divisa foi convenientemente definido pelos confinantes, o que se espera que aconteça em grande parte dos casos, resta ao profissional ter conhecimento se não há ainda risco de lesão a terceiros, mesmo que seja potencial. Como será possível verificar se tal risco existe?

Um dos meios é principiar por uma pesquisa in loco, visitando e pesquisando cada confrontante, mas também significa estudar as matrículas. Uma a uma para certificar se não falta alguma área a ser pesquisada. Mesmo assim poderá restar alguma surpresa. É necessário todo este cuidado para que possa ser cumprido o disposto no artigo 9º do decreto 4.449/2002.

O poder judiciário começa a baixar provimentos aos cartórios no sentido de que se processem retificações administrativas de títulos. Provimento, neste sentido, segundo Nunes (1974) é o "Conjunto de instruções, ou determinações que os corregedores expedem para regularização e uniformidade dos serviços da justiça e fiel observância da lei …".

Em Mato Grosso do Sul, no parecer 029/2004 (Boletim Eletrônico Irib/AnoregSP #1079 – 30/03/2004), defendendo a retificação do registro por via administrativa, podemos observar o que escreveu o juiz auxiliar da corregedoria geral da Justiça:

"Vale salientar que, aliada a citada anuência, deve estar o relevante fator da presença técnica, por intermédio de profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica- ART, que responderá civil e criminalmente pela exatidão das informações; e, do INCRA, certificando que a poligonal não se sobrepõe a nenhuma outra.

Na retificação proposta pelo Decreto 4.449/2002, não há conflito de interesses a demandar a retificação prevista no art. 213 da Lei de Registros Públicos, caso esteja presente a concordância dos diretamente interessados e a certificação da poligonal pelo INCRA.

Ausentes quaisquer destes pressupostos, em evidente prejuízo a terceiros, a retificação deve ser processada nos termos do art. 213 da Lei nº 6.015, de 1973, conforme disposto no art. 8º do Decreto em análise.

Desse modo, percebe-se que, se da retificação não decorrer danos a terceiros e se estes concordarem com a descrição do memorial apresentado por seu confinante, o registro do imóvel, com as alterações numéricas evidenciadas, poderá ser levado a efeito.

Esse prevalecimento da autonomia da vontade, quando da retificação não decorra prejuízo a terceiros, só é possível porque a garantia constitucional de acesso ao judiciário para apreciação de lesão ou ameaça de direito permanece íntegra, de maneira que, se houver desconformidade futura que atinja terceiros interessados, deverá ser por meio de ação própria, demandada a recomposição da lesão."

E no provimento no 3 de 31 de março de 2004 (Boletim Eletrônico Irib/AnoregSP #1081 -31/03/2004):

"RESOLVE:

Art. 1º . O imóvel rural que comprove estar previamente georreferenciado junto ao INCRA, constando a anuência dos confrontantes, por meio de declaração expressa de que não ocorreu alteração das divisas do imóvel registrado e que foram respeitados os seus direitos, sob pena de responsabilidade civil e criminal, com área real encontrada no georreferenciamento divergente da anteriormente titulada, superior ao limite de 5% (cinco por cento) para mais ou para menos, pode ser regularmente averbado.

§ 1º. Exigir-se-á ainda, para a efetivação da averbação requerida, a apresentação de memorial descritivo, elaborado por profissional habilitado, reconhecido e cadastrado junto ao INCRA, com a devida comprovação da Anotação de Responsabilidade Técnica, além de certificado fornecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, comprovando que a poligonal não se sobrepõe a nenhuma outra área constante do respectivo cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas."

Note-se que nestas citações está expresso um ponto de vista já disposto nesta coluna, demonstrando a confiança e responsabilidade depositadas no trabalho apresentado pelo responsável técnico, credenciado pelo INCRA. Cabe mais uma vez salientar que do bom desempenho destes dois agentes, em especial do RT, depende o sucesso desta retificação de forma que este processo decorra de forma rápida, tramitando fora das vias judiciais. Percorrendo um caminho mais rápido deixará de causar maiores atrasos e prejuízos aos empreendimentos que dependem desta regularização.

Mas uma pergunta que é feita de forma rotineira por todo proprietário é o quão rápida será esta fase do georreferenciamento. Esta é uma pergunta difícil de responder no momento do contrato.Mesmo havendo estudado previamente os títulos e plantas, apresentados, bem como realizada a rotineira vistoria ao imóvel, para então elaborar uma especificação e orçamento dos serviços, a resposta a essa pergunta apresenta baixa precisão.

Verifica-se que, no atual estágio do cadastro e registro de terras no Brasil, encontramos situações diversas. Por exemplo, ocorrem casos em que o confrontante está na posse da terra, mas possui apenas uma escritura de compromisso, portanto não é o legítimo dono, pois não a registrou. Passa então a haver uma alteração naquele prazo estabelecido por época do contrato, pois é necessário também localizar e obter anuência daquele em cujo nome a propriedade está registrada. Assim outras situações poderão fazer com que os prazos estabelecidos pelo profissional sejam alterados.

Vencidas todas estas fases iniciais, chega o momento de identificar os pontos que serão considerados como os vértices definidores do perímetro. Cabe uma primeira pergunta: o quê conterá o ponto a ser observado ou, melhor dizendo, o que materializará o vértice? Estão previstos os seguintes tipos de monumentações: Plaquetas de identificação afixadas
em mourões; Marcos de concreto; e Vértices virtuais.

Pode-se pensar que para a tolerância de 0,5 m seria possível qualquer tipo de marca, ou marca alguma, mas refletindo mais um pouco pode-se chegar a outras conclusões. Por exemplo: as plaquetas afixadas em mourões podem se soltar ou ser retiradas mais facilmente; durante a reforma da cerca, havendo substituição do mourão ao qual está afixada, será necessário que a plaqueta, agora vinculada ao novo mourão, volte a ocupar a mesma posição no espaço.

Nestas condições a identificação do vértice pode se traduzir em potencial risco de enganos em levantamentos subseqüentes. Também dificultam a manutenção das linhas divisórias, pois serão necessários procedimentos especiais para que seja substituído um mourão ao qual esteja afixada uma plaqueta. Pode advir ainda a situação na qual a plaqueta é perdida com a reforma da cerca.

Implantar marcos em todos os pontos de divisa, embora seja uma solução mais eficiente, também acarreta em certos inconvenientes, como por exemplo:

Exigem transporte do marco (~ 15 Kg, cada) ou do material até o ponto;
É necessário remover o mourão para implantá-lo e adequar a cerca naquele canto;

Em perímetros com excesso de cantos há um aumento significativo nos custos.

Bem, se existe cerca, foram transportados também os mourões em certas ocasiões; se o foram os mourões, poderão ser os marcos. A princípio conduzir alguns marcos até um local distante da sede ou retiro, não requer nenhuma obra especial de engenharia, mas também não deixa de requerer uma solução apropriada.

A retirada do mourão e implantação do marco requer que a cerca seja adequada naquele ponto. Será necessário adicionar mais um mourão e construir um nicho para que fique alojado e protegido o marco ou proporcionar uma alternativa mais viável. É comum ocorrer excesso de vértices nos imóveis brasileiros, entre outros motivos, por exemplo, porque os confinantes vão procedendo às reformas parciais das cercas e ao fazê-lo o conduzem sem muitos critérios quanto à manutenção do alinhamento. O fazem por balizamento, não por alinhamento dado por teodolito. Sendo assim, o erro normal do balizamento, cumulado com dificuldades impostas pela topografia, pode conduzir, com ao passar dos sucessivos reparos por trechos, a cercas tortuosas.

Os perímetros com excesso de deflexões podem ser racionalizados. Retificar estas divisas é uma tarefa mais complicada, exige o comum acordo entre os confinantes e estudos de adequação por parte do profissional. O primeiro condicionante requer que haja boa vontade e consciência do benefício adquirido entre os proprietários, além de determinação e de habilidade do profissional para conduzir este processo.

Que benefício o proprietário terá em retificar suas divisa? Primeiro haverá uma economia na quantidade de marcos ou placas a serem fixadas; um perímetro melhor definido e menor custo na manutenção de cerca. Podem ser computados outros se considerado o manejo de culturas, também. É evidente que existirão diversas situações a estudar e alternativas a propor, a implantação de marcos apropriados se traduz em maior eficiência a médio e longo prazo para o proprietário. Propiciar para que os vértices guardem maior probabilidade de se manter sempre na mesma posição deve ser uma preocupação de um profissional criterioso.

Do ponto de vista do profissional, este deve ser cauteloso, e refletir quanto aos seguintes aspectos do seu trabalho:

O tipo de materialização que foi verificado em campo permanecerá estável nesta posição daqui a um ano ou dois?

Quando o vizinho do meu cliente fizer o georreferenciamento de sua propriedade, o profissional contratado, vai observar o vértice de divisa na mesma posição que estava por época do primeiro levantamento?

Régis Fernandes Bueno
Mestre em Engenharia pela EBUSP
Engenheiro Agrimensor pela FEAP
Diretor da Geovector Engenharia Geomática
Professor adjunto Universidade Católica de Santos
rfbueno@attglobal.net