Como aumentar a eficiência e reduzir custos na hora de georreferenciar imóveis rurais.
Durante o ano passado tive a oportunidade de conversar com uma quantidade maior de pessoas a respeito da questão do georreferenciamento de imóveis rurais. Nestas oportunidades pude constatar que cresceu o interesse em geral principalmente pelas perspectivas de mercado de trabalho. Como era previsto, destaca-se neste contexto a aplicação do GPS como a principal tecnologia para realização do posicionamento geodésico.
Observei que uma parte dos profissionais envolvidos com esta área age de modo mais responsável e procura se manter atualizada quanto às novas tecnologias, aos seus conceitos e as alterações nos procedimentos, buscando estes conhecimentos nos cursos promovidos pelas universidades ou através de consultorias especializadas.
Por outro lado, persiste ainda uma mentalidade observada em uma parcela significativa de usuários destas tecnologias: de não adquirir conhecimento prévio até mesmo ante a compra de equipamentos.
No imaginário destes últimos prevalece uma noção de que o Deus da tecnologia eliminou por completo todos os problemas que podem ocorrer nas observações de campo durante um levantamento.
Nessa perspectiva redentorista, para obtenção de um sucesso garantido, basta simplesmente possuir informação de como operar o equipamento em campo e respectivo programa de processamento, bem como verificar algum parâmetro estatístico da solução ou fazer comparações baseadas na precisão nominal do equipamento. Neste pressuposto, eles prosseguem confiando piamente neste dogma sem se dar conta que podem estar incorrendo em erros significativos em seus trabalhos.
Em geral está bastante difundida a informação de que o uso do GPS pode proporcionar o posicionamento com precisão no nível do decímetro, ou mesmo centímetro com relativa facilidade, desde que o posicionamento seja conduzido de forma adequada a cada caso. Entretanto, ainda prevalece certo nível de desconhecimento de como isso deve ocorrer.
À semelhança dos métodos clássicos de posicionamento é necessário empregar uma estratégia que deve ter como princípio a comprovação cientifica dos resultados obtidos.
"Uma parcela significativa de usuários de GPS acham que não precisam adquirir conhecimento prévio até mesmo ante a compra de equipamentos"
Confiar puramente na precisão nominal do equipamento, por exemplo, consiste em uma abordagem simplista e inadequada de realizar a maioria das determinações, pois nem sempre as condições ideais para aquele modelo se reproduzem nos trabalhos de campo. Portanto, é necessário conduzir cada projeto sob um procedimento adequado que proporcione meios seguros de controle e detecção de erros, buscando maior eficiência e menor custo de produção.
Esta abordagem é pertinente neste momento e tem importância cada vez maior à medida que tenho observado ser considerável à quantidade de profissionais de vários níveis e modalidades da área tecnológica, que adquiriram equipa-mentos GPS e, no entanto, por alguma razão, desconhecem ou tendem a ignorar este princípio básico.
O professor Camil Gemael muito bem coloca em sua obra "Ajustamento de Observações": "As observações conduzidas pelo homem caracterizam-se pela inevitável presença de erros de medida. Erros que decorrem não apenas de falhas humanas, mas também da imperfeição do equipamento e da influência das condições ambientais nas quais se processa a mensuração".
Mesmo para uma tecnologia de ponta como o GPS este princípio é válido. A precisão do posicionamento através deste sistema também exerce influência em uma série de fatores. As fontes de erros podem ser classificadas em três principais grupos:
1. Os dependentes dos satélites;
2. Os dependentes do meio de propagação;
3. Os dependentes da estação.
Nestes grupos podem estar fontes de erros tais como: incerteza nas órbitas, efeitos da ionosfera sobre os sinais dos satélites e multipropagação do sinal, também conhecido como efeito de multicaminhamento.
Sobre ele podemos dizer que é o efeito que ocorre quando um ou mais sinais refletidos atingem a antena do receptor, em adição ao sinal recebido diretamente do satélite. As reflexões são causadas por superfícies localizadas próximas ao receptor. Podem ser superfícies horizontais, verticais ou inclinadas, como por exemplo, ruas, edifícios e veículos.
O multicaminhamento afeta tanto observações dos códigos quanto das portadoras. Os efeitos causados em observações do código P, por exemplo, são de duas ordens de magnitude maiores do que os proporcionados às observações de fase da portadora, SEEBER (1995). Podem acarretar vários metros de erro na distância calculada. Sob condições extremas o multicaminhamento do código pode causar perda do travamento da fase. É também um dos motivos que levam à ocorrência de perdas de ciclo.
O multicaminhamento do código é particularmente crítico quando são empregadas combinações de fase e código para solução da ambigüidade. Portanto, este efeito deve ser cuidadosamente considerado, principalmente nas aplicações onde são empregadas soluções On The Fly (OTF), como por exemplo, em aviões utilizados em aerofotogrametria, barcos em levantamentos batimétricos em levantamentos urbanos, etc.
Figura 1: esquema mostrando redes com maior e menor confiabilidade.
A sua influência em observações da fase da portadora produz um deslocamento de fase que introduz significantes erros sis-temáticos periódicos de muitos centímetros na observação da distância. O erro máximo no sinal L1 (?Ü=19,05cm) é em torno de 5 cm. Para as combinações de L1 e L2; os valores são maiores ou menores proporcionalmente ao comprimento de onda resultante (SEEBER 1993).
Os impactos destas fontes de erro do GPS podem ser reduzidos, mas nem sempre os modelos atingem o resultado esperado. Estes fatores, aliados à falha humana nos conduzem a necessidade de realização dos levantamentos com observações (vetores ou linhas de base e posições em alguns casos) redundantes para poder proceder ao ajustamento e então obter uma estimativa do erro mais provável.
Por isso, o hábito recorrente de se determinar um só vetor para obter as co-ordenadas geodésicas de um ponto deixa de produzir uma estimativa confiável da precisão destas. Em geral as soluções, das sessões de rastreio, demonstram resultados otimistas.
Para conduzir a resultados confiáveis é necessário, por exemplo, providenciar para que o levantamento tenha pelo menos dois vetores para cada um de seus pontos que possam proporcionar a determinação das coordenadas com a precisão desejada. Lembrando que empregamos este termo somente na presença de "erros" aleatórios, ou seja, após a eliminação dos erros grosseiros e efeitos sistemáticos.
É necessário distinguir um pouco mais para que não se confunda aqui o ajustamento vetorial com aquele que se processa durante o cálculo do vetor realizado a partir dos arquivos de rastreio. Pois, para o processamento das observações contidas nos dois arquivos gerados pelos receptores base e móvel (ponto conhecido e a determinar) também é empregado um ajustamento.
Em alguns tipos de levantamentos pode-se descartar o ajustamento, porém em muitos casos é necessário o emprego de ajustamento por mínimos quadrados. Situações com redes urbanas, apoio de levantamentos para projetos de engenharia e o georreferenciamento de imóveis rurais exigem um nível de segurança mais rigoroso na determinação das coordenadas dos pontos.
Esta necessidade reflete-se nas "Normas Técnicas para Georreferenciamento Imóveis de Rurais" do INCRA no item 4.
Não é intenção deste artigo discorrer sobre os modelos mais adequados, mas apresentar somente um breve comentário envolvendo o conceito de confiabilidade. Estudos mais aprofundados sobre a teoria de ajustamentos podem ser encontrados, por exemplo, em GEMAEL (1994), LEICK (1990) e WOLF (1980).
Um ajustamento adequado a qualquer rede, não importando a sua precisão, deve começar pelo projeto desta. Para que o procedimento seja eficiente é necessário que a rede formada atenda primeiramente o conceito de confiabilidade. Confiabilidade pode ser descrito como a propriedade que uma determinada rede possui de fornecer caminhos alternativos para que sejam detectados possíveis enganos, como por exemplo, altura de instrumentos. A figura 01 apresenta um exemplo de uma rede com diferentes graus de confiabilidade.
Bibliografia.
BUENO, R.F. Avaliação da precisão do sistema GPS/NAVSTAR. São Paulo, 1995. 209p. Dissertação (Mestrado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
GEMAEL, C. Introdução ao ajustamento de observações, aplicações geodésicas. Curitiba, Editora Universidade Federal do Paraná, 1994.
LEICK, A.; LAMBERT, S. Contrib. GPS Satellite Surveying. Orono, John Wiley & Sons/New York, 1995.
SEEBER, G. Satellite Geodesy: founda-tions, methods, and applications. New York, Walter de Gruyter, 1993.
WOLF, P.R. Adjustments computations: pratical least squares for surveyors. Monona, Wisconsin, 1980.
Regis Bueno
Engenheiro Agrimensor, Msc, diretor da Geovector Engenharia Geomática
refbueno@attglobal.net