Sistema que permite a localização geográfica de um ponto em qualquer lugar no mundo possui aplicações nas mais diversas áreas

Uma importante transação bancária realizada entre duas instituições financeiras de países diferentes não pode conter erros. Os relógios de ambas devem estar sincronizados para que a transação seja efetuada com sucesso. Este sincronismo é obtido através da utilização de sistemas de navegação por satélite, que permitem determinar o tempo de maneira extremamente precisa, na casa do nanosegundo. Esta é apenas uma das diversas aplicações não usuais do sistema de navegação por satélite, que inclui navegação marítima, segurança pessoal, agricultura de precisão, lazer, aviação civil, meio ambiente, além das já conhecidas áreas de levantamento e mapeamento.

O GNSS (Global Navigation Satellite System) surgiu em 1960 com o lançamento nos Estados Unidos do primeiro satélite Transit, utilizando o princípio do Doppler. Sete anos depois é lançado o primeiro satélite Timation, da marinha americana, e, no ano de 1978, é colocado em órbita o primeiro satélite GPS, do Bloco I. A evolução deste sistema comporta fatos como o lançamento do primeiro satélite GLONASS, em 1982; o primeiro processamento de dados GPS, realizado na Universidade de Bern, em 1983; o lançamento do primeiro satélite do Bloco II do GPS, em 1989; o inicio da utilização do posicionamento em tempo real, em 1993; o lançamento do primeiro receptor GPS GLONASS RTK, em 1997; a aprovação do programa Galileo pelo Conselho de Transportes da União Européia, em 2003, entre outros.

O GNSS é um sistema que permite a localização geográfica de um ponto em qualquer parte do mundo, e engloba os sistemas de navegação atualmente disponíveis: GPS, GLONASS e, num futuro muito próximo, o Galileo. Os sistemas GPS e GLONASS são sistemas desenvolvidos originalmente para uso militar, que gradativa-mente foram sendo incorporados às aplicações civis. O sistema Galileo, entretanto, é desenvolvido com um propósito estritamente civil.

No início da década de 90, a União Européia sentiu a necessidade da Europa possuir seu próprio sistema de navegação por satélite. Assim, a Comissão Européia e a Agência Espacial Européia uniram-se para construir o Galileo.

Este sistema, quando operacional, terá uma constelação composta por 30 satélites, a uma altitude de 23.616 km, dispostos em três órbitas circulares com inclinação de 56º em relação ao Equador. Uma de suas características é a interoperabilidade com os sistemas GPS e GLONASS, o que permitirá ao usuário ob-ter sua localização com o mesmo receptor tendo qualquer combinação de satélites. O grande número de satélites em combinação com a inclinação das órbitas possibilitará uma cobertura mesmo nas altas latitudes.

O primeiro satélite experimental, chamado Galileo System Test Bed (GSTB), tem previsão de lançamento para o segundo semestre de 2005. Ainda em 2005 e em 2006 serão lançados outros quatro satélites para validar o sistema espacial e testar as estações terrestres. Após a etapa de validação, os satélites restantes também serão lançados, até se alcançar a capacidade operacional completa em 2008.

O GNSS engloba os sistemas de navegação atualmente disponíveis: GPS, GLONASS e, num futuro muito próximo, o Galileo

O sistema Galileo está baseado no desenvolvimento do EGNOS (European Geostationary Na- vigation Overlay Service), um projeto conjunto da Agência Espacial Européia, da Comissão Européia e do Eurocontrol (Organização Européia para a Segurança da Navegação Aérea). O EGNOS aumenta os sistemas já operacionais, GPS e GLONASS, e os torna disponíveis para aplicações que exigem máxima segurança, como aviação e navegação marítima em canais estreitos. O EGNOS consiste de três satélites geoestacionários e uma rede de estações terrestres que transmitem um sinal contendo informações sobre a confiança e acuracidade dos sinais enviados pelo GPS ou GLONASS. Deste modo, permite aos usuários europeus a determinação de suas posições com precisão de cinco metros.


Satélite Galileo.

O EGNOS faz parte dos chamados SBAS (Satellite-Based Augmentation SyStems), que são sistemas regionais, criados justamente para garantir maior confiabilidade aos sinais recebidos dos satélites. Nos Estados Unidos, o Federal Aviation Administration desenvolveu o Wide Area Augmentation System (WAAS), que cobre também a região do Canadá. O Japão está implementando o MTSAT Satellite-Based Augmentation System (MSAS) para cobrir a região de vôo instrumental do país. Estes sistemas, apesar de serem regionais, devem ser compatíveis entre si, de modo a permitir cooperação internacional.

Todos os sistemas têm como objetivo básico fornecer a posição de um ponto, em qualquer parte do mundo, a qualquer hora e sob quaisquer condições climáticas. Entretanto, as aplicações desta tecnologia vão muito além do posicionamento para fins de mapeamento. As aplicações do GNSS são muitas vezes interligadas. A determinação precisa do sincronismo de relógios, por exemplo, têm implicações em áreas como finanças e transmissão de dados. As aplicações mencionadas aqui não têm o objetivo de esgotar as possibilidades, tendo em vista que toda atividade que necessita da localização para aumentar a segurança, produtividade e retorno financeiro, pode se beneficiar desta tecnologia. Assim, as aplicações do GNSS podem ir muito além do que a nossa imaginação alcança.

O primeiro satélite experimental, chamado Galileo System Test Bed (GSTB), tem previsão de lançamento para o segundo semestre de 2005

Pessoas com necessidades especiais

Existem diversas aplicações do GNSS para auxiliar pessoas portadoras de necessidades especiais. Pessoas cegas ou com dificuldades de visão podem se beneficiar desta tecnologia utilizando um dispositivo de voz portátil, como um sistema de navegação disponível em carros. Este dispositivo funciona de duas maneiras: para guiar os usuários até a uma determinada posição ou para informar a posição em que se encontram.

Os portadores do mal de Alzheimer também podem ser beneficiar dos sistemas de navegação, por meio da utilização de PDAs com informações a respeito dos seus hábitos e percursos normalmente realizados. O PDA possui um sistema onde o usuário pode selecionar uma figura com o destino desejado e setas direcionais aparecem na tela para guiá-lo. O sistema recebe informações da localização do usuário e o informa a maneira mais fácil de chegar ao destino.

Meio Ambiente

O monitoramento ambiental pode ser realizado com o auxílio do GNSS como, por exemplo, para receber informações contínuas sobre o deslocamento de icebergs, no estudo dos movimentos tectônicos e na predição de terremotos. Receptores miniaturizados são implantados em animais para monitorar o movimento migratório de espécies ameaçadas. Um exemplo disso é realizado pelo Projeto Tamar, que implantou receptores GPS no casco das tartarugas marinhas para monitorar o seu deslocamento.

Telecomunicações

A integração do GNSS com a telefonia gera uma gama de aplicações em posicionamento, denominadas genericamente de LBS (Location Based Services). Existem duas maneiras de integração. Uma delas consiste em integrar um receptor em um telefone móvel e a segunda na utilização de uma rede de comunicação.

O LBS engloba todos os serviços onde a informações sobre a localização do consumidor é necessária. Neste caso, é possível receber no telefone celular informações sobre a localização de outras pessoas que tenham o mesmo sistema, informações sobre estabelecimentos comerciais próximos à localização do usuário ou ainda saber a localização do próprio aparelho. No Brasil, a Vivo lançou os telefones baseados na tecnologia gpsOne, da Qualcomm, que utiliza satélites GPS em conjunto com estações de rádio base.

No caso da utilização de uma rede de comunicação, a aplicação do GNSS pode ser utilizada na determinação precisa do tempo de sincronização da rede. Isto é conseguido, no caso da utilização do GPS, com a determinação do tempo na casa do nanosegundo.

Aviação Civil

A navegação por satélite está sendo amplamente utilizada na aviação, de modo a diminuir as deficiências na infra-estrutura de tráfego aéreo. Pesquisas indicam um crescimento anual de 4% no volume de tráfego aéreo, o que traz como conseqüência o engarrafamento de determinadas regiões para pousos e decolagens. É justamente nestas duas etapas do vôo que são necessárias condições climáticas adequadas e a maior necessidade das companhias aéreas é conseguir operar sob quaisquer condições de clima. Com o auxílio dos satélites geoestacionários é possível aumentar a precisão do posicionamento para orientar estas atividades.

Do mesmo modo é possível utilizar os satélites GPS em conjunto com outro sistema geoestacionário para auxiliar no pouso e decolagem de helicópteros em condições climáticas adversas. Segundo o FAA (Federal Aviation Administration), a implementação desta tecnologia traz diversos benefícios à aviação, entre os quais o aumento da segurança dos vôos; rotas mais eficientes e otimizadas e economia de combustível.

As aplicações do GNSS podem ir muito além do que a nossa imaginação alcança

Estima-se que até 2010 a frota de veículos no mundo alcance 670 milhões de carros, 33 milhões de ônibus e caminhões e 200 milhões de veículos comerciais. O gerenciamento de toda esta frota é um desafio que também pode ser auxiliado pela navegação por satélite. Receptores para navegação por satélite já são uma realidade em muitos modelos de carros, fornecendo informação em tempo real sobre o tráfego, chamadas de emergência, sistemas de roteamento, gerenciamento de frotas, entre outras possibilidades.

Existe ainda a possibilidade da utilização de sistemas avançados, que são capazes de melhorar a mobilidade e a segurança. Estes sistemas, denominados de ADAS (Advanced Driving Assistance System) podem avisar o motorista quando existe um risco iminente ou ainda assumir o controle parcial do veículo, por exemplo, reduzindo a velocidade em más condições de visibilidade se o carro se aproxima de uma curva muito fechada rapidamente.

Além disso, o transporte público pode beneficiar-se desta tecnologia. As frotas de ônibus, por exemplo, podem ser monitoradas em tempo real, verificando áreas com sobre-posição de linhas ou com déficit de veículos.

Segurança Civil

Crises e situações de emergência necessitam do esforço conjunto de várias organizações, às vezes em situações ambientais críticas. Nos casos de terremotos, enchentes, deslizamentos de terra e incêndios florestais, a infra-estrutura de transporte e comunicação pode estar indisponível, uma vez que estradas, linhas de energia podem estar destruídas ou danificadas.

As operações de resgate baseiam-se na coordenação de informações em tempo real da topografia, mapas de risco, possibilidades de fontes alternativas de energia e água. Esta coordenação deve ser provida por uma central de organização em terra, baseada em informações anteriores ao desastre, integradas com dados atualizados e imagens de satélites. Estas informações auxiliam no deslocamento das equipes de resgate e no pouso e decolagem de helicópteros, que são realizadas com a utilização do sistema GNSS.

Navegação marítima

A navegação marítima tem se utilizado cada vez mais do posicionamento por satélites. Os levantamentos batimétricos, importantíssimos para a navegação segura; o posicionamento das bóias; a localização dos riscos à navegação e as cartas marítimas estão sendo executados com a utilização desta tecnologia.

O auxílio nas operações de atracação e manobras em portos também é outro ponto importante, principalmente em condições climáticas adversas. Além disso, as embarcações comerciais de pesca utilizam a navegação por satélite para navegarem até os pontos de pesca e para monitorar as migrações dos peixes.

Agricultura de Precisão

A agricultura de precisão busca o crescimento da eficiência através do gerenciamento localizado da lavoura. São medidos o rendimento, as condições do solo, da cultura e é feito também o mapeamento da propriedade.

O posicionamento por satélite possibilita a localização das máquinas no campo durante a colheita. Se a máquina possuir um sensor que detecta a produtividade, ao final da colheita pode-se gerar um mapa de produtividade.

Também é possível integrar um equipamento que possibilita a aplicação de insumos em locais específicos, com doses variáveis. Outra aplicação é a coleta georreferenciada de amostras, para geração de mapas de distribuição de determinados elementos, como por exemplo, doenças.

Controle de estruturas

Edifícios muito altos e grandes estruturas, como barragens, estão sujeitas a deformações que necessitam ser monitoradas. A utilização de receptores GPS, por exemplo, em conjunto com acelerômetros, permite avaliar pequenos deslocamentos causados pela ação do vento em estruturas muito altas. No caso de estruturas como barragens, é necessário medir com precisão se a estrutura está sofrendo deslocamento devido à pressão exercida pela massa de água.

Gráfico Linha do Tempo
1960 – Lançamento satélite Transit
1967 – Lançamento do primeiro satélite Timation
1972 – Projeto GPS completo, combinando Marinha, Exército, Aeronáutica
1973 – Desenvolvimento do primeiro receptor GPS
1973 – Proposição do Bloco I de Satélites GPS
1978 – Primeiro lançamento GPS
1980 – ESA (Agência Espacial Européia) inicia estudos do NAVSAT, precursor do Galileo
1982 – Primeiro lançamento GLONASS
1983 – Primeiro processamento de dados na Universidade de Bern
1988 – Primeira aerotriangulação com controle GPS, Universidade de Stuttgart
1990 – Apresentação da estratégia para sistema de navegação civil pela ESA
1990 – Implementação da S/A
1990 – Início do desenvolvimento do WAAS
1993 – RTK da Trimble oferece acuracidade centrimétrica no posicionamento em tempo real
1994 – Comissão Européia propõe contribuição européia para os sistemas de navegação por satélite, iniciativa que leva ao desenvolvimento do Galileo
1997 – Primeiro levantamento GPS/GLO-NASS
2000 – Desligamento da S/A
2002 – Utilização dos serviços de localização de emergência em telefones celulares
2003 – Programa Galileo aprovado
2004 – Assinado acordo GPS-Galileo
2005 – Lançamento primeiro satélite Galileo
2006 – Lançamento dos satélites do Bloco IIF GPS
2007-08 – Validação do sistema Galileo
2008-10 – Capacidade operacional completa do Galileo

Luciene Stamato Delazari
Doutora em Engenharia pela USP e Professora do Departamento de Geomática da Universidade Federal do Paraná
luciene@ufpr.br