GNSS na navegação marítima

Conheça a história e as vantagens da aplicação do sistema de navegação global nesse processo

Entende-se por navegação a ação ou o efeito de navegar, viajar de um ponto a outro da superfície terrestre, seguindo uma determinada rota, envolvendo a determinação de uma trajetória e da direção. Segundo o American Practical Navigator navegação consiste no processo de planejamento, registro e controle do movimento de uma embarcação ou veículo que viaja de um ponto a outro da superfície terrestre.

Inicialmente, em face da ausência de instrumentos as civilizações utilizavam a navegação visual, observavam os astros. Após a segunda guerra mundial houve um grande avanço no desenvolvimento da eletrônica contribuindo para o desenvolvimento de novos métodos de posicionamento, revolucionando as técnicas de navegação. Contribui para a determinação de posições de uma embarcação além do alcance visual das estações terrestres. Com o advento da era espacial e computacional verificou-se uma revolução estrutural para a humanidade, ampliando consideravelmente as fronteiras do seu conhecimento.

A era espacial iniciou-se em 04 de outubro de 1957 com o lançamento do primeiro satélite artificial Sputnik-1, pela União Soviética. Pela primeira vez um objeto partia da Terra para adentrar o espaço livre. Com este lançamento surge a concepção da navegação utilizando os sinais de rádio enviados por satélites. O primeiro desses sistemas de satélites foi o Transit Navigation Satellite System -TRANSIT. Desde 1964, ele foi instituído para a navegação marítima (US Navy), composto de cinco satélites artificias de órbita polar; o qual atualmente encontra-se inoperacional. Similar a esse sistema foi desenvolvido o sistema russo Tsikada. Com a aceitação desse tipo de sistemas pelas comunidades militar e civil nascem uma série de outros sistemas de satélites visando atender aos objetivos da navegação e do posicionamento, como por exemplo: NAVSTAR/GPS (NAVigation System with Time And Ranging/Global Positioning System), GLONASS (Globl´naya Navigationnaya Sputnikovaya Sistema), GNSS-1 (Global Navigation Satellite System 1), GNSS-2 (Global Navigation Satellite System 2), GALILEO, alguns já em operação. Contudo, o sistema mais conhecido e empregado na atualidade é o NAVSTAR-GPS.

"A navegação marítima pode ser realizada através de três métodos de posicionamento: absoluto, relativo e diferencial"

Durante a 10a Conferência de Navegação Aérea, em 1991, surgiu o termo GNSS, quando o ICAO (International Civil Aviation Organization) reconheceu que o sistema de navegação do século XXI proporcionaria um sistema global de navegação. Esses sistemas devem ter como principais características: a integridade, a disponibilidade e fornecer um serviço contínuo aos usuários. Dentro do conceito de GNSS encontra-se duas gerações: o GNSS-1 e o GNSS-2. O GNSS-1 baseia-se no NAVSTAR-GPS, e ou no GLONASS, sendo aumentado por componentes civis e o GNSS-2, por sua vez, contará com os satélites do Bloco IIF do NAVSTAR-GPS e ou o GALILEO.


Figura 1. – Principio Básico do Posicionamento por Satélites.

Independente do GNSS escolhido deve-se conhecer o princípio básico do posicionamento por satélites. Na figura 1, pode-se observar que a posição do satélite (S) e de uma estação de observação (B) instalada sobre a superfície terrestre estão referidas ao geocentro (M) (designativo do sistema em que a Terra é considerada como centro dos movimentos dos astros) e a relação entre eles é dada pela equação fundamental apresentada pela equação 1.

As coordenadas do satélite S podem ser calculadas mediante o uso das efemérides que são transmitidas por ele (Broadcast Ephemerides), dessa forma pode-se conhecer a distância . Com o rastreio por um receptor instalado num ponto B sobre a superfície terrestre ao satélite (S) pode-se determinar a distância "verdadeira" onde se passa a ter como incógnita a distância do geocentro ao receptor, instalado em B, dada por . Essas efemérides transmitidas contem informações das posições e do sistema de tempo dos satélites em tempo real, e ela tem como referência, por exemplo, para o NAVSTAR-GPS o WGS-84. Para determinar-se a posição tridimensional (3D) de um ponto qualquer sobre a superfície terrestre necessita-se observar no mínimo 4 satélites simultaneamente e se almeja-se apenas a posição bidimensional (2D) deve-se observar no mínimo 3 satélites simultaneamente.

Basicamente pode-se dizer que a navegação marítima pode ser realizada através de três métodos de posicionamento: absoluto, relativo e diferencial.

O método absoluto é o mais simples deles a ser aplicado pelos usuários do GNSS, ele pode ser realizado com as técnicas estática (antena GNSS estática) ou cinemática (antena GNSS em movimento) e o resultado é uma navegação, independente de haver ou não movimento. Ele caracteriza-se pela adoção de apenas um receptor GNSS para a determinação das coordenadas de um ponto sobre a superfície terrestre (Estação A – Figura 2), utilizando efemérides transmitidas, referidas ao sistema de referência vinculado ao GNSS empregado. O princípio fundamental desse posicionamento baseia-se nas medidas das pseudodistâncias (PD),distância geométrica compreendida entre as antenas do satélite e do receptor sujeita a alguns erros atuantes no sistema. Como as incógnitas são as coordenadas da estação A (p.ex.: latitude, longitude e altitude) e o sincronismo de tempo GPS faz-se necessário a observação de pelo menos quatro satélites. Quando se emprega o NAVSTAR-GPS esse posicionamento instantâneo emprega, na prática, a pseudodistância derivada do código C/A presente na portadora L1, podendo é claro incluir no processamento a medida da fase da onda portadora, o que para uma única época, não proporcionará nenhum refinamento na solução.


Figura 2 – Princípio do Posicionamento Absoluto

A precisão alcançada com esse método estará vinculada ao GNSS que está sendo empregado. Se o usuário civil estiver utilizando, por exemplo, o NAVSTAR-GPS, ele conta o serviço de Posicionamento Padrão (Standard Positioning Service – SPS) obtendo atualmente (SA parcialmente desativada) uma precisão tridimensional de 13 a 25 metros com um nível de probabilidade de 95%. Já o GALILEO promete, quando estiver operacional em 2008, uma precisão estimada de 4 metros (2D) e de 8 metros (3D) com um nível de probabilidade de 95% (Seeber, 2003).

"Navegação pode ser definida como o processo de planejamento, registro e controle do movimento de uma embarcação ou veículo que viaja de um ponto a outro da superfície terrestre"

O posicionamento relativo caracteriza-se pela observação simultânea dos sinais dos satélites em pelo menos duas estações distintas, tomando uma como ponto base (estação base) de coordenadas conhecidas (Estação A – figura 3), o que contribui para uma significativa redução de erros, especialmente do erro do relógio do satélite, das efemérides e da propagação do sinal na atmosfera. Ele pode ser efetuado utilizando-se diferentes tipos de observação, como o da fase do código, da fase do código suavizada pela portadora e da fase da portadora (Krueger, 1996). Nesse método de posicionamento o que se obtém inicialmente é um vetor que une a estação base com os pontos a serem posicionados (estação itinerante). Esse método também pode ser divido em: estático, rápido e cinemático. Nos dois primeiros casos a antena GNSS encontra-se estacionária e no terceiro ela está em movimento. As precisões alcançadas serão função de fatores como: a distância entre as estações base e itinerante, o tempo de ocupação do ponto, as observáveis coletadas, o número de satélites visíveis, dentre outros. Na navegação marítima emprega-se normalmente o método de posicionamento cinemático podendo fornecer com o NAVSTAR-GPS uma precisão de 10 cm a 1 metro.


Figura 3 – Princípio do Posicionamento Relativo

O princípio do método DGPS pode ser observado na figura 4. Ele consiste no posicionamento de uma estação móvel através das correções geradas na estação de referência. Essas correções são enviadas em tempo real por meio de um sistema de comunicação (rádio de transmissão, linha telefônica ou satélites de comunicação) e dentro de um formato apropriado, definido pela Radio Technical Committee for Maritime Service (RTCM). Para realizar um levantamento com o sistema diferencial, são necessários pelo menos dois receptores GNSS. Posiciona-se um deles sobre um ponto de coordenadas conhecidas, o qual representa a estação de referência onde são geradas as correções. O outro receptor é posicionado sobre o móvel (p.ex. navio) em que se deseja navegar, chamado, a partir daí, de "estação móvel". As correções citadas anteriormente são as correções das pseudodistâncias (PD). Essas correções consistem na diferença entre as pseudodistâncias verdadeiras e as calculadas para cada um dos satélites na estação de referência; i.e. a partir das posições precisas dos satélites e das coordenadas conhecidas dessa estação de referência é matematicamente possível obter a distância geométrica da estação-satélite. A precisão obtida com esse sistema pode ser influenciada por alguns fatores particulares, como a distância entre a estação de referência e a móvel (linha de base), bem como a qualidade do sistema de comunicação, o cálculo das correções diferenciais e a taxa de atualização e transferência dos dados.

Outro fator importante na definição da precisão são as observáveis empregadas no posicionamento diferencial sendo: com o emprego do código pode-se contar com uma precisão (2D) inferior a 10 m (linha de base inferior a 1000 km), código suavizado pela portadora inferior a 1 m (linha de base inferior a 100 km) e com a fase da portadora inferior a 0,1 m (linha de base inferior a 10 km). Esse método foi amplamente empregado quando a disponibilidade seletiva (SA) estava ativada no NAVSTAR-GPS, pois nessa época obtinha-se em um posicionamento absoluto, em tempo real, uma precisão (3D) de 100 a 156 metros com um nível de probabilidade de 95% (Seeber, 2003) e com esse método diferencial o usuário civil obtinha precisões da ordem de 1 a 10 metros, em tempo real. Essa situação para o NAVSTAR-GPS mudou consideravelmente após a SA ter sido parcialmente desativada em 02 de maio de 2000, contudo quando se almeja o posicionamento na navegação em tempo real é ainda um método de extrema importância. Atualmente verifica-se que esse método tem sido utilizado na navegação marítima com o emprego de múltiplas estações de referência, formando uma rede, apresentando como principal vantagem a extensão da área de cobertura, elevando a integridade e a segurança na navegação. Tem como desvantagens o custo da instalação e manutenção; a necessidade de complexos hardwares e softwares e a latência das correções diferenciais que é introduzida. Encontram-se diversos serviços públicos e privados para o DGNSS. Por exemplo, para o NAVSTAR-GPS encontra-se os serviços DGPS comerciais globais Skyfix e Omnistar.

"Os sistemas de navegação devem ter como principais características a integridade, a disponibilidade e a capacidade de fornecer um serviço contínuo aos usuários"


Figura 4 – Princípio do Método Diferencial

Atualmente, no mundo da navegação marítima o usuário pode contar com o SBAS (Satellite Based Augmentation System), parte do GNSS-1, que consiste em sistemas regionais ampliados com respeito ao GPS ou GLONASS, composto de satélites geoestacionários (GEOs), para cobrir a área operacional e do segmento de controle. Eles possibilitam medidas de distância para os satélites GEOs, melhorando a disponibilidade e continuidade do serviço; a determinação e transmissão de informações sobre a integridade dos satélites GPS, GLONASS e GEOs; a determinação e transmissão de correções WAAD (Wide Area Differential) dos satélites GPS, GLONASS e GEOs, melhorando a acurácia do serviço. Na Figura 5 pode-se observar o funcionamento de um sistema GNSS. Os sinais transmitidos pelos satélites GEOs são similares aos dos satélites GPS (onda portadora L1). Dentre os SBAS tem-se: o WAAS – Wide Area Augmentation System (USA), o EGNOS – European Geostationary Navigation Overlay System (Europa) e o MSAS – Multi-functional Satellite based Augmentation Service (Japão). O WAAS e o EGNOS possuem arquiteturas similares, contudo o WAAS não inclui os satélites GLONASS. Ambos têm utilizado o satélite Inmarsat-3 como satélite geoestacionário, sendo que na América do Sul pode-se receber os dados de navegação do EGNOS. Esses sistemas possibilitam uma cobertura sobre os continentes e no futuro irão substituir os serviços DGPS convencionais.


Figura 5 – Funcionamento do GNSS
Fonte: Adaptado de www.dsnp.com/products/techno/gps.htm

Referências Bibliográficas:

Hofmann-Wellenhof, Legat e Wiese, 2003. Navigation, principles of positioning and guidance. Springer Verlag Wien, New York, 427 páginas.

Krueger, C.P., 1996, Investigações sobre aplicações de alta precisão do GPS no âmbito marinho, Universidade Federal do Paraná, Tese de Doutorado em Ciências Geodésicas, Curitiba, Paraná, 267 páginas.

Seeber, G., 2003. Satellite Geodesy, 2 nd completely revised and extended edition. Walter de Gruyer Berlin, New York, 589 páginas.

Claudia Pereira Krueger
Prof.ª do dept. de Geomática da UFPR, Mestre e Doutora em Ciências Geodésicas pela UFPR, com ênfase em Geodésia Espacial e Geodésia Marinha.
ckrueger@ufpr.br