Este artigo reinaugura a seção GEOInsights da InfoGEO e resgata um tema que abordei na edição 25 da revista. Recomendo dar uma olhada nesse texto (“Customer Franchise” – A Mina de Ouro do Geomarketing), disponível no portal MundoGEO, antes de continuar a leitura.

Naquela oportunidade, eu versava sobre o grande potencial de negócios que as bases de dados das distribuidoras de energia elétrica proporcionam. As concessionárias de distribuição de energia elétrica possuem um cadastro técnico e comercial que compreende uma abrangência, capilaridade, completude, história e precisão localizacional invejáveis do ponto de vista potencial para uso mercadológico, de identificação de perfis econômicos, sociais e comportamentais dos consumidores.

Em particular, na dimensão elétrica, as possibilidades de compreender as relações entre os níveis de serviços (indicadores de performance) e o valor de cada consumidor ou grupo de consumidores são cada vez mais necessárias para que as empresas de distribuição possam compreender o comportamento de sua demanda. Explorar estas possibilidades implica, principalmente, em melhor servir o consumidor.

Porém, sua utilização ainda é bastante incipiente para apoio a tomada de decisão. Desta vez, investigo a relação entre consumo de energia elétrica, classificação socioeconômica e renda familiar, utilizando a base de microdados do Censo Demográfico do IBGE, e a base de consumidores residenciais da AES Eletropaulo.

Mas que diabos isso tem a ver com geotecnologias, nobre leitor? O fato é que o dia a dia das atividades de gestão, tanto na perspectiva pública quanto privada, está cada vez mais apoiado em dados secundários. E, como sabemos, se esses dados puderem ser espacializados, temos à disposição um grande leque de possibilidades de análise que as geotecnologias trazem.

Os dados censitários disponibilizados pelo IBGE estão disponíveis em formato geográfico, agregados em setores censitários (conjunto de 200 a 300 domicílios) ou áreas de ponderação (conjunto de setores). Dentre as inúmeras informações disponibilizadas está a renda domiciliar.

Porém, esses dados são coletados apenas decenalmente, e se pudéssemos obter dados numa temporalidade menor, seria bem melhor.

Renda é o indicador tradicionalmente adotado em estudos sobre condições de vida e pobreza, uma vez que é através dela que se dá o acesso aos bens e serviços necessários à sobrevivência. No entanto, a dificuldade em obter informações precisas sobre essa variável, freqüentemente alterada por subdeclaração, superdeclaração, esquecimento, sazonalidade da fonte dos rendimentos e recusa, torna difícil o uso deste indicador em pesquisas de mercado.

Em conseqüência disso, os institutos de pesquisa optam por captar a Classe Econômica ou o Poder de Consumo dos indivíduos através de indicadores baseados na posse de bens duráveis da família e no grau de instrução do chefe – o famoso Critério Brasil de classificação econômica (veja na Figura 1).


->Figura 1: Critério Brasil de Classificação Econômica

Porém, tal critério apresenta importantes diferenças regionais e não é adequado para a caracterização de famílias posicionadas nos extremos da distribuição de renda. Outros indicadores de consumo, que tenham abrangência e utilidade gerais, podem mostrar-se úteis nesse processo de caracterização dos consumidores. 

Dentre os indicadores com essa natureza está o consumo de energia elétrica. Nacionalmente, o serviço de fornecimento de energia elétrica abrange 97,0% dos domicílios brasileiros, índice que aumenta para 99,6% na área urbana. Tem mais capilaridade e cobertura que serviços de outras empresas de utilidades, como telefonia fixa e móvel, água encanada e gás.

Por ser um serviço essencial, abrangente e relativamente democrático em comparação a outros serviços de utilidade pública, suas informações cadastrais e comerciais podem oferecer subsídio para um conhecimento comparativo de características socioeconômicas e demográficas das famílias em estudo.

Por serem disponíveis e de atualização mensal, os indicadores de consumo de energia elétrica, quando disponibilizados pelas empresas de distribuição de energia, podem ser de grande utilidade para empresas de mercado, gestores públicos e analistas de crédito, como subsídio a estratégias que necessitem de informações de classificação, concentração e previsão da renda domiciliar.

Com baixíssimo custo agregado, as empresas de distribuição de energia elétrica podem fornecer tais indicadores para o mercado, suprindo uma carência de informações que é contingenciada muitas vezes por caras pesquisas primárias; e criando o arcabouço para um novo modelo de serviços não regulado que certamente trará receita adicional para elas.

Em estudo recente da FGV-EAESP, investiguei a relação entre consumo de energia elétrica, classificação socioeconômica e renda familiar no município de São Paulo, utilizando a base de microdados do Censo Demográfico do IBGE, e a base de consumidores residenciais da AES Eletropaulo.

Tal estudo remeteu a informações coletadas em 2000, ano da última pesquisa censitária realizada no Brasil. A partir das 456 áreas de ponderação, agrupamentos dos 13.278 setores censitários do município de São Paulo, comparou-se a renda média domiciliar, a classificação econômica média domiciliar e o consumo médio de energia elétrica domiciliar.

As informações de renda e classe econômica por área de ponderação são oriundas dos microdados do IBGE, e os dados de consumo de energia elétrica médios foram agregados por área de ponderação a partir da localização geográfica de cada consumidor residencial do município de São Paulo, com o uso de ferramentas de junção espacial dos Sistemas de Informação Geográfica (GIS).


->Figura 2: Associação das Informações do Censo Demográfico 2000 com Dados de Consumo de Energia Elétrica 

Conclui-se que consumo de energia elétrica é uma excelente proxy para renda familiar. Através do uso de técnicas de regressão multivariada, as relações entre Renda, Consumo de Energia Elétrica e Classificação Econômica do Critério Brasil mostraram-se muito fortes (os coeficientes de explicação da renda atingiram valores de 0,912 a 0,960), permitindo que medidas de consumo médio de energia elétrica agregadas em áreas de ponderação sejam ótimos indicadores regionais de concentração de renda e classificação econômica para o município de São Paulo.

Os mapas abaixo mostram a distribuição de renda, classe econômica e consumo de energia elétrica. As concentrações são realmente muito parecidas.


->Figura 3: Associação das Informações do Censo Demográfico 2000 com Dados de Consumo de Energia Elétrica

Uma das grandes vantagens da geração de indicadores de consumo de energia elétrica está na flexibilidade da agregação das áreas. Como os domicílios possuem sua informação de localização geográfica (ponto) nos sistemas das concessionárias de distribuição de energia, qualquer entidade poligonal pode ser utilizada para a obtenção de uma medida agregada de consumo de energia, por exemplo: quadrículas de um quilômetro de raio, por exemplo, ou a circunferência de 500 metros de raio de entorno de um endereço específico, ou a área de cobertura de um representante de vendas etc.

Não há a necessidade de adaptação das unidades territoriais de gestão da empresa à disposição espacial dos setores censitários ou áreas de ponderação do IBGE; basta agregá-los nas unidades poligonais de interesse ad-hoc.

Assim sendo, o mercado não precisa mais esperar dez anos para ter informações de renda domiciliar na capilaridade que os setores censitários e áreas de ponderação trazem – basta obter informações mais “fresquinhas” com as empresas de energia elétrica.

Em um próximo artigo mostrarei os benefícios que a apropriação da geoestatística traz para este estudo, permitindo que investiguemos mais a fundo o comportamento regionalizado da relação entre renda e consumo de energia elétrica. Sem dúvida, a espacialização da informação está muito além de mapas coloridos e imagens na internet.

Em tempo: dedico este artigo à minha linda filha recém-chegada Gabrielle Mei.
Seja bem-vinda a este mundo. 

Eduardo de Rezende Francisco
Mestre e Doutorando em Administração de Empresas pela FGV-EAESP, Bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, atua em GIS, Business Intelligence, Pesquisas de Mercado e Estratégias de Marketing na AES Eletropaulo, é Consultor em integração Geomarketing & Data Mining e presidente da GITA Brasil (www.gita.org.br)
eduardo.francisco@aes.com