A ajuda humanitária não pára de chegar. A todo instante, aviões pousam carregados de suprimentos. Voluntários de organizações do mundo inteiro e membros da força de paz revezam-se na operação de descarregar e embalar pacotes de suprimentos para a população.

Diante da tenda montada ao lado do aeroporto, uma mulher conversa, algo exaltada, com um oficial com um quepe azul. Ela insiste que um comboio seja mandado a uma aldeia na porção leste. O oficial olha meio desolado em direção aos caminhões já carregados e diz que não há como enviar o comboio para lá, e mais um carregamento vai para a fila da entrega por via aérea, a mais custosa e demorada.

Exaltada, a senhora ajeita nervosa a braçadeira de uma organização de ajuda humanitária e pergunta o porquê dessa demora, se há caminhões disponíveis ao lado. O oficial, um coronel do exército brasileiro cumprindo a missão da ONU, olha desolado em direção aos caminhões parados adiante e responde meio envergonhado que não pode utilizá-los, simplesmente porque não há mapas do Timor. Ele sequer consegue calcular a distância e muito menos escolher os veículos apropriados.

Essa é a realidade que muitos não conseguem enxergar: sem mapas não há como estruturar a logística; sem mapas não há como planejar a construção de estradas e reservatórios; sem mapas não há como se realizar um censo; sem mapas o território é um desconhecido.

Poderíamos estar tranqüilos, escrevendo sobre uma realidade de um país muito pobre e distante, sem recursos, em meio a uma grave crise institucional. Porém, essa realidade do Timor Leste e de outros países muito pobres também está presente neste nosso imenso país. Quase 30% do território brasileiro não dispõe de cartografia de espécie alguma. No restante do território, o que se observa é a desatualizarão e coberturas em escala de pouco detalhe. E quais são as conseqüências desta incrível lacuna de informações?

As conseqüências estão aí, em todos os jornais e nas nossas conversas diárias: as agressões ao meio ambiente, as taxas de desmatamento da floresta amazônica, a degradação da infra-estrutura em diversas regiões. Tudo porque falta planejamento e conhecimento territorial.

Voltar a este ponto não tem acréscimo nenhum na discussão. De diagnósticos sobre nossa carência de dados estamos bem. Já de soluções, nem tanto.

A nossa proposta está no convite que dá título a este artigo: vamos mapear o Brasil!

Vamos gerar mais e mais informações que nos dêem a real visão sobre o nosso território. Vamos criar uma infra-estrutura de dados espaciais capaz de dar base ao planejamento das intervenções governamentais, que direcionem as ações de fiscalização e monitoramento, enfim que nos dêem consciência sobre o imenso território brasileiro.

Se há bem pouco tempo os limitantes importantes para tais desejos era a falta de dados básicos e o alto custo das tecnologias e processos envolvidos, hoje vive-se uma situação diametralmente oposta. Tem-se à disposição, e a custos cada vez menores, toda a sorte de tecnologias de aquisição e processamento de dados, bem como vasto e robusto conhecimento de como usar tais tecnologias para a geração de dados espaciais completos e adequados, seja nos centros de excelência, nas universidades ou no parque empresarial brasileiro.

Por vezes, leio artigos e participo de eventos e seminários onde se discute uma certa “oposição” entre tecnologias e processos. Temas como: aerolevantamento x imagens de satélite; sensores ópticos x radar; extração de feições automatizadas x manuais; restituição estereoscópica x planimétrica, entre outras.

Esta dicotomia, na verdade, não existe. Se olharmos por um instante para a Alemanha, por exemplo, veremos o emprego de diversos sensores, das câmaras aéreas ao radar aerotransportado, dos levantamentos de campo ao uso de imagens de satélite. Trata-se de um país com menos de um terço do território brasileiro, porém com altíssimo conhecimento espacial. Quando viajamos pelas estradas alemãs (assim como as de outros países), é notável a efetiva ordenação territorial, com a conseqüente qualidade de vida associada. Isto é fruto dessa consciência e planejamento territorial. Por que, então, nos debatemos com esta dúvida inexistente?

Vamos deixar de lado esta visão de competição de tecnologias e embarcar em uma visão de complementaridade, de cooperação, para que possamos avançar rumo a um novo panorama. Precisamos empregar todas as tecnologias disponíveis para resolvermos nossa lacuna de dados espaciais. O desafio é grande, não podemos passar mais uma década com esta lacuna a verter recursos e atrapalhar o planejamento territorial.

As imagens de satélite podem auxiliar na atualização cartográfica de imensas porções do território que convivem com mapas com mais de três décadas de desatualização; radar aerotransportado e orbital podem suprir as dificuldades de obtenção de dados em regiões críticas, fotos aéreas continuarão a prover os detalhes necessários nos estudos e projetos executivos e mapeamentos intra-urbanos.

Meu pai costumava dizer-nos que o primeiro passo para resolver um problema é admiti-lo. Eu ouso acrescentar às palavras do velho Julio que o segundo passo, então, é conhecer melhor o problema e a situação. Assim, se conseguirmos avançar alguns passos nessa direção, certamente teremos uma melhor ação sobre nosso território e poderemos, talvez, conferir um país mais harmônico para as próximas gerações.

Marcos Covre
Diretor da empresa Imagem Sensoriamento Remoto
mcovre@img.com.br