Um dos grandes desafios das empresas hoje em dia é a redução de seu índice de perdas comerciais, conceito que compreende os efeitos de inadimplência e fraude. Para o mercado de distribuição de energia elétrica em particular, em função da relevância e complexidade, a gestão de perdas constitui área estratégica e requer a concentração de esforços para seu entendimento, cujas origens e motivações podem ser classificadas em fraudes, furtos de energia através dos “gatos”, anomalias de medição, falhas nos processos internos de faturamento, ligações clandestinas ou clientes cortados, ligados diretamente à rede.

Muito esforço se faz na busca do entendimento dos fatores geradores das perdas de energia elétrica, para a definição de estratégias de atuação que sejam eficazes na mitigação de seus impactos nos resultados financeiros da organização. A condição de pagamento da conta de luz, que depende da renda familiar dos clientes, é um deles. Caso o cliente não pague, sua penalidade pode chegar até ao corte de fornecimento.

Outro critério é, sem dúvida, cultural. A banalização do furto de energia, a pobreza e a desinformação, influenciadas pela vizinhança, são aspectos que devem ser combatidos através da conscientização dos benefícios que o uso racional e legal da energia traz.

Anualmente, a AES Eletropaulo deixa de faturar 2.700 GWh em decorrência de perdas não-técnicas, um montante de energia maior do que o consumo residencial anual dos municípios de São Bernardo, São Caetano, Santo André e Diadema, que juntos têm 2 milhões de habitantes. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a perda comercial anual do setor brasileiro de distribuição de energia elétrica foi de cerca de R$ 5,1 bilhões em 2005.


->Metodologia de criação do indicador de propensão à perda comercial

Neste artigo apresento um trabalho de criação de um indicador de propensão à incidência de perdas comerciais, desenvolvido na AES Eletropaulo por mim e pelo colega Eduardo Bortotti Fagundes. A utilização de técnicas sofisticadas para apoio à gestão tática e operacional contribui para um melhor retorno financeiro, com ações direcionadas de combate às perdas, e, por esse motivo, é muito bem-vinda.

As ferramentas de análise geográfica e a geoestatística trazem essa contribuição. Os setores de varejo, telecom e bancário já desenvolveram diversos modelos sofisticados para endereçar essa questão, mas em geral a apropriação das geotecnologias é incipiente.

Tal metodologia utiliza técnicas geoestatísticas e integra, para cada região geográfica em estudo, quatro informações básicas:

1) Perda percentual de energia (total), calculada como a diferença entre a energia medida e a energia faturada, por Estação Transformadora de Distribuição (ETD) da AES Eletropaulo. A perda de energia foi associada à área de cobertura de cada ETD, utilizando técnica de delimitação de polígonos de Thiessen;

2) Renda domiciliar média, substituída pelo consumo de energia elétrica médio residencial, devido à alta correlação entre essas duas variáveis, conforme vimos no artigo da InfoGEO 43 “GIS + Consumo de Energia Elétrica = Indicadores Geográficos de Renda”. Como essa informação está disponível para cada cliente (ponto), dividimos a área de concessão da empresa em quadrículas de um quilômetro quadrado, e calculamos o consumo médio para cada um desses polígonos;

3) Percentual da área ocupado por favelas, calculado a partir de base da prefeitura de São Paulo. Essa informação será substituída por algum indicador de condições de vida mais robusto, como o Índice de Vulnerabilidade Social ou o IDH;

4) Percentual de clientes cortados. Da mesma forma que a renda domiciliar, esse indicador foi associado às quadrículas de um quilômetro quadrado.

Uma simples sobreposição geográfica e junção espacial (spatial overlay) compatibiliza as unidades geográficas, conforme apresentado na figura que traz a metodologia adotada para a área de concessão da AES Eletropaulo. Usando esta técnica obtivemos um layer espacial em que cada entidade poligonal contém informação de quatro dimensões utilizadas neste estudo.

Daí, basta uma ponderação entre as quatro informações associadas a cada unidade poligonal para a geração do melhor indicador de propensão à incidência de perdas comerciais. A prática do uso desse indicador poderá, com o tempo, refinar os pesos associados a cada variável, tornando o indicador mais robusto e relevante. As equipes que fazem o combate à fraude poderão ser melhor direcionadas em campo, a partir de um indicador geográfico com esse propósito.


->Mapa de indicador de propensão à incidência de perdas comerciais

Já a porção geoestatística desta história, que usa modelos de regressão espacial para a explicação das perdas, ficará para um próximo artigo.

Uma vez que as informações utilizadas são todas internas, sob gestão das distribuidoras de energia elétrica, ou são de simples obtenção externa, esta metodologia torna-se de fácil implementação e manutenção. A inovação está na integração entre informações técnicas, como a perda total por estação transformadora de distribuição, e informações comerciais, como o consumo médio faturado de energia elétrica. Tal integração é possibilitada pelo GIS, e a geração do indicador se dá pelo estabelecimento de técnicas de análise geográfica, de uso pioneiro no setor de distribuição de energia elétrica para esta finalidade.

Eduardo de Rezende Francisco
Mestre e doutorando em administração de empresas pela FGV-EAESP
Bacharel em ciência da computação pelo IME-USP
Atua em GIS, Business Intelligence, pesquisas de mercado e estratégias de marketing na AES Eletropaulo
Consultor em integração Geomarketing & Data Mining
Presidente da GITA Brasil (www.gita.org.br)
eduardo.francisco@aes.com