Os municípios já conhecem o conteúdo da Lei Federal 10.257/2001 denominada Estatuto das Cidades, cujo enfoque principal está na participação popular no processo de elaboração dos Planos Diretores Municipais.

Devido à dificuldade de implantação das metodologias participativas através dos métodos convencionais, sem o uso da geotecnologia, aliada ao fato da ausência de profissionais com prática e especialização nessa área, grande parte dos municípios tem negligenciado o caráter participativo de seus planos.

Outra questão, que também tem sido relegada a segundo plano pelos municípios, é o correto uso da geotecnologia. Essa é comprovadamente a principal e mais potente ferramenta de análises físico-territoriais e sócio-econômicas, necessárias à elaboração das leituras técnicas e comunitárias na elaboração dos Planos Diretores.

A despeito dos municípios, os avanços tecnológicos na área da geotecnologia e Tecnologia da Informação (TI) têm colocado o cidadão comum frente a frente com a realidade de seu território. O cidadão pode agora, via web, visualizar a ocupação do seu território a ponto de perceber equívocos no licenciamento do uso do solo urbano, e lotar nossos tribunais com ações judiciais contra o poder municipal.

Os municípios estão perdendo momentos oportunos de se tornarem referências no uso da geotecnologia, garantirem o papel de principais agentes construtores, fiscalizadores e disponibilizadores de informações sobre seu território, e de promoverem ações exemplares, ao invés de se verem fiscalizados pelo cidadão comum.

Capacitação é a chaveCapacitação de pessoal

Geralmente, o quadro de profissionais de uma administração pública municipal carece de conhecimento acerca da geotecnologia e do seu potencial em relação às práticas de planejamento e gestão municipal.

Surge então o desafio da capacitação. Como munir o município, em todos seus níveis hierárquicos, de profissionais hábeis para manipular todo este ferramental composto por produtos e técnicas potentes de visualização, edição, integração e disponibilização de informações sobre o seu território?

O desafio exige repensar a forma de vermos a informação geográfica, no âmbito do município. Há que se vencer padrões antigos para que se avance na aplicação desta importante ferramenta no processo de tomada de decisões.

Democratização

O primeiro paradigma a ser quebrado pela capacitação é o da propriedade departamental da informação. Os cadastros municipais não pertencem a um setor ou secretaria. Pertencem, em primeira instância, à toda a municipalidade, e em última instância a todos os munícipes. Assim, surge o primeiro desafio da capacitação: democratizar a geoinformação, seja ela na forma de mapas, cadastros, etc., e torná-la acessível a um número maior de profissionais dentro da administração municipal.

Cursos rápidos são uma boa alternativa àqueles que precisam tão somente localizar um evento ou consultar dados do Plano Diretor ou da Lei de Uso do Solo de seu município, por exemplo. Um conteúdo básico, que aborde aspectos de cartografia, mapas temáticos e sistemas de informações geográficas, permitirá a algumas dezenas de profissionais o acesso a informações disponíveis, o que vai favorecer as decisões sobre licenciamento, atendimento ao público e planejamento de ações.

Especialização

O segundo paradigma a ser vencido é o da especialização. O planejamento participativo pressupõe o conhecimento mais amplo das realidades do território que inclui, além das informações físico-territoriais, dados sócio-econômicos e culturais e conceitos de planejamento e gestão municipal.

Assim, profissionais envolvidos com o planejamento municipal propriamente dito devem receber capacitação sobre o uso das ferramentas de análises integradas dessas informações, que possibilitem modelagens capazes de gerar diagnósticos e cenários sobre a realidade municipal. Cursos presenciais, com profissionais das áreas de urbanismo, geografia e geotecnologia, entre outras, permitem uma visão multi e interdisciplinar, necessárias à construção de cenários auxiliares à tomada de decisões.

Gestão da geoinformação

O terceiro paradigma a ser vencido é o da gestão da geoinformação. Muitos recursos são perdidos devido à ausência de estratégias de atualização das informações geográficas municipais. Neste caso, o desafio é capacitar profissionais específicos para o gerenciamento da informação, que inclui a geração, manutenção e atualização presentes nos cadastros e bases de dados do município.

O conteúdo do curso deve abordar a extração de informação de imagens de satélite, sistemas de coleta de dados de campo (uso de GPS ou mesmo GIS móvel), mecanismos de carga e conversão de grandes volumes de dados, etc.. Neste caso, são necessários cursos presenciais e práticos mais extensos, para um número menor de profissionais.

Este é o cerne do sucesso de um sistema de informações: a gestão eficiente da informação ali contida.
Pretende-se que, com o conhecimento das questões ora abordadas, possamos a curto ou médio prazo trazer efetivamente para nossa realidade a prática do planejamento urbano e o uso da geotecnologia como ferramenta, a exemplo dos países de primeiro mundo. Tais práticas mereceriam, desde já, a criação de uma lei específica que obrigasse, como no caso dos Planos Diretores Participativos, sua aplicação pelos municípios.

Ieda Maria Vieira
Arquiteta, Msc em sensoriamento remoto pelo Inpe
Diretora da Inciti – Geotecnologia para Cidades
ieda@inciti.com.br