Introdução
O objetivo deste trabalho é analisar a desigualdade ambiental existente na Subprefeitura do Butantã na zona oeste do município de São Paulo/SP. Os dados utilizados para análise foram o Censo 2000 realizado pelo IBGE e uma imagem do satélite Landsat ETM+. Foram consideradas as condições de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de coleta de lixo, índice de vegetação e a ocorrência de domicílios improvisados. Esses indicadores de infra-estrutura urbana e de qualidade ambiental são essenciais para evitar riscos à saúde da população.  Para a análise e processamento dos dados, foi utilizado um Sistema de Informação Geográfica.  Os resultados permitiram a análise espacial da distribuição do índice de qualidade ambiental urbana. Então, puderam-se localizar as áreas mais críticas, identificando-se o problema.  Desde modo, as condições ambientais refletem a desigualdade à que os grupos sócio-econômicos estão submetidos em grandes centros urbanos como São Paulo. 

Justiça Ambiental e Desigualdade Ambiental
Entende-se por Justiça Ambiental o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas.

Por Injustiça Ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais marginalizadas e mais vulneráveis (HERCULANO, 2002, p.2).

Alguns autores preferem o termo Desigualdade Ambiental, (CHAKRABORTY e ARMSTRONG, 1997), apesar de continuarem com o mesmo enfoque em suas análises. Também preferimos este termo, pois como afirmam Silva e Barros (2002, p.375), “a qualidade de ser igual ou desigual possui caráter apenas descritivo, sem associação necessária com um juízo de valor sobre justiça ou injustiça”.

No Brasil, a temática da Desigualdade Ambiental ainda engatinha. Em setembro de 2001, foi realizado na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), o Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, quando foi criada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA. Esta foi senão a primeira, uma das primeiras iniciativas de cunho acadêmico e político no Brasil, feita para discutir enfoques teóricos e implicações políticas da proposta de Justiça Ambiental (HERCULANO, 2002).

Várias unidades geográficas, variáveis demográficas, testes estatísticos e indicadores de riscos têm sido utilizados para avaliar a magnitude das disparidades na distribuição dos riscos ambientais. As unidades geográficas incluem estados, países, códigos postais e unidades censitárias. As variáveis demográficas abrangem a renda familiar média, a proporção de população não-branca, a porcentagem da população abaixo de determinado nível de pobreza. São aplicados testes estatísticos como Qui-Quadrado, Regressão Múltipla, Teste T, etc. (HARNER, 2002, p.318-319).

Metodologia
A metodologia proposta para a avaliação da desigualdade ambiental em áreas urbanas divide-se em duas vertentes. Na primeira, é analisada a qualidade ambiental de cada setor censitário, a partir de indicadores considerados relevantes para assegurar a qualidade de vida e a saúde da população. Na segunda, são analisadas as desigualdades espaciais na distribuição dos índices de qualidade ambiental.

A qualidade ambiental urbana, neste trabalho, é entendida como a provisão de condições adequadas para o conforto e a saúde da população. Assim, incluem-se as condições de abastecimento de água, o destino da água servida e do lixo, a ocorrência de domicílios improvisados e a presença de cobertura vegetal.

A quantidade de domicílios com disposição de abastecimento de água pela rede geral; de esgotamento sanitário pela rede geral ou fossa séptica; de domicílios improvisados e com coleta de lixo são fornecidos pelo IBGE (2002).

Pode-se obter informações a respeito da cobertura vegetal através do Índice de Vegetação de Diferença Normalizada (NDVI), utilizando-se imagens de sensores como o TM, e o ETM+ dos satélites americanos LANDSAT 5 e 7 respectivamente, ou o HRV do satélite francês SPOT, entre outros.

Para tornar estes indicadores básicos comparáveis e facilitar a posterior combinação das informações, foram calculados índices para cada uma das variáveis. O intervalo adotado foi entre 0 e 1, com zero para as piores situações negativas e 1 para as melhores situações positivas. Assim, o valor de cada índice é igual ao quociente entre: a diferença entre o valor observado e o mínimo possível; e a diferença entre os limites máximos e mínimos possíveis.

Após o cálculo dos cinco índices básicos, foi gerado o índice sintético. O Índice de Qualidade Ambiental Urbana é a média dos cinco índices básicos.

Os estudos de desigualdade ambiental, ou justiça ambiental, se preocupam em mostrar o quanto os problemas ambientais estão distribuídos de maneira desigual entre a população. Então, para analisá-la, foram considerados os desvios em torno da média.

É importante ressaltar que a desigualdade foi analisada entre os setores censitários, e não dentro deles.

O software utilizado foi o Sistema de Informação Geográfica ILWIS 3.3.

Área de Estudo
A Subprefeitura do Butantã está situada na região oeste do município de São Paulo e possui população de 367841 pessoas, segundo o Censo realizado pelo IBGE em 2000. Esta SubPrefeitura abriga cinco Distritos: Butantã, Morumbi, Raposo Tavares, Rio Pequeno e Vila Sônia, conforme mostra a Figura 1.

Figura 1. Área de Estudo.
Figura 1. Área de Estudo.

Estão presentes nesta Subprefeitura tanto áreas de alto padrão, principalmente no Morumbi, como bairros de classe média até favelas. Mas de um modo geral é muito expressiva a população de médio a alto nível sócio-econômico.

Resultados
O mapa seguinte é o produto final da análise realizada. Ele mostra a dispersão da desigualdade ambiental entre os setores censitários. A média do índice foi 0.659, com o valor mínimo de zero para o setor com pior qualidade ambiental e um para o setor com a melhor qualidade ambiental.

Figura 2. Mapa de Desigualdade Ambiental no Butantã.
Figura 2. Mapa de Desigualdade Ambiental no Butantã.

Numa hipotética situação de igualdade ambiental, todos os setores deveriam ter índice de qualidade ambiental igual a 0.659. No mapa (Figura 2), os setores nesta situação aparecem na cor branca. Os setores azuis são os mais privilegiados, ou seja, com índice superior à média. Os setores em vermelho apresentam índice abaixo da média.

O Índice de Desigualdade Ambiental foi obtido a partir dos desvios entorno da média da Qualidade Ambiental. Para ressaltar as diferenças os resultados foram reescalonados para o intervalo entre 0 e 1. A média reescalonada foi 0.659.

Nos Distritos do Morumbi, Butantã e Vila Sônia predominaram os índices mais elevados. Nos Distritos de Rio Pequeno e Raposo Tavares foi constatada mais desigualdade, com uma maior presença de setores de índices mais baixos no Rio Pequeno.

Os setores censitários foram divididos em cinco grupos, de acordo com o índice de qualidade ambiental. Então, foi obtida a renda média de cada um dos grupos, para constatar se a qualidade ambiental tinha alguma relação com a renda dos responsáveis pelos domicílios. Os resultados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1. Relação entre o Índice de Qualidade Ambiental e a Renda Média dos Responsáveis pelos Domicílios
Tabela 1. Relação entre o Índice de Qualidade Ambiental e a Renda Média dos Responsáveis pelos Domicílios

Assim, observa-se uma forte relação entre o rendimento médio e o índice de qualidade ambiental urbana. As populações de rendimento mais baixo residem nas áreas com os piores índices de qualidade ambiental urbana.

Os rendimentos médios obtidos são altos para grande parte da área de estudo. Mesmo entre os setores mais ricos, a relação entre qualidade ambiental e rendimento médio apresenta uma nítida tendência linear.

Conclusões
A metodologia proposta foi eficaz para a avaliação da desigualdade ambiental. O Geoprocessamento, por meio da análise espacial, teve contribuição fundamental, permitindo a localização das áreas com problemas ambientais urbanos.

A estratificação segundo a magnitude dos problemas ambientais foi essencial para a identificação dos grupos populacionais mais vulneráveis. Estas informações são valiosas para a intervenção dos órgãos de Planejamento Ambiental Urbano e de Saúde Pública, subsidiando a formulação de políticas públicas.

O Sensoriamento Remoto, por meio de técnicas como a construção de índices de vegetação a partir de imagens de satélite, apresentou grande eficiência.

Na SubPrefeitura do Butantã, a vegetação mostrou-se distribuída com maior desigualdade entre a população. Ao contrário, os indicadores mais freqüentemente utilizados como abastecimento de água e coleta de lixo se aproximam da universalização. A vegetação foi, portanto, o indicador mais determinante para a avaliação da qualidade ambiental urbana.

O rendimento dos responsáveis pelos domicílios teve forte correlação espacial tanto com a qualidade ambiental urbana como com a distribuição da vegetação.

As áreas com os piores índices estão desprovidas praticamente de todos os serviços públicos e são resididas pela população de renda mais baixa. Apenas as áreas com péssimas condições ambientais são acessíveis à população mais pobre, freqüentemente, em favelas.

Referências
CHAKRABORTY, J.; ARMSTRONG, M. P. Exploring the Use of Buffer Analysis for the Identification of Impacted Areas in Environmental Equity Assessment. Cartography and Geographic Information Systems, v.24, n.3, p.145-157, 1997.

HARNER, J.; WARNER, K.; PIERCE, J.; HUBER, T. Urban Environmental Justice Indices. The Professional Geographer, Malden, v. 54, n.3, p.318–331, 2002.

HERCULANO, S. Riscos e desigualdade social: a temática da Justiça Ambiental e sua construção no Brasil. In: ENCONTRO DA ANPPAS, 2002, Indaiatuba. Anais… Indaiatuba: ANPPAS, 2002.

IBGE: Base de Informações por Setor Censitário: Censo Demográfico 2000 – Resultados do Universo (São Paulo/SP). Rio de Janeiro: IBGE, 2002. 1 CD-ROM.

LANDSAT ETM+ 7 (1999) São José dos Campos: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, órbita 219, ponto 76, 3 setembro 1999. 1 imagem de satélite. Canais 3 e 4 (CD).

MORATO, R. G.; KAWAKUBO, F. S. Metodologia para o Mapeamento e Análise da Desigualdade Ambiental Urbana na Subprefeitura da Lapa (São Paulo, Brasil) com Apoio de Geoprocessamento. Geofocus (Madrid), v. 7, p. 24-33, 2007.

MORATO, R. G.; KAWAKUBO, F. S. Análise Espacial da Desigualdade Ambiental na Subprefeitura do Butantã, São Paulo/SP. Hygeia, Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde. Uberlândia, v. 3, n. 4, p. 66-73, 2007.

MORATO, R. G.; KAWAKUBO, F. S., LUCHARI, A. Geografia da Desigualdade Ambiental na Subprefeitura de Campo Limpo, Município de São Paulo. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, XII., 2005, Goiânia. Anais… São José dos Campos: Inpe, 2005. p.2281-2288.

SILVA, J. B.; BARROS, M. B. A. Epidemiologia e desigualdade: notas sobre a teoria e a história. Pan American Journal of Public Health v.12, n.6, p.375-383, 2002.

WESTEN, C.; FARIFTEH, J. User’s Guide: ILWIS – Integrated Land and Water Information System.  Enschede: International Institute for Aerospace Survey & Earth Sciences, 1997. 511p.

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Rúbia Gomes Morato
Laboratório de Aerofotogeografia e Sensoriamento Remoto
Departamento de Geografia – Universidade de São Paulo
rubiagm@usp.br  

Fernando Shinji Kawakubo
Laboratório de Aerofotogeografia e Sensoriamento Remoto
Departamento de Geografia – Universidade de São Paulo
fsk@usp.br