No último artigo introduzi a técnica de avaliação multi-critério – implementada em ambiente de sistema de informações geográficas – como ferramenta para o zoneamento de Unidades de Conservação (UCs). Falei ainda que detalharia um pouco mais a metodologia num próximo artigo. Vamos ver adiante alguns detalhes da metodologia e comentários, conforme aplicação no plano de manejo do Parque Estadual do Desengano, no Rio de Janeiro.
A Avaliação Multi-Critério (AMC) foi implementada em ambiente computacional no aplicativo de sistema de informações geográficas Idrisi, produzido pela Clark University (Clark Labs). Utiliza as técnicas de hierarquização analítica (AHP – Analytical Hierarchy Process), desenvolvida por Saaty em 1979, e a combinação linear ponderada. Enquanto a hierarquização analítica é utilizada para comparação e ponderação de critérios, a combinação linear ponderada é a ferramenta através da qual os diferentes mapas temáticos, que representam critérios e restrições, são combinados para gerar um mapa indicativo da adequação da superfície em estudo para um determinado uso. O processo cria um ranking de unidades espaciais (no caso do formato raster utilizado, expresso em píxels), que vai das áreas mais apropriadas às menos apropriadas para determinado objetivo.
O primeiro passo da AMC é definir os objetivos, ou usos, para os quais se quer alocar áreas. Estes objetivos são definidos numa primeira reunião com a equipe de especialistas que trabalha num plano de manejo (biólogos, geólogos, sociólogos, geomorfólogos, geógrafos, entre outros), juntamente com a equipe administrativa da UC. Três objetivos comuns nos trabalhos de plano de manejo são:
• Hierarquização de áreas segundo a adequação para visitação;
• Hierarquização de áreas segundo a prioridade para conservação;
• Hierarquização de áreas segundo a prioridade de recuperação.
O processo seguinte para a equipe de consultores e administradores é escolher as variáveis (ou critérios) consideradas para definir a melhor vocação das áreas para cada objetivo. Assim, como exemplo, foram definidas algumas variáveis, mostradas abaixo:
Objetivo: Visitação
• Uso das terras e cobertura vegetal;
• Proximidade de vias de acesso – estradas e caminhos;
• Proximidade das trilhas que atravessam o PED (caminhada);
• Proximidade dos atrativos no parque apontados pelo uso público;
• Faixas de declividade;
• Proximidade dos vetores de penetração no parque apontados pelo uso público;
• Fragilidade da flora;
• Fragilidade da fauna (geralmente grupos indicadores, como mamíferos, aves, anfíbios ou insetos).
Na fase de ponderação, os consultores e participantes indicaram pesos a serem atribuídos a cada um dos fatores identificados, relacionando-os aos objetivos definidos para o zoneamento. Esta avaliação é feita através da matriz de Saaty. Esta é uma matriz quadrada, utilizada para comparar os fatores. Cada um deles é avaliado em relação a outro fator – par a par – conforme sua importância para o objetivo em avaliação, gerando os diferentes pesos que cada variável terá na combinação linear ponderada. Para tal, utiliza-se uma escala com nove valores, como expresso no Quadro 1, abaixo.
Quadro 1- Valores para as notas de importância relativa dos fatores
Quadro 2- Matriz de Saaty para a extração dos pesos de cada variável
Uma matriz AHP, preenchida em reunião com a equipe de elaboração do Plano de Manejo do Parque Estadual do Desengano, pode ser vista ao lado.
A partir da extração dos autovetores da matriz, são encontrados os pesos de cada variável, que devem somar 1. Estes pesos servem de entrada para o processo de combinação linear ponderada.
O produto resultante desse processo é um mapa indicativo de áreas prioritárias para visitação (Figura 1), mostrado como exemplo.
Figura 1 – Indicação de áreas para visitação, considerando a fragilidade da flora e da fauna
A aplicação da análise multi-critério para promover o zoneamento em unidades de conservação apresenta ótimos resultados quando amparada em uma boa base de dados. O método viabiliza a espacialização dos dados dos meios físicos, bióticos e socioeconômicos, levantados pelos consultores temáticos, promovendo o debate e a ponderação dos fatores considerados relevantes para a determinação do zoneamento do parque.
Um problema identificado nesta metodologia é o viés causado pela falta de informação sobre todo o território a ser zoneado e por variáveis com regionalização excessivamente artificial ou arbitrada. Podem ser observadas no mapa as manchas nítidas e pouco naturais em relação à fisiografia local, decorrentes principalmente da variável “fragilidade da fauna”. No caso apresentado, os especialistas em mamíferos e aves somente conseguiram inferir informações sobre espécies raras ou ameaçadas em duas regiões acessíveis do Parque do Desengano, deixando um vazio de informações no restante do território. Como as rodadas de discussão para avaliação das variáveis acabaram por atribuir um peso alto para fauna e flora, o efeito sobressai ainda mais. Em outros parques, tomamos o cuidado de explicar o efeito das lacunas e limites excessivamente crisp (abruptos) na metodologia, instruindo os especialistas a inferir informações sobre suas respectivas variáveis mesmo nos locais não percorridos em campo, auxiliando-os com a interpretação de imagens de satélites e outros recursos.
Uma alternativa para melhorar esse aspecto da metodologia é o uso de inferidores fuzzy e outras técnicas de lógica nebulosa, tanto na captura do conhecimento dos especialistas sobre a área de estudo como no auxílio à regionalização de variáveis ambientais.
Com a contribuição de Eduardo Lardosa e Andréa Franco Oliveira, biólogos e mestres em geomática.
Carlos Eduardo Goes Jamel é biólogo e especialista em geoprocessamento
cjamel@novaterrageo.com.br
www.novaterrageo.com.br