Por Carlos Eduardo Goes Jamel

O Estado do Rio de Janeiro já fascinou grandes naturalistas com suas paisagens e florestas. Von Martius e Spix (1817), Saint-Hilaire (1818) e Darwin (1832) passaram pelo Estado e produziram magníficas obras científicas, descrevendo a cobertura vegetal e suas espécies, além da fauna, aspectos geológicos e o ambiente cultural do Brasil do século XIX. Saint-Hilaire descreveu a vegetação que hoje conhecemos como Domínio da Mata Atlântica como uma majestosa floresta, imensa, que “se estende para o norte muito além do rio Grande, ocupa toda a parte oriental de Minas Gerais, cobre sem interrupção as províncias do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina inteira, o norte e o ocidente do Rio Grande do Sul e segue para as Missões ao norte do Paraguai”.

Ilustração de Von Martius
Ilustração de Von Martius, já retratando o desmatamento
no início do século XIX no Rio de Janeiro

No entanto, esses naturalistas também testemunharam o desmatamento que, naquela época, já tinha um ritmo acelerado, em função do auge do ciclo do café (primeira metade do século XIX) e da conseqüente expansão da fronteira agrícola sobre as áreas de floresta. O mesmo Saint-Hilaire, que se deslumbrava com as florestas do Rio, comenta: “Árvores gigantescas, incendiadas pelo pé, tombavam com fragor, quebrando outras ainda não atingidas pelo fogo. Depois, sobre o chão em cinzas onde fora a mata virgem, restavam os destroços dos galhos e dos troncos reduzidos a carvão. E tudo isso o sertanejo faz para colher alguns alqueires de milho, arriscando-se, pela falta de precaução, a perder uma floresta, como se sem floresta fosse possível haver cultura. A gente simples, deslumbrada com a natureza e crente de nunca lhes faltarem as suas dádivas, destrói a floresta como desperdiçavam o ouro extraído das minas.”

Foto de Charles Darwin
Foto atribuída a Charles Darwin
em sua estada no Rio de Janeiro, de abril a junho de 1832

Hoje temos a Mata Atlântica no Brasil reduzida a cerca de 7,3% de sua cobertura original, sendo remanescentes no Estado do Rio cerca de 20%. Os esforços para conservação desse bioma, considerado um dos conjuntos de ecossistemas com mais alta biodiversidade no mundo, devem ser feitos da forma mais eficiente possível, baseados no tripé: conservação de remanescentes, recuperação de áreas degradadas e combate ao desmatamento e à degradação. Para tornar eficientes essas frentes de ação, uma das principais ferramentas de trabalho é o monitoramento com base em sensoriamento remoto e sistemas de informação geográfica.

O Governo do Estado do Rio de Janeiro, através do Instituto Estadual de Florestas, está finalizando a consolidação da base cartográfica digital do Estado, na escala 1:50.000, justamente com o objetivo de iniciar um programa de monitoramento da cobertura vegetal no Estado, adequado às especificidades da paisagem fluminense e detalhado o suficiente para embasar ações de fiscalização. O projeto é financiado pela cooperação Brasil-Alemanha, dentro do Programa de Proteção à Mata Atlântica (PPMA-RJ), e conta com instituições parceiras como o IBGE (cessão das folhas 1:50.000 vetorizadas e parcialmente consolidadas), a Fundação S.O.S Mata Atlântica (cessão dos dados de monitoramento da Mata Atlântica de 2005), além de outras instituições estaduais como a Serla (Superintendência Estadual de Rios e Lagos) e a Fundação Cide (Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro).

A primeira etapa do projeto consiste na consolidação da base cartográfica e no estabelecimento da metodologia para o monitoramento por sensoriamento remoto e análise dos dados. Duas outras etapas serão iniciadas em seguida: o mapeamento inicial (tempo-zero, ou T-zero) da cobertura vegetal – baseado em imagens Landsat do ano de 2007 e trabalhos de campo – e o estabelecimento do Sistema de Informações Geográficas (SIG) para gerenciamento dos esforços de conservação da Mata Atlântica no Estado. Esse sistema já deverá funcionar no âmbito do recém-criado Inea (Instituto Estadual do Ambiente), que congrega o Instituto Estadual de Florestas (florestas e conservação), a Serla (gestão dos recursos hídricos) e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (controle da poluição e licenciamento ambiental) numa única instituição, com núcleos regionais distribuídos pelo Estado. A mesma base constituída para o monitoramento da cobertura vegetal está sendo utilizada para o zoneamento ecológico-econômico do Estado do Rio de Janeiro, que está sendo elaborado em parceria entre a Secretaria Estadual do Ambiente (SEA) e a UFRJ.

Na metodologia de monitoramento da cobertura vegetal do Estado, o sensor escolhido para dar continuidade ao programa foi o Avnir-2, embarcado no satélite Alos, dadas as suas características de resolução espacial (10m), compatibilidade radiométrica com dados Landsat e Cbers e relação custo-benefício favorável. Foi sugerido um período de repetição do imageamento e mapeamento total do Estado de dois anos, sendo feitas nesse intervalo atualizações no mapeamento de cobertura vegetal por meio do georreferenciamento das ocorrências fiscalizadas pelo IEF, como incêndios florestais e desmatamento, além da supressão licenciada de vegetação. Essas informações serão consolidadas bi-anualmente, em confronto com o imageamento.

O sistema de informações geográficas deverá conter, além da vegetação classificada detalhadamente, camadas essenciais para a gestão da cobertura vegetal nativa do Estado, como unidades de conservação (inclusive as particulares – RPPNs), áreas de preservação permanente (APPs) e áreas averbadas como reserva legal. Dentre os objetivos do programa de monitoramento destacam-se a investigação dos vetores de pressão sobre a vegetação e das áreas de maior risco de perda de cobertura, sendo também indicadas áreas prioritárias para receber investimentos na recuperação da vegetação. Também deverão ser estabelecidas e monitoradas as áreas de maior potencial para conservação da biodiversidade, dentro e fora de unidades de conservação. Será estabelecida uma interface de consulta na internet, com acesso ao SIG e possibilidade de troca de informações entre a unidade de geoprocessamento central e as unidades regionais e grupos móveis de fiscalização.

Fundamental para o sucesso do programa de monitoramento é a internalização dos processos pelas instituições envolvidas, tornando o uso do SIG e o georreferenciamento de informações uma prática rotineira, tanto no Inea quanto em instituições parceiras, como o Corpo de Bombeiros, o Batalhão Florestal da Polícia Militar e a Delegacia de Crimes Ambientais, além do corpo técnico-administrativo das Unidades de Conservação, que deverão funcionar no Estado do Rio como unidades avançadas do próprio Inea.

O Rio de Janeiro ainda mantém áreas significativas de Mata Atlântica, sejam floresta, vegetação sobre restinga, vegetação rupícola, campos de altitude, vegetação xeromórfica do litoral da Região dos Lagos e vegetação aquática das inúmeras lagoas. A manutenção dessas áreas remanescentes é uma questão de sabedoria. Ou será que vamos continuar repetindo os erros que Saint-Hilaire anunciou há quase 200 anos? Se depender das técnicas de geoprocessamento, certamente não.

Carlos Eduardo Goes Jamel é biólogo e especialista em geoprocessamento
cjamel@novaterrageo.com.br/www.novaterrageo.com.br