O atraso causado pela troposfera neutra (muitas vezes chamada somente de troposfera na comunidade de geomática) é sofrido pelo sinal GNSS quando este viaja através da atmosfera, no seu caminho entre a antena do satélite e a do receptor. Apesar de ser conhecido como atraso troposférico, esse efeito é causado não só pela camada troposférica, mas por toda a parte da atmosfera que não está ionizada.

Por causa da natureza da atmosfera neutra, que é composta principalmente por gases, incluindo vapor d’água, o sinal é refratado, o que significa que sua velocidade muda (nesse caso o sinal passa a viajar em uma velocidade menor que a da luz no vácuo). Devido a essas mudanças de velocidade e direção, o sinal leva mais tempo para chegar até a antena do receptor do que se estivesse viajando no vácuo. Essa diferença de tempo, que também pode ser representada em unidades de distância, é o atraso de atmosfera neutra.

A magnitude desse atraso depende de diversos fatores e pode ser quantificada com base em perfis de pressão atmosférica, temperatura e pressão de vapor d’água. A alteração desses parâmetros, para um determinado local, determina a variação do atraso de um instante de tempo para outro, ao longo das diferentes estações climáticas, sendo que o valor mais difícil de predizer é a quantidade de água presente na atmosfera, devido à sua alta variação quando comparada à pressão ou temperatura.

Outro aspecto que tem importância fundamental no atraso que o sinal irá sofrer é a quantidade de atmosfera que ele tem que atravessar, o que depende basicamente do ângulo de elevação do satélite em relação ao receptor. Quanto mais perto o satélite estiver da direção zenital do receptor, menos atraso seu sinal irá sofrer.

Na direção zenital, o atraso de atmosfera neutra para um receptor próximo ao nível do mar é de aproximadamente 7,7 nanosegundos, ou 2,3 metros, e pode chegar a até mais de 20 metros para ângulos de elevação por volta de cinco graus, e mais de dez metros para dez graus, como pode ser visto na figura 1. Os valores mostrados na figura são os erros que estarão presentes nas medidas GNSS usadas em posicionamento, caso o atraso não seja modelado. Dada a magnitude desses erros, podemos dizer que o atraso causado pela troposfera neutra deve ser sempre considerado em posicionamento GNSS, seja qual for o nível de acurácia desejado.

Figura 1
>Figura 1 – Erros presentes nas medidas GNSS

A maneira de lidar com esse atraso pode variar, dependendo de certos aspectos, como por exemplo os tipos de observações usadas (simples ou dupla freqüência), tempo de observação e acurácia requerida. Uma maneira comum de considerar esses atrasos no posicionamento GNSS é usando modelos de predição, que não requerem nenhuma fonte de informação externa e podem fornecer os valores dos atrasos em tempo real, calculados usando uma base de dados interna do modelo. Esses modelos de predição usualmente possuem uma incerteza de quatro a cinco centímetros na direção zenital, o que corresponde a uma medida de 22 a 28 centímetros para uma elevação de dez graus.

Essa solução é boa o suficiente para a maioria das aplicações de navegação nos dias de hoje, porém novas técnicas melhoradas de posicionamento GNSS podem requerer soluções mais acuradas no futuro. Mesmo hoje existem aplicações de posicionamento que requerem maior precisão do que as proporcionadas pelos modelos de predição (por exemplo levantamento geodésico de alta acurácia), e para essas aplicações existe uma alternativa, que é a estimação do atraso como um das incógnitas no posicionamento GNSS. Isso é possível se o tempo de observação for longo o suficiente e se observações de fase em duas freqüências forem usadas. Sob essas condições, os atrasos derivados de observações GNSS são muito confiáveis e, por causa disso, receptores GPS têm sido usados como sensores da atmosfera para estudos climatológicos.

Para analisar o impacto dos atrasos da atmosfera neutral, no posicionamento GPS, vamos dar uma olhada em um experimento no qual 12 horas de observações GPS da estação UNBJ (Canadá) foram usadas para realizar um Posicionamento Preciso por Ponto (PPP) em modo cinemático, e onde as coordenadas obtidas foram comparadas àquelas conhecidas da estação. Três soluções foram geradas:

a) Sem considerar a atmosfera neutra (nenhuma correção é feita);

b) Corrigindo os atrasos usando o modelo de predição UNB3m;

c) Calculando os atrasos como uma das incógnitas no posicionamento.

A figura 2 mostra os resultados dos três processamentos, e a tabela 1 mostra os erros médios e os valores de RMS para cada componente, em cada caso.

Figura 2
>Figura 2 – Resultados dos três processamentos

É possível perceber que as soluções b e c são muito melhores que a, na qual os atrasos não foram considerados. Além disso, o caso c proporcionou resultados melhores que o caso b, com um a cinco centímetros de melhora no RMS de cada componente, e com uma melhora de 14 centímetros no erro médio da altura. O erro do modelo de predição UNB3m (na direção zenital) foi de aproximadamente cinco centímetros em relação ao atraso calculado como incógnita no posicionamento, o que confirma uma relação conhecida de que o impacto do erro de modelagem na altura é aproximadamente três vezes maior do que o erro de modelagem do atraso zenital. O grande impacto na altura ocorre porque o atraso de atmosfera neutra é altamente correlacionado com essa direção. Os erros médios para as direções horizontais em b e c são similares, porque a variação da geometria dos satélites ao longo do tempo faz com que a média do erro horizontal tenda a zero.

Tabela
>Tabela 1 – Erros médios e RMS para cada componente

A melhora nos erros de posicionamento mostra como é importante usar técnicas de modelagem, apropriadas para o atraso de atmosfera neutra em GNSS, e esse aspecto será cada vez mais importante à medida que as técnicas de posicionamento evoluem. É provável que elas passem a necessitar de modelos cada vez mais confiáveis para proporcionar posições com acurácia cada vez maior.

Rodrigo LeandroRodrigo Leandro
Engenheiro MSc (USP) e candidato a PhD em geodésia espacial (University Of New Brunswick)
Atua como engenheiro de pesquisa e desenvolvimento em GNSS (Trimble)
rodrigo_leandro@trimble.com